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Dance a sua tese

Atualizado: 16 de abr. de 2021

Por Camila Burigo Marin

A ciência, a arte e a multipotencialidade.


Fotografia de mulher dançando na praia. Ela veste uma roupa preta e tem em suas mãos um bastão com um pano brilhante. A mulher está no canto da foto, aparecendo apenas a metade do seu corpo. No fundo há ondas quebrando na praia

Camila Burigo dançando a sua tese (Foto: Camila Burigo Marin, com licença CC BY)


Que o mar é inspiração ninguém pode negar, certo?


Tema de filmes, pinturas, poesias, músicas, danças e ciência, o mar cativa e intriga as pessoas ao longo de toda a existência humana.


Embora inspirador, cativante e intrigante, quem aceita o chamado do mar e segue uma carreira nas ciências do mar, normalmente se depara com a rigidez das ciências conhecidas como “duras”. Em nossa formação, normalmente somos condicionados a esquecer nossas habilidades adquiridas extra-academia e temos que focar no método científico, único e exclusivamente.

Mas, como esquecer que em nosso corpo cientista habita um ser que canta, toca, dança, faz poesia, fotografa, pinta, desenha, sente e se emociona?


E foi por esse mesmo caminho de negligência que a arte e a ciência foram desvinculadas, deixando a arte como uma parte dita mais “emotiva” e a ciência com o “racional”.


Desde que conheci o concurso “Dance your PhD”, com a minha amiga e orientadora Katia Kuroshima me dizendo: - Camila, olha isso! É a tua cara!, nunca mais os questionamentos sobre arte e ciência me deixaram.


E é exatamente isso que o concurso dance your PhD, de uma das mais importantes revistas científicas do mundo, a Science Magazine, propõe. Desde 2008, desafiam cientistas das mais diversas áreas a contarem, através da dança, o que fizeram na sua tese de doutorado, com uma linguagem acessível e compreensível por todos.


Ainda no início do doutorado, prontamente aceitei o desafio e lembro-me de ter respondido à minha orientadora: - Que incrível, nós temos que fazer isso! O que eu não poderia imaginar é que essa motivação se tornaria a coluna vertebral da minha tese de doutorado. Quando menos esperávamos, estava eu, justamente dançando a minha tese!


Durante minha graduação comecei a atuar com popularização científica. Katia foi a responsável por me apresentar e me inserir nesse mundo. Para mim, que atuo com e para a comunidade, era muito frustrante a ideia de que todo o trabalho que estávamos desenvolvendo ficasse “apenas no meio científico”, afinal a resolução da problemática da poluição marinha requer o envolvimento de todos nós. Se somos parte do problema, somos também parte da solução!


Fotografia de mulher em um palco escuro dançando com uma roupa pontilhada de luzes claras azuladas.

Imagem do Espetáculo Onda de Desperdício, a tal coluna vertebral da minha tese (Foto: Monique Burigo Marin, com licença CC BY)


Além disso, em mim havia uma necessidade absurda de extravasar. Meu corpo que dançou a vida inteira não conseguia mais se separar do meu corpo cientista. As coletas, as análises, aquilo tudo que eu via e descobria no mar e no laboratório, não eram mais capazes de serem descritos através das minhas palavras. Para minha surpresa, ao olhar ao meu redor percebi que este anseio não era só meu. Muitos dos meus alunos sentiam o mesmo: a falta de um espaço de expressão!


Assim nasceu o espetáculo “Onda de Desperdício: Os Perigos Visíveis e Invisíveis do Lixo no Mar”. Um grande desafio para quem o faz e uma provocação para quem o vê. Fazer e vivenciar arte e ciência é sem dúvida sair da zona de conforto; confesso que usar meu multipotencial para transformar minha tese em um espetáculo foi a coisa mais difícil e realizadora que já fiz.


Entre duras críticas, preconceito, análises de laboratório e exaustivos ensaios, os cientistas viraram também bailarinos. Fomos descobrindo formas não apenas de nos expressarmos, mas também de nos conectarmos com aqueles que estavam nos assistindo, resultando em uma troca emocionante e que nos motiva a continuar.


Assim como eu acredito que qualquer corpo é capaz de dançar, o concurso incentiva a expressão através da dança, por aqueles que já dançam ou não. Destacam que o fundamental é permitir o coração falar através do corpo e nos lembram que com os nossos superpoderes de cientistas, vem a responsabilidade de comunicar a emoção da ciência.


Pesquisadores como a brasileira Maria Cândida Moraes e o espanhol Saturnino De La Torre, explicam que as nossas escolhas ditas racionais são fundadas em nosso emocional, nenhum indivíduo é capaz de aprender e mudar se estiver emocionalmente preso ou bloqueado em relação a aceitação de determinados argumentos. Tanto o espetáculo como o vídeo para o concurso, foram projetados não apenas para informar, mas para mexer com as emoções e assim despertar para a ação.


No preparo do vídeo para o concurso* (que se assemelha muito ao processo do espetáculo), além de eleger o conteúdo científico, foram incontáveis horas investidas na preparação do roteiro, seleção e montagem da trilha sonora, no estudo das cores e movimentos para despertar determinadas emoções, na gravação, na edição...


Enquanto escrevo esse texto, penso que a trabalheira do processo é insignificante perto da aflição que tenho ao imaginar em não ter tido a oportunidade de viver tudo isso. Fico pensando nas “Camilas” que não têm uma “Katia” para incentivar e apoiar. Quantos de nós deixamos de usar nossa multipotencialidade e de ser quem somos, pensando que para sermos cientistas temos que fazê-lo pelo método “tradicional”?


Se vamos ganhar o concurso? Não sei...


Mas o que eu e toda a equipe do Projeto Água Viva** temos certeza é que somos muito melhores desde que tudo começou.


Todos nós precisamos do oceano e o oceano precisa urgentemente de nós! Precisamos cada vez mais compartilhar os problemas e as soluções, sejam através de artigos científicos, resgatando a velha e boa união entre a arte e a ciência ou nos permitindo descobrir novas maneiras.



*Se você ainda não viu o vídeo para o dance a sua tese, lá no meu canal do Youtube, corre lá!

**Projeto Água Viva: É um projeto de extensão universitária da Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI, que executa o espetáculo em suas intervenções.

 

Referências ou sugestões de leitura:


MORAES, Maria Cândida; LATORRE, Saturnino de. 2004. Sentipensar: Fundamentos e estratégias para reencantar na educação. 2. ed. S.n: Vozes.


MARIN, Camila Burigo; KUROSHIMA, Katia Naomi. 2020. Da Ciência à Arte: Onda de Desperdício – Os Perigos Visíveis e Invisíveis do Lixo no Mar. O meio ambiente e a interface dos sistemas social e natural. Vol 2: 11p. DOI: 10.22533/at.ed.78420100822

 

Sobre a autora:


Camila é um ser inquieto que desde cedo ouviu o chamado do mar. Fugia de casa para mergulhar e se aventurar na praia. Entre a curiosidade científica e a expressão através da arte da dança, cresceu querendo ser cientista do mar e bailarina. Estuda danças desde os 4 anos de idade. Aprendeu sobre os primeiros fenômenos oceanográficos através da observação e da curiosidade sobre o mar, o que foi fundamental em todo o seu processo de aprendizado, desenvolvendo competências de socialização, leitura e investigação para conseguir entender o que era que tinha visto no mar.


Em um momento da vida, Camila teve que escolher entre a ciência e a arte. Seguiu o desejo de conhecer mais sobre o mar na carreira como Oceanógrafa, mas ainda na faculdade se sentiu incompleta e retomou seus estudos de dança. Hoje mestra em Oceanografia Física, Química e Geológica, Especialista em Projetos Sustentáveis e Doutora em Ciência e Tecnologia Ambiental, atua como pesquisadora, professora e extensionista. Quando as palavras, gráficos e fotos já não eram mais suficientes para expressar e compartilhar tudo aquilo que via acontecendo no mar, decidiu que estava na hora de usar o seu corpo dançante para se conectar com as pessoas e chamá-las para realidade.


@camila_burigo_marin

milaoceano@gmail.com


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