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Como cientistas obtêm dados para estudar os ambientes marinhos?

Atualizado: 30 de mai. de 2021


Ilustração: Joana Ho


Desenvolver uma pesquisa científica demanda muito trabalho e dedicação. São meses ou até anos focados no mesmo tópico, começando pelo planejamento da pesquisa, obtenção das amostras e/ou dados, análises, e chegando finalmente na publicação dos resultados finais. Dentre as etapas que envolvem os estudos dos ecossistemas marinhos, a obtenção correta de dados ou amostras - chamada de amostragem - é fundamental. Para o desenvolvimento de um plano amostral é imprescindível a atenção com alguns fatores, tais como: o que devemos amostrar; o quanto devemos amostrar; como, onde e quando devemos amostrar. Para isso é preciso que os objetivos do trabalho estejam bem definidos, pois não podemos simplesmente perguntar pro Netuno, esperando obter todas as respostas.


Para entender os processos que ocorrem no ambiente marinho é necessário coletar informações que permitam observar o que está na superfície, na coluna de água, sobre o leito marinho ou abaixo do substrato. Existem diferentes formas de estudar o oceano, algumas envolvem ir até ele e realizar coletas e/ou medições e em outras é possível obter informações sobre o mar sem necessariamente ir até ele. Um exemplo desse segundo caso são os estudos que usam informações obtidas a partir do sensoriamento remoto.


A seguir apresentaremos alguns métodos para obter dados biológicos e abióticos das principais zonas oceanográficas: pelágica (relativo à coluna de água) e bentônica (associada ao fundo oceânico).


Plâncton

Organismos planctônicos são comumente classificados de acordo com o seu tamanho. Essa classificação tem um importante significado para determinar o aparelho utilizado e/ou a melhor abertura de malha (ou do filtro) para capturar diferentes grupos. Atualmente, para coletar dados sobre organismos planctônicos, você pode usar garrafas, bombas de sucção, redes, armadilhas e/ou instrumentos ópticos para observação in situ, como o Video Plankton Recorder (VPR).


Laser Optical Particle Counter (LOPC). É um aparelho que conta e mede o tamanho de partículas no oceano em tempo real. Fonte: Bate-Papo com Netuno, licença CC BY SA 4.0


As garrafas e as bombas de sucção são usadas preferencialmente para a amostragem de organismos de menor tamanho, como vírus, bactérias, ou aqueles que têm baixa mobilidade. Além disso, esses métodos também possibilitam que se conheça a profundidade em que a coleta está sendo realizada e o volume exato de material amostrado. Isso ocorre porque o equipamento só é acionado para realizar a coleta quando está na posição escolhida.


Com relação às redes, são diversas as opções em função do tipo de amostra e informação que se pretende coletar. Redes que realizam arrasto vertical ou oblíquo integram informação de toda a coluna de água. No entanto, se o objetivo é conhecer a distribuição vertical dos organismos é necessário usar redes com mecanismos de fechamento, como a Multinet, assim a rede se abre em se fecha em determinada profundidade. Em alguns tipos de rede, como na rede Bongô, é comum o uso de um fluxômetro acoplado na boca da mesma. Ele possibilita o cálculo do volume de água filtrado, que é importante para a padronização dos dados obtidos.


Rede Multinet à esquerda e Rede Bongô à direita. Na foto superior dá para notar o fluxômetro que mede o volume de água filtrado.

Fonte: Bate-Papo com Netuno, licença CC BY SA 4.0


Nécton

Dada a diversidade dos organismos nectônicos - organismos que vivem na coluna de água e que tem capacidade natatória para vencer as correntes - diversos tipos de redes são utilizadas para amostrá-los. As redes de cerco, por exemplo, são utilizadas para amostrar peixes que formam cardumes, já as de arrasto para amostrar peixes demersais (que vivem no fundo do oceano) e camarões. Lulas são comumente amostradas através da pesca com linha e anzol, e polvos com armadilhas do tipo covo.


No entanto, nem sempre é preciso coletar os indivíduos para se obter os dados necessários. Por exemplo, há estudos que utilizam mergulho científico ou identificação de mamíferos marinhos através de fotografias e observação visual.


Rede de arrasto de portas. Fonte: Bate-Papo com Netuno, licença CC BY SA 4.0


Bentos

Assim como o plâncton, os organismos bentônicos também são classificados por tamanho. Porém, para a coleta de bentos, mais importante do que se conhecer o tamanho, é saber o habitat preferencial que ele ocupa, considerando o tipo de relação desses organismos com o substrato: se constitui epifauna (que vive sobre o leito marinho) ou infauna (que se enterra).


A amostragem da epifauna normalmente é feita com equipamentos de arrasto, como redes, trenó e draga. Essas técnicas podem ocasionar também na coleta não intencional de organismos que se enterram, mas não muito profundamente. No caso de organismos que vivem em recifes de coral ou costões rochosos, a coleta pode ser manual (às vezes com a ajuda de instrumento de raspagem), utilizando ou não mergulho. Os pegadores de fundo (como Van veen, box corer e outros) amostram um determinado volume de sedimento onde ficam os organismos epifaunais e infaunais.


Pegador de fundo Van veen. Na foto da direita superior nota-se que o pegador acabou de ser aberto à bordo, e na foto inferior temos um exemplo de peneira, usada para peneirar o sedimento e os organismos do Bentos e assim separá-los por classes de tamanho. Fonte: Bate-Papo com Netuno, licença CC BY SA 4.0


As amostras usualmente apresentam volume suficiente de sedimento para que os organismos sejam retirados por meio de peneiramento. Assim, ao utilizar peneiras com diferentes malhagens, os organismos já são separados por faixas de tamanho, facilitando a separação e identificação desses, e do próprio sedimento, em laboratório.


Atualmente, o uso de veículos subaquáticos (tripulados ou autônomos,) proporcionou avanços nas investigações e amostragens de bentos. Coletas em grandes profundidades ou em locais inacessíveis são alguns exemplos de estudos que só foram possíveis pelo uso dos veículos subaquáticos (no post “Mergulho para a vida na escuridão: uma pesquisa nas profundezas do mar” é contada a experiência de uma pesquisadora que mergulhou em um submersível).


Dados abióticos

A água obtida para o estudo do plâncton através do uso de garrafas, como a Niskin e a Go-Flo, pode ser utilizada para a obtenção de alguns dados abióticos, como salinidade, oxigênio dissolvido, pH, nutrientes etc. Esses dados são usados para estudar os ciclos biogeoquímicos no ambiente marinho, acidificação do oceano, identificar zonas mais propícias à proliferação de algas, padrões de distribuição da produção primária etc. Normalmente, várias garrafas são acopladas a uma estrutura metálica em forma de carrossel (chamada rosette) e juntos delas são colocados sensores de temperatura, condutividade (para o cálculo da salinidade) e outros (oxigênio dissolvido, pH, fluorescência, turbidez etc).


Rosette à bordo do Navio Oceanográfico Atlântico Sul.

Fonte: Bate-Papo com Netuno, licença CC BY SA 4.0


Um aparelho muito utilizado para coleta de dados da coluna de água é o CTD, do inglês Conductivity, Temperature and Depth, que obtém perfis verticais de condutividade (salinidade), temperatura e pressão (profundidade). O ADCP – do inglês, Acoustic Doppler Current Profiler é um perfilador acústico que mede a direção e a velocidade das correntes. Os dados coletados por esses equipamentos permitem o estudo da estratificação vertical do oceano, identificação de massas de água, fluxos das correntes etc.


Análise

Após a coleta, o pesquisador iniciará o trabalho em laboratório, analisando as amostras e processando os dados obtidos. O trabalho em laboratório dependerá do objetivo do estudo, mas normalmente consiste em triagem e identificação dos organismos, para então realizar algum outro procedimento, como retirada de otólitos para saber a idade de um peixe ou análise do conteúdo estomacal do animal e dos órgãos reprodutivos, para se obter informações sobre alimentação e reprodução. No caso das amostras/dados abióticos eles também serão processados e analisados.


Uma vez que todos os dados estiverem em mãos, inicia-se o processo de interpretação dos mesmos, por meio de análises descritivas, testes estatísticos ou modelagens. Somente após todas essas etapas o cientista poderá compreender o que ocorreu com o ambiente marinho no momento amostrado, e trabalhará na interpretação e escrita dos resultados.


Quem acha que o momento mais excitante de um cientista é quando ele grita “EUREKA” ao realizar um experimento, pode estar completamente enganado. Na minha opinião, nós gostamos mesmo é de ter nossos resultados publicados em jornais científicos, que são criteriosamente revistos por pareceristas internacionais e/ou nacionais. Só assim nossos resultados estarão disponíveis para a comunidade acadêmica, podendo embasar novos trabalhos, auxiliar em tomadas de decisões, ou inspirar novas tecnologias.


Com esse post mostramos que fazer ciência não é uma tarefa trivial. São diversos aparelhos, métodos e análises que precisam ser cuidadosamente selecionados e utilizados (e olha que nem falamos de todos!). Mas tudo isso deixa a ciência ainda mais fascinante, e nós amamos!


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