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Desafios enfrentados por Mulheres na Ciência


Recentemente assisti a um debate realizado no Instituto de Estudos Avançados (IEA-USP) chamado “As Mulheres na Universidade e na Ciência: Desafios e Oportunidades” que me chamou muita atenção. Vale a pena assistir na íntegra o vídeo de mais de uma hora em que três mulheres cientistas nos inundam com estatísticas e fatos surpreendentes, alguns até difíceis de acreditar, sobre a participação das mulheres no meio acadêmico. O vídeo foi recomendado por uma professora do IO-USP, a Mary Gasalla, mais uma mulher cientista que nos serve de inspiração.


Ilustração Caia Colla

No Bate-papo dessa semana, vamos discutir alguns assuntos abordados neste debate, assim, fui em busca de mais alguns dados para seguirmos na reflexão sobre o assunto. Primeiramente, fiquei feliz em saber que nós mulheres representamos cerca de 50% dos estudantes na grande parte dos cursos de graduação do país, em alguns cursos somos até maioria. Entretanto, quando olhamos para as ciências exatas e as engenharias, somos menos de 40% do total. Além disso, é impossível não se impressionar com o fato de que nós mulheres somos apenas 15% dos estudantes nas engenharias da USP. 


Se olharmos para a quantidade de bolsas de iniciação científica e de pós-graduação (mestrado, doutorado e pós-doutorado) veremos que também temos ganhado tantas bolsas quanto os homens. Inclusive, em 2010 tivemos mais mulheres do que homens com título de mestrado e doutorado. Mas novamente, isso não é a realidade nas engenharias e nas ciências exatas. Parece que algo tem nos afastados dessa área, que inclui a oceanografia. 

Número de bolsas por ano por grande área em 2014. Fonte CNPq.

Mas os números mais chocantes são relacionados à distribuição das bolsas de produtividade em pesquisa, ou bolsas PQ, que são bolsas que premiam pesquisadores por sua excelência em pesquisa. Essas bolsas determinam a distribuição dos recursos financeiros para projetos de pesquisa no país e, portanto, afetam diretamente nosso desempenho enquanto pesquisadores. As bolsas PQ tem vários níveis e a participação das mulheres fica cada vez menor à medida que subimos nesses níveis. Note que sempre temos menos de 39% de participação nessas bolsas. 

Bolsas de Produtividade em Pesquisa por categoria/nível em 2014. A categoria 2 representa a menor categoria a que se pode concorrer a uma bolsa PQ. Para concorrer à categoria 1, sempre se começa solicitando entrada pelo nível D, até chegar ao nível A e, só então, ao nível Sênior (SR). Fonte: CNPq.

Notem que, olhando apenas para estes dois gráficos, percebemos uma segregação horizontal (entre áreas, mulheres estão concentradas em certas carreiras) e uma segregação vertical, pois temos uma baixa representação feminina nas posições de poder.


Podemos encontrar ainda mais exemplos se buscarmos por posições de liderança em grandes grupos de pesquisa. Você já ouviu falar dos INCTs? Os Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia são responsáveis pela articulação em rede dos principais projetos de pesquisas em áreas de fronteira da ciência. Bem, do total de 126 institutos existentes, 109 são coordenados por homens e apenas 17 por mulheres. Temos atualmente seis INCTs na área de oceanografia/ciências do mar, dos quais cinco são coordenados por homens. Encontrei apenas um INCT com coordenação feminina e maioria de Pesquisadoras (INCT Antártico de Pesquisas Ambientais - INCT-APA). 


O pior cenário me parece o da Academia Brasileira de Ciências (ABC). Os próximos dados apresentados foram citados pela física Carolina Brito (Universidade Federal do Rio Grande do Sul) no debate que mencionei no início deste post. Bem, para se filiar na ABC, o(a) pesquisador(a) é indicado por algum membro da ABC e um comitê decide pela entrada ou não. Este comitê é formado massivamente por homens. O resultado não é nada animador. No próprio site da ABC é possível obter uma lista de quem são seus membros. Olhando pra essa lista, constatei que temos 795 homens para 122 mulheres na ABC. Destes, 15% dos homens não tem bolsa 1A, e  apenas 1% das mulheres não tem bolsa 1A. A interpretação mais rápida, talvez mais rasa também, que podemos fazer desses dados, é que para ser membro da ABC, se você é mulher, é praticamente obrigatório ser pesquisadora nível 1A. Para homens, isso não tem a mesma importância. 


E infelizmente, essa realidade não tem melhorado nos últimos anos. Afinal de contas em 2008, 20% das universidades tinham mulheres como reitoras, enquanto em 2016, apenas 10% das universidades têm mulheres neste cargo. Como explicar que, apesar de termos 48% de doutoras, temos apenas 23% de mulheres em cargos de professoras em nossas universidades públicas? Em alguns posts do BPCN, você já deve ter lido sobre alguns motivos pelos quais mulheres abandonam a carreira acadêmica mais do que homens (O 'sexo' realmente importa; Quando colocar filhos no cronograma; Após a maternidade, de acadêmica a empresária).


E agora mulheres, o que podemos fazer para mudar esse quadro? 


1 - Os dados apresentados aqui são muito escassos, precisamos de números, precisamos de mais indicadores! 

2 - Precisamos de formação sobre questões de gênero. Na França, recentemente foram criadas disciplinas/cursos para discutir gênero em todos os cursos de graduação.

3 - Precisamos financiar projetos de mulheres, fornecer bolsas, premiá-las. Temos pouquíssimas iniciativas, mas estas surtem efeitos incríveis. Veja o post Encontrando autoconfiança como mulher na ciência para ler o depoimento da Deborah sobre a importância de ser reconhecida em sua área. O que nos leva ao próximo ponto:

4 - Precisamos de modelos: a mulher não se enxerga em posições de poder. Socialmente, somos desestimuladas a seguir carreiras científicas consideradas “difíceis”. Desde muito pequenas somos bombardeadas com clichês da idade da pedra de que temos que cuidar da casa, temos que ser boas esposas, mães, verdadeiras senhoras de nossos lares (leia mais sobre isso aqui). Temos que dar oportunidades para que nós mulheres possamos nos sentir capazes de nos apaixonar pela ciência. A Fundação L’Oreal realizou recentemente uma pesquisa de opinião que demonstrou a visão dos europeus em relação à atuação da mulher nas ciências. Cinco mil pessoas foram ouvidas (entre homens e mulheres) e o resultado é:

  • 67% disse que a mulher não está qualificada para ocupar postos de alta responsabilidade; 

  • O principal motivo: porque “as mulheres sofreriam de falta de perseverança, falta de espírito prático, rigor científico, espírito racional e analítico”.

Depois de tudo isso, só tenho a dizer: Mãos à obra! No VII Congresso Brasileiro de Oceanografia tivemos uma mesa redonda sobre o assunto, com sala lotada e com muita participação e engajamento da plateia. Apesar de ter sido uma excelente experiência, não chegamos perto de esgotar o assunto. Então quero convidá-los para continuar a discussão. Vamos discutir gênero nos espaços que ocupamos, semeiem essa ideia! Organizem uma roda de conversa no seu ambiente de estudo ou trabalho e compartilhem com a gente essa experiência.


 

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