Por Juliana Leonel
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Ilustração: Joana Ho
Todo mundo já viu um filme/seriado/novela em que as impressões digitais deixadas em um objeto são usadas para identificar o autor de um crime. Mas você sabia que o óleo gerado em diferentes bacias petrolíferas também possuem “impressões digitais” únicas? Pois é… nem todos os petróleos são iguais.
Antes de entender a ciência por trás disso, é preciso saber que o petróleo é formado a partir de processos de diagênese (reações que ocorrem nos primeiros centímetros da coluna sedimentar com presença de microorganismos e em temperaturas de até 50 °C) e catagênese (transformações que ocorrem sem presença de microorganismos, em temperaturas entre 100-150 °C e resultam na formação do petróleo) da matéria orgânica. Esses dois termos são usados para explicar a formação de rochas, fósseis e, claro, petróleo. Quando restos de plantas, animais, fitoplâncton, bactérias etc. são enterrados no sedimento, eles passam por diversas transformações químicas e físicas. O soterramento dos resíduos orgânicos acumulados no sedimento aumenta a pressão local e, com pressão suficiente, há aumento também da temperatura. Nesse processo, a matéria orgânica sofrerá uma série de transformações até, em alguns casos, formar o petróleo.
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O acúmulo de matéria orgânica que deu origem às bacias petrolíferas que temos hoje aconteceu há milhões de anos em períodos geológicos distintos. Assim, a composição do petróleo dessas bacias não é igual, pois ela depende do tipo de matéria orgânica inicial (por exemplo, óleos gerados a partir de fitoplâncton têm características diferentes de óleos que surgem a partir de bactérias ou plantas superiores), da evolução térmica, das características da bacia sedimentar onde ocorreu o acumulação e de outros processos primários e/ou secundários ocorridos antes e após a sua acumulação, tais como migrações do óleo e contaminação por microrganismos.
Ao longo da diagênese e catagênese, muitas moléculas são destruídas e/ou transformadas, mas algumas resistem a essas condições ou sofrem modificações mínimas, perdendo apenas alguns grupos funcionais. Essas moléculas são, em sua maioria, compostos lipídicos que preservam em sua estrutura informações sobre a origem e condições de formação daquele petróleo. Por essa razão, elas são chamadas de biomarcadores, ou fósseis geoquímicos, e muitas podem ser usadas como a tal “impressão digital” (fingerprint) do petróleo.
Por exemplo: um petróleo originado de matéria orgânica de plantas superiores tem n-alcanos (hidrocarbonetos lineares formados por carbono e hidrogênio) com cadeias carbônicas maiores do que aquele derivado de matéria orgânica derivada de fitoplâncton.
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Da mesma forma, uma série de outros compostos, como terpanos, estereranos, hopanos, etc., podem ser usados para caracterizar cada petróleo. Mapear esses compostos também permite identificar se o óleo em questão é recente ou se ele já esteve em contato com o ambiente por mais tempo e sofreu intemperismo (conjunto de processos que leva à desintegração de materiais). Uma vez que o óleo chega ao ambiente marinho ele pode sofrer uma série de processos: a) espalhamento causado pelo ventos, correntes e ondas; b) evaporação dos compostos mais leves; c) dissolução dos compostos mais solúveis; d) disersão: incorporação de partículas de óleo com a água; d) emulsificação: mistura do óleo com a água formando um material semelhante a uma maionese; e) adsorção de parte do material aos organismos vivos e as partículas em suspensão; f) remoção: sedimentação dos componentes mais densos; g) biodegradação: microorganismos usam o óleo como fonte de carbono quebrando as moléculas em moléculas menores; h) fotoxidação: quebra de moléculas pela ação de raios solares.
Para identificar a impressão digital de uma amostra de petróleo é usada a técnica de cromatografia de fase gasosa, na qual os componentes da amostra, após um pré-processamento, serão separados em função das suas propriedades físico-químicas. Assim, seus constituintes poderão ser identificados e quantificados. Essa análise dá origem a um cromatograma, que é a representação gráfica do sinal do equipamento (eixo x: tempo que o composto demora para passar pelo equipamento, eixo y: intensidade do sinal que é relacionada a concentração do composto). E já pela observação do cromatograma de diferentes óleos é possível ver que eles têm características bem distintas. No exemplo da imagem, as amostras A e B apresentam diferenças tanto na composição quanto na abundância dos seus compostos.
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Assim sendo, o estudo da “impressão digital” do petróleo é uma ferramenta muito valiosa para a geoquímica forense. Quando ocorre um derrame e nenhuma empresa se responsabiliza pelo ocorrido, a geoquímica forense pode auxiliar na investigação de qual bacia originou esse óleo e/ou comparar o material com óleos de diferentes refinarias. No caso do petróleo que está aparecendo há mais de um mês nas praias do nordeste do Brasil, é esse tipo de análise que as universidades estão fazendo para identificar se o óleo é originário de bacias brasileiras e para tentar avaliar há quanto tempo ele está no ambiente.
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