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A impressão digital do petróleo

Atualizado: 9 de dez. de 2020


Ilustração: Joana Ho


Todo mundo já viu um filme/seriado/novela em que as impressões digitais deixadas em um objeto são usadas para identificar o autor de um crime. Mas você sabia que o óleo gerado em diferentes bacias petrolíferas também possuem “impressões digitais” únicas? Pois é… nem todos os petróleos são iguais.


Antes de entender a ciência por trás disso, é preciso saber que o petróleo é formado a partir de processos de diagênese (reações que ocorrem nos primeiros centímetros da coluna sedimentar com presença de microorganismos e em temperaturas de até 50 °C) e catagênese (transformações que ocorrem sem presença de microorganismos, em temperaturas entre 100-150 °C e resultam na formação do petróleo) da matéria orgânica. Esses dois termos são usados para explicar a formação de rochas, fósseis e, claro, petróleo. Quando restos de plantas, animais, fitoplâncton, bactérias etc. são enterrados no sedimento, eles passam por diversas transformações químicas e físicas. O soterramento dos resíduos orgânicos acumulados no sedimento aumenta a pressão local e, com pressão suficiente, há aumento também da temperatura. Nesse processo, a matéria orgânica sofrerá uma série de transformações até, em alguns casos, formar o petróleo.

Transformação da matéria orgânica que resultará na formação de óleo e gás (Fonte: Bate Papo Com Netuno com Licença CC BY SA 4.0).

O acúmulo de matéria orgânica que deu origem às bacias petrolíferas que temos hoje aconteceu há milhões de anos em períodos geológicos distintos. Assim, a composição do petróleo dessas bacias não é igual, pois ela depende do tipo de matéria orgânica inicial (por exemplo, óleos gerados a partir de fitoplâncton têm características diferentes de óleos que surgem a partir de bactérias ou plantas superiores), da evolução térmica, das características da bacia sedimentar onde ocorreu o acumulação e de outros processos primários e/ou secundários ocorridos antes e após a sua acumulação, tais como migrações do óleo e contaminação por microrganismos.


Ao longo da diagênese e catagênese, muitas moléculas são destruídas e/ou transformadas, mas algumas resistem a essas condições ou sofrem modificações mínimas, perdendo apenas alguns grupos funcionais. Essas moléculas são, em sua maioria, compostos lipídicos que preservam em sua estrutura informações sobre a origem e condições de formação daquele petróleo. Por essa razão, elas são chamadas de biomarcadores, ou fósseis geoquímicos, e muitas podem ser usadas como a tal “impressão digital” (fingerprint) do petróleo.

Por exemplo: um petróleo originado de matéria orgânica de plantas superiores tem n-alcanos (hidrocarbonetos lineares formados por carbono e hidrogênio) com cadeias carbônicas maiores do que aquele derivado de matéria orgânica derivada de fitoplâncton.




Moléculas de n-alcanos: acima o heptadecano (alcano com 17 C) e abaixo heptacosano (alcano com 27 carbonos) (Fonte: Bate Papo Com Netuno com Licença CC BY SA 4.0).

Da mesma forma, uma série de outros compostos, como terpanos, estereranos, hopanos, etc., podem ser usados para caracterizar cada petróleo. Mapear esses compostos também permite identificar se o óleo em questão é recente ou se ele já esteve em contato com o ambiente por mais tempo e sofreu intemperismo (conjunto de processos que leva à desintegração de materiais). Uma vez que o óleo chega ao ambiente marinho ele pode sofrer uma série de processos: a) espalhamento causado pelo ventos, correntes e ondas; b) evaporação dos compostos mais leves; c) dissolução dos compostos mais solúveis; d) disersão: incorporação de partículas de óleo com a água; d) emulsificação: mistura do óleo com a água formando um material semelhante a uma maionese; e) adsorção de parte do material aos organismos vivos e as partículas em suspensão; f) remoção: sedimentação dos componentes mais densos; g) biodegradação: microorganismos usam o óleo como fonte de carbono quebrando as moléculas em moléculas menores; h) fotoxidação: quebra de moléculas pela ação de raios solares.


Para identificar a impressão digital de uma amostra de petróleo é usada a técnica de cromatografia de fase gasosa, na qual os componentes da amostra, após um pré-processamento, serão separados em função das suas propriedades físico-químicas. Assim, seus constituintes poderão ser identificados e quantificados. Essa análise dá origem a um cromatograma, que é a representação gráfica do sinal do equipamento (eixo x: tempo que o composto demora para passar pelo equipamento, eixo y: intensidade do sinal que é relacionada a concentração do composto). E já pela observação do cromatograma de diferentes óleos é possível ver que eles têm características bem distintas. No exemplo da imagem, as amostras A e B apresentam diferenças tanto na composição quanto na abundância dos seus compostos.

Cromatogramas esquemáticos de dois tipos de óleos (Fonte: Bate Papo Com Netuno com Licença CC BY SA 4.0).

Cromatogramas esquemáticos do mesmo óleo com diferentes graus de biodegradação (Fonte: Bate Papo Com Netuno com Licença CC BY SA 4.0).

Assim sendo, o estudo da “impressão digital” do petróleo é uma ferramenta muito valiosa para a geoquímica forense. Quando ocorre um derrame e nenhuma empresa se responsabiliza pelo ocorrido, a geoquímica forense pode auxiliar na investigação de qual bacia originou esse óleo e/ou comparar o material com óleos de diferentes refinarias. No caso do petróleo que está aparecendo há mais de um mês nas praias do nordeste do Brasil, é esse tipo de análise que as universidades estão fazendo para identificar se o óleo é originário de bacias brasileiras e para tentar avaliar há quanto tempo ele está no ambiente.


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