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A paz que sinto num mergulho vs. a vida estressante dos corais

Por Daniel Castro Martignago


Ilustração: Joana Ho


Aposto que em algum momento da sua vida você já quis voar por aí, nem que seja só para fugir daquele trânsito do final de dia e chegar logo em casa. É possível ter, pelo menos, a sensação de estar voando... embaixo da água. Meu primeiro mergulho com cilindro foi em 2009, com 14 anos. Fiz o curso de mergulhador autônomo com meu pai e graças à vontade dele de experimentar coisas novas, descobri um mundo totalmente novo e apaixonante (bem mais legal que o mundo acima da superfície).


Fotografia subaquática do autor do texto, Daniel Martignago, mergulhando em um recife de coral. Daniel está usando máscara de mergulho, roupa de neoprene e equipamento SCUBA. No primeiro plano da foto, centralizado, está uma gorgônia de cor rosa.

Em um mergulho em Arraial do Cabo, Rio de Janeiro. (Foto de Daniel Martignago com licença CC BY SA 4.0).


Os corais são animais cnidários, sendo que alguns possuem uma relação de simbiose no interior de suas células com microalgas, conhecidas como zooxantelas, responsáveis por grande parte da sua alimentação, coloração e crescimento. Conforme crescem, recifes de coral podem ser formados. Os recifes de coral são considerados as “florestas tropicais aquáticas”. Eles têm tanta riqueza e abundância de vida quanto uma floresta, e promovem benefícios para o planeta e para nós humanos, os serviços ecossistêmicos.


Cada animal e planta encontrados em um recife serve para manter o equilíbrio ecológico deste lugar. Desde o coral que fornece abrigo para invertebrados e peixes pequenos, até o peixe-papagaio que raspa as macroalgas (que vemos a olho nu) de corais mortos, impedindo que elas cresçam e sombreiem os corais em crescimento. Como ecossistema ele mantém o mar povoado, permitindo que animais maiores de fora do recife também se alimentem, como aves e tubarões, e claro, o ser humano por meio da pesca.


Infelizmente o ser humano impacta negativamente esses ambientes de diversas maneiras, em escala local e global. Seu protetor solar de base química, que contém oxibenzona, uma substância tóxica para os corais, é um estressante. Outro é o aquecimento global, que implica em outros problemas muito sérios, como o branqueamento dos corais.

O tecido do coral é transparente. Quando há a expulsão das zooxantelas pelo coral, seu esqueleto de calcário interno (que é branco) fica evidente, dando o nome ao fenômeno chamado branqueamento de corais. Nessa condição, os corais têm mais chances de morrer, pois expulsaram seu principal fornecedor de alimento. Por que então eles expulsam as algas? Para responder, precisamos entender sobre balanço oxidativo.


Todos os seres vivos produzem espécies reativas de oxigênio (EROs) durante a respiração celular e, para as plantas, no processo de fotossíntese também. As EROs são moléculas de oxigênio eletricamente reativas. Isso significa que elas possuem um elétron a mais e, quando doam esse elétron, causam a oxidação de outras moléculas. Esse elétron é capaz de interagir com lipídeos, proteínas e DNA, desestruturando-as, fazendo-as perder sua função. Os organismos possuem mecanismos de defesas para combater as EROs, os chamados antioxidantes, que são enzimas produzidas pelo organismo, como a catalase e a superóxido dismutase ou adquiridos via alimentação. Em homeostase, as EROs não causam problemas e até ajudam no funcionamento do organismo, porém quando elas excedem a quantidade de antioxidantes, elas começam a causar dano fisiológico, o estresse oxidativo.


Voltando aos corais, o excesso de temperatura nos oceanos aumenta o metabolismo da sua alga simbiótica. Com o metabolismo acelerado, as zooxantelas fazem mais fotossíntese e geram mais quantidades de EROs, que passam para a célula do coral hospedeiro. O coral não consegue se defender da sua própria geração de EROs junto com a geração excedente das algas. Assim, a solução, em último caso, é expulsar as algas.


As experiências de mergulho me motivaram a pesquisar esse ambiente fantástico. Quando me formei bacharel em Biologia, sabia que meu mestrado teria de ser em pesquisa marinha. Passei na seleção e ingressei no Laboratório de Fisiologia da Conservação, da PUC-RS, sob tutela da Prof.ª Guendalina Turcato. Na mesma época, tornei-me integrante do Projeto ReefBank, criado pelo Prof. Leandro Godoy, da UFRGS, que visa promover a conservação dos corais brasileiros via um banco de gametas congelados desses animais e por ações de educação ambiental. A primeira iniciativa do Atlântico Sul com esse foco.


Cientistas sabem os efeitos negativos das mudanças globais nas colônias e coral, porém pouco se sabe como os gametas desses animais se comportam. Além de se reproduzirem assexuadamente por fragmentação de partes da colônia, por serem animais, os corais se reproduzem sexuadamente pela fertilização de um oócito por um espermatozoide.


Minha dissertação entra no contexto de analisar e mensurar o dano lipídico causado pelas EROs no gameta feminino e suas defesas enzimáticas antioxidantes ao longo do tempo de vida da célula. A espécie alvo é a Mussismilia harttii, construtora de recifes, endêmica da costa brasileira e ameaçada de extinção.


Fotografia subaquática do coral couve-flor, espécie Mussismilia harttii. Nesta espécie, os pólipos do coral são bem espaçados, lembrando cálices, e de coloração azulada.

Colônia do coral Mussismilia harttii em tanque na Base de Pesquisa do Coral Vivo. (Foto de Daniel Martignago com licença CC BY SA 4.0).


Fui para Arraial d’Ajuda (BA) fazer as coletas do meu mestrado, na Base de Pesquisa do Coral Vivo, parceiro do Projeto Reefbank. Lá também consegui fazer uma visita ao Parque Municipal Marinho de Recife de Fora e mergulhar nas águas claras e quentes do sul da Bahia.


O parque foi criado em 1997 e possui uma área de 17,5 km², ficando apenas a 5 milhas náuticas da costa, uma viagem em torno de 40 min. O Recife de Fora abriga espécies de vários grupos de animais diferentes, como: algas, corais, anêmonas, moluscos, crustáceos, ouriços e diversos peixes, ou seja, uma biodiversidade enorme! Sendo uma das áreas de maior biodiversidade do Atlântico Sul e uma das áreas prioritárias do Plano de Ação Nacional para a Conservação dos Ambientes Coralíneos (PAN Corais). Um passeio que vale a pena!


Uma vez que as análises forem feitas e os resultados analisados, teremos os valores de defesa e de dano que o gameta feminino da espécie Mussismilia harttii sofre ao longo do seu tempo de vida em temperaturas atuaisda coluna da água. Com os valores basais de dano e defesa, conseguiremos fazer novas pesquisas do dano sofrido e de antioxidantes gerados, porém em outras temperaturas de coluna da água, estipulando, agora, para temperaturas futuras de aquecimento oceânico. Com esses dois valores, poder-se-á compará-los e analisar se o aumento de temperatura afeta negativamente a saúde dos gametas dos corais, assim como afeta a saúde da colônia. Se sim, significaria que além de matar as colônias já existentes, o aquecimento global também estaria impedindo a reprodução desses animais.


Então não se esqueçam de fazer a sua parte para preservar os recifes de coral, enquanto ainda há tempo, pois quem sabe, quando for mergulhar da próxima vez, o leito marinho esteja branco, parado e sem vida. Aqui deixo meu convite para que você se interesse mais pela vida marinha e que cuide bem dela, e com isso faça um mergulho com cilindro, ou mesmo com snorkel, na próxima oportunidade que tiver. Tenho certeza de que irá se apaixonar, assim como eu.


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Sobre o autor:


Aluno de Mestrado no Programa de Pós-Graduação em Ecologia e Evolução da Biodiversidade pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Formado em bacharelado e licenciatura em Ciências Biológicas pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Membro do Projeto ReefBank para preservação de corais. Amante do mar e mergulhador PADI. Se desse, ficaria mais tempo embaixo da água.










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