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Como formar bons cientistas?

Por Vivian Kuppermann Marco Antonio




Mês passado, começaram as minhas aulas do Mestrado em Oceanografia Química pela Universidade de São Paulo (USP). A primeira disciplina dessa nova etapa será dada de forma condensada, em período integral durante o mês de fevereiro. Com o nome de Oficina de Projetos em Oceanografia, essa matéria surgiu como uma maneira de auxiliar os alunos a elaborarem o projeto de pesquisa a ser desenvolvido ao longo desses dois anos de pós-graduação.


Pois bem.


A aula começou com uma reflexão sobre a ciência de maneira geral e foi afunilando até chegarmos no cenário da ciência brasileira e na carreira de pesquisador.


A discussão foi acerca dos requisitos para ser ou para formar um bom pesquisador.


Ser cientista não é fácil em nenhum lugar do mundo. A ciência exige muita dedicação, horas e mais horas de estudos, persistência e coragem para encarar o desafio de mergulhar no desconhecido com a esperança de emergir com algo novo e relevante.


No Brasil, a situação do cientista consegue ficar ainda pior. Em um país onde a ciência sofre um corte de 44% da sua verba prevista, não é difícil imaginar que a nossa discussão não foi muito animadora. Obstáculos e mais obstáculos foram destaque do nosso debate.


Não chegamos a nenhum consenso. O buraco brasileiro é muito mais embaixo.


Educação, incentivo, divulgação, reconhecimento, valorização, conscientização da sociedade, transparência na prestação de contas com o investimento recebido, melhores condições de trabalho, bolsas-auxílio compatíveis com suas necessidades...


E por aí vai – e fomos – num brainstorm, tentando colocar em uma ordem lógica qual é a solução do Brasil para formar bons cientistas.


O máximo que conseguimos obter foi a divisão dessas “palavras” em dois grupos maiores: EDUCAÇÃO & INCENTIVO


A educação deve vir desde a escola, estimulando a curiosidade e a sede pelo conhecimento. O incentivo deve vir para permitir a permanência desse cientista nessa carreira.


Ao final da aula, o professor pediu a todos nós que elaborássemos um texto bem sintetizado sobre como formar um bom pesquisador e entregássemos para ele no dia seguinte.


Fiz o meu e entreguei. Confesso que não foi fácil concatenar o pensamento e encontrar uma linha de raciocínio que fosse capaz de solucionar esse enigma. Por isso, gostaria de compartilhá-lo com vocês, para fomentar essa discussão e ouvir vozes de fora.


Segue abaixo:


Como formar um bom pesquisador?

“Primeiro a paixão, depois o treino”, disse Edward O. Wilson em Letters to a Young Scientist. Ser cientista – ou pesquisador – vem de uma curiosidade natural de querer entender o mundo que nós vivemos. Talvez você queira saber como o Universo surgiu, ou como construir um supercomputador. Talvez seu interesse esteja em compreender o corpo humano ou os ecossistemas. Seja qual for a sua pergunta, a ciência te ajudará com a resposta. E essas motivação e paixão são essenciais, porque ser cientista não é nada fácil. Faltam auxílios, incentivos, estrutura, tecnologia, e muitas vezes – para não falar sempre – não recebemos o devido reconhecimento.


Considerando que essa motivação e essa curiosidade já estejam em você, como é possível se tornar um bom cientista?


Para começar, vamos considerar o cenário brasileiro, onde vivemos. Fica mais complicado falar sobre como as coisas funcionam lá fora. Aqui, podemos fazer um plano dividido em duas vertentes principais: educação e incentivo. O início deveria ser a educação básica. Na escola, o aluno deve receber o ensino das principais disciplinas: matemática, física, história, geografia, literatura...parece óbvio, mas sabemos que no Brasil, esse óbvio é utópico. Além disso, esse aluno deve ser estimulado a pensar nos processos e nos fenômenos que o cercam. Sua curiosidade deve ser instigada e desafiada: a ciência deve ser apresentada como uma matéria possível e cotidiana. Criar feiras de ciência, desenvolver projetos científicos, desenvolver modelos, maquetes e robôs, e falar sobre cientistas renomados e suas descobertas é um bom caminho para abrir os olhos da geração futura. Fomentar a pré-iniciação científica também vale. Assim, nesses anos de colégio, o aluno conseguirá definir se tem esse perfil para a ciência e o seu próximo passo será na Universidade. Agora, passar numa boa Universidade é trivial para o bom desenvolvimento do pesquisador. É preciso se preparar para o vestibular e usar toda aquela bagagem construída com a educação básica.


Uma vez na Universidade, a sua jornada está apenas começando. Aqui dentro, o aluno deveria receber, além das disciplinas tradicionais do curso escolhido, uma educação científica, na qual ele aprenderia, desde o princípio, todo o método científico: como elaborar uma hipótese, como procurar bibliografia, como consultar outros materiais de referência, entre outras coisas. É importante ressaltar que o responsável por dar essa educação é o docente, que também deve passar por treinamentos e capacitações que o auxiliem na forma de transmitir o seu conhecimento para o aluno, didática e estratégia pedagógica adequadas. A Universidade deveria oferecer esse tipo de capacitação.


Junto a essa formação acadêmica, o aluno deve ter consciência dos incentivos existentes para o desenvolvimento de sua carreira como pesquisador. A Universidade deve investir em extensão para aproximar a ciência da sociedade, mostrar a importância e a utilidade daquilo que se faz em laboratório para o bem geral. Também deve oferecer uma estrutura adequada para o pesquisador desenvolver a sua pesquisa, com laboratórios, equipamentos e materiais em bom estado. Somado a isso, deve-se pensar em políticas de permanência: o pesquisador deve ter como se manter, manter suas necessidades básicas, enquanto desenvolve o seu projeto. Agências de fomento são cruciais para isso, oferecendo bolsas de auxílio suficientes para cobrir os gastos de moradia, de alimentação e outros desse cientista. Podemos também discutir a questão de planos de saúde e de previdência para esse pesquisador. Todos esses benefícios não são luxo, mas, sim, formas de valorizar essa carreira e considerá-la uma profissão útil e necessária como qualquer outra. Não é porque o pesquisador faz, no seu dia-a-dia, algo que gosta,que  ele não mereça ser visto como um profissional, como alguém que contribui para o desenvolvimento da sociedade como qualquer outro trabalhador. Aliás, sem ciência não há sociedade. O desenvolvimento da ciência é o que faz o ser-humano crescer, criar coisas novas e evoluir. E para garantir que isso seja feito de uma maneira adequada e de qualidade, valorizar e reconhecer aqueles que se dispõem a fazê-lo é vital.


Por fim, não podemos esquecer que pesquisador, antes de mais nada, é humano, e tem suas carências e limitações como tal. Ele não pode trabalhar sem parar, inclusive finais de semana, apenas com a justificativa de estar trabalhando com o que gosta. A sua saúde mental depende de uma regulamentação dessa atividade. Conciliar a sua vida pessoa com a vida dentro do laboratório é imprescindível para a formação de um bom pesquisador.

 

Sobre Vivian:

Formada em Oceanografia pela Universidade de São Paulo e em Jornalismo pelo Fiam-Faam Centro Universitário, vê a comunicação como a melhor maneira de espalhar a ciência por aí. Trabalhou com bioindicadores ambientais na área de Oceanografia Geológica. E, fora da academia, tem experiência com redação, assessoria de imprensa, design gráfico, marketing digital e gestão de mídias sociais. Atualmente, é mestranda em Oceanografia Química pela USP.




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