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Descarte de pesca

Por Heloisa De Cia Caixeta


Fonte: Steven Fruitsmaak, CC BY-SA 3.0, via Wikimedia Commons


A primeira vez que ouvi o termo “descartes da pesca” logo veio à minha mente um monte de lixo no mar. Quem poderia imaginar que, na realidade, esses descartes são compostos por diversos seres vivos? Pois é, uma parte dos organismos marinhos pescados é “jogada fora”. Mas antes de entender o que são estes descartes e porque eles ocorrem, é preciso entender como as pescarias funcionam.


Cada pescaria utiliza ferramentas específicas para capturar a espécie de interesse, denominada espécie-alvo. Por exemplo, o arrasto de fundo é utilizado pelas frotas direcionadas aos camarões, visto que eles são organismos que vivem associados ao fundo (bentônicos). Esta arte de pesca é composta por uma rede que é arrastada pelo fundo capturando o que estiver no caminho, independente de ser a espécie-alvo ou não.


Veja bem, quando arrastamos uma rede ou instalamos uma rede de espera no ambiente não conseguimos controlar os organismos que entram em contato com o equipamento. Mesmo que tenhamos o conhecimento dos locais de ocorrência da espécie-alvo, é muito difícil não capturar também as demais espécies que compartilham o mesmo habitat.. Neste contexto surge o termo fauna acompanhante, que são indivíduos pescados junto ao recurso alvo. Ela pode ser composta por peixes, crustáceos (ex: siri), elasmobrânquios (ex: tubarões e raias), mamíferos aquáticos (ex: golfinhos), tartarugas e até mesmo aves.


Parte dessa fauna acompanhante é composta por espécies que apresentam interesse comercial sendo, desta forma, aproveitadas. No entanto, outra parte desses organismos não serão aproveitados e acabam descartados no mar. Este descarte pode ocorrer porque as espécies não apresentam interesse comercial e, assim, não é economicamente viável levar a captura para a terra, ou por questões legais, como estar na lista de espécies proibidas de serem capturadas ou por estarem fora da cota e tamanho mínimo permitidos para serem pescadas. A chance de sobrevivência destes organismos quando devolvidos ao mar é mínima, visto que passam pelo estresse da captura e, muitas vezes, este processo de seleção entre “aproveitado” e “descartado” é demorado.


De acordo com a Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO), entre 2010 e 2014 os descartes globais da pesca foram em torno de 9,1 milhões de toneladas. Isto equivale a aproximadamente 2 milhões de orcas, ou 1,5 milhões de elefantes da savana.


No Brasil, os dados de captura pesqueira são obtidos no momento do desembarque. Portanto, os descartes (que ocorrem ainda a bordo) não são contabilizados na estatística pesqueira oficial, tornando-se capturas não reportadas. Mas, diversos pesquisadores têm direcionado esforços para conhecer a composição e estimar os volumes destes descartes.

E foi dentro deste contexto que, em 2017, eu iniciei uma iniciação científica no Centro de Pesquisa do Pescado Marinho - Instituto de Pesca dentro do projeto “Capturas não Reportadas”. Neste projeto, a partir de uma parceria com os pescadores, conseguimos amostras do que seria descartado, gerando dados sobre composição, aspectos biológicos e estimativa destes descartes.


Da esquerda pra direita: Amostras de descartes de pesca; Heloísa na companhia dos parceiros de laboratório Isabela Acorsi e Kaique Tavano identificando amostras; Heloisa apresentando resultados no XVIII Congresso Latinoamericano de Ciencias del Mar (Fotos por Heloisa de Cia Caixeta com licença CC BY SA 4.0).



O descarte de pescados implica na remoção de indivíduos do meio ambiente em números muito maiores do que o conhecido, fazendo que uma parcela significativa de informação seja desprezada. Os dados de captura são extremamente importantes para avaliar o estado de exploração dos recursos pesqueiros. Essa lacuna de informação é ainda mais preocupante quando espécies exploradas comercialmente também são descartadas, como ocorre com as pescadas (Cynoscion guatucupa e Cynoscion jamaicensis) e a corvina (Micropogonias furnieri), que estão entre as principais espécies comerciais do sudeste do Brasil.


O problema não é só a perda de informação. São seres vivos retirados do ambiente sem nenhuma finalidade. A retirada indiscriminada de organismos do ambiente, afeta também a riqueza de espécies, o tamanho das populações e até mesmo processos, como o de reprodução por exemplo. Temos uma grande quantidade de proteína, que poderia ser utilizada na alimentação humana, desprezada nesse processo. Além disso, grande parte do esforço empregado na atividade é desprezado, seja a quantidade de horas de operação da frota ou até mesmo o desperdício de combustível utilizado.


Mas não precisa desanimar, porque nem tudo está perdido! Existem diversas medidas para reduzir e até eliminar os descartes. A melhoria nas tecnologias de pesca, controle do esforço (horas de pesca, tamanho da rede, quantidade de operações, entre outros), determinar áreas próprias para pesca e obrigação do desembarque do que seria descartado são alguns exemplos.


Para que possamos chegar à sustentabilidade e consequentemente aproveitar melhor os recursos pesqueiros, o descarte da fauna acompanhante é um problema que deve ser tratado com urgência, a fim de conservar as populações dessas espécies, e assim suprir as demandas ecológicas e de consumo das próximas gerações.


 

Sobre a autora:


Nascida na Mooca, um dos tradicionais bairros de São Paulo. Atualmente reside em Santos. Estudante de Ciências do Mar pela Universidade Federal de São Paulo. Dedica-se desde o primeiro ano de graduação a pesquisas relacionadas à biologia pesqueira. Foi estagiária no Instituto de Pesca pelo projeto “Capturas não Reportadas” e atua como colaboradora do projeto “Deep Ocean”, realizado pelo Instituto Oceanográfico da Universidade de São Paulo. Compartilha o amor pelo oceano. Atua na luta feminista, ambientalista e pela educação como um direito universal.





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