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Como validar o machismo estrutural com uma publicação mal feita

Por Juliana Leonel e toda a equipe do Bate-Papo com Netuno



Qual o nível de comprometimento do corpo editorial de uma revista científica em relação à qualidade dos artigos por ela publicados? Não estou falando sobre concordar ou discordar dos resultados e conclusões. Me refiro à escolha e aplicação correta dos métodos para responder às perguntas da pesquisa em questão.


Estamos em um momento que muito tem se falado sobre a equidade no ambiente acadêmico, sobre a importância da diversidade, sobre não fazer as mulheres escolherem entre carreira ou serem mães. Somado a isso, os dados mostram o viés da academia em aprovar mais projetos/artigos de homens, que eles têm mais chances de serem selecionados nos processos seletivos, que eles são promovidos quando se tornam pais enquanto mulheres são preteridas quando se tornam mães. Mas, na prática, o que tem sido feito para mudar isso? Tem se feito muito pouco!


E se não bastasse a pandemia para aumentar ainda mais o abismo entre homens e mulheres, uma revista científica bem conceituada publicou essa semana um artigo que conclui que mulheres mentoradas por mulheres têm menos chances de serem bem sucedidas e que tanto mentoras quanto mentoradas são lesadas ao estabelecer relações de colaboração com outras mulheres O artigo até mesmo sugere que isso seja levado em conta nas políticas de diversidade.


Todavia, o método utilizado no estudo é questionável, e aqui cito apenas alguns motivos:


- Define como sucesso apenas a publicação de artigos científicos (e sabemos que ciência e academia são muito mais que isso);


- Estabelece como relação de mentoria apenas o fato de um pesquisador sênior ter publicado com um pesquisador júnior, mas uma co-autoria pode ser em função de diversos motivos que não apenas a mentoria (há denúncias inclusive de revisores que já sugeriram a pesquisadoras que colocassem um homem entre os co-autores para o trabalho ser aceito);


- A separação entre pesquisador sênior e júnior foi feita com base na idade acadêmica, que foi determinada como o tempo que decorreu desde a primeira publicação de um artigo científico por aquela pessoa (desconsidera licenças de saúde, maternidade ou qualquer outra pausa na carreira);


- Os autores não deixam claro como trabalharam com as limitações dos métodos que estimam o gênero em função do nome;


- Eles também não justificam porque usaram o banco de dados Microsoft Academic Graph (MAG) e quais as vantagens e desvantagens em relação a outros agregadores (como Google Scholar); um dos revisores deste artigo inclusive apontou que o MAG possibilita que um mesmo pesquisador tenha múltiplos IDs e que isso poderia refletir em inconsistências no trabalho;


- Os autores escolheram ao acaso 2000 pessoas para enviar um questionário sobre a relação de mentoria, mas apenas 167 responderam; isso representa apenas 0,006% de um total de 3 milhões de mentorias analisadas no trabalho;


- Em momento algum é levado em conta que as mulheres sempre tiveram menos espaços na academia e aos homens, historicamente, foram dados mais privilégios.


Dito isso, volto ao questionamento inicial: qual a responsabilidade do corpo editorial? Uma revista científica precisa ser comprometida com a qualidade e robustez das informações que vai publicar, ainda mais quando os próprios revisores já chamaram a atenção sobre os problemas metodológicos (​Acesse o comentário dos revisores aqui). Mas, será que para aumentar os números e a visibilidade (o artigo já está entre um dos 20 mais visualizados no site da revista) vale a máxima do "falem mal, mas falem de mim"? Não, a ciência séria e comprometida não pode ficar em segundo plano e não pode buscar apenas número de visualizações.


Métricas do artigo. Fonte: Nature Communications. Acesso em 21 de novembro de 2020.


A revista em questão se pronunciou dizendo que vai analisar os questionamentos levantados pela comunidade e, se for o caso, pode retirar a publicação. Será o suficiente? Ou o dano já foi causado? Vale lembrar que não é a primeira vez que artigos que trazem metodologias questionáveis foram publicados (e não removidos) por essa mesma revista. Por exemplo, esse artigo (acesse aqui) que reforça a eugenia foi publicado no ano passado e até agora não foi removido.


Soluções? Poderiam começar retirando o artigo, pedindo desculpas, revendo suas políticas de inclusão e diversidade (o artigo diz muito sobre as políticas internas da revista) e adotando medidas de assegurar qualidade ao invés de apenas números.

 

Para quem tem interesse no tema, seguem alguns artigos que mostram a importância de mentorias entre mulheres:



 

E para quem, assim como a equipe do Bate-Papo com Netuno, quer fazer algo para sacudir sua indignação, segue uma lista de abaixo-assinados e cartas sendo elaboradas:



 
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