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E se o mar secasse?

Atualizado: 7 de jun. de 2022

Por Pedro Marone Tura

Ilustração: Joana Ho


As crianças fazem as melhores perguntas. Em minha última viagem à praia, uma criança ao saber que eu era oceanógrafo me fez uma das melhores perguntas que já ouvi. “O que aconteceria se o mar secasse?”. “Você quer saber o que aconteceria com os peixes e com o clima?”- perguntei. “Não, não. O que tem lá embaixo? Se não tivesse água, o que eu veria?”. Fiquei alguns segundos atônito com a simplicidade e complexidade da pergunta. O que eu poderia dizer a uma criança sobre o fundo do mar que respondesse à essa curiosidade e ao mesmo tempo não a matasse de tédio (esse sim, o principal desafio)? “Muito mais que naufrágios e corais”-comecei.


Apesar deste tópico ser inédito entre as FAQs (Frequently Asked Questions - Perguntas mais frequentes) das rodinhas de praia – geralmente relacionadas ao surf – percebi que a geomorfologia marinha é um assunto pouco apreciado pelo público geral. Você, sentado na beira da praia, já se perguntou como é o fundo do mar entre o Brasil e a África? Seria ele uniforme e tedioso? Ou então, será que eu encontro a mesma areia da praia preenchendo todo o fundo oceânico? Dois terços do nosso planeta estão submersos e, salvo quando o assunto é petróleo e pré-sal, pouco nos importamos com o que está além da linha d’água.


A geomorfologia marinha nos conta histórias incríveis sobre a própria evolução do planeta Terra. Cada praia, planície, parcel e ilha é o resultado de anos de processos sedimentares – balanço entre deposição e erosão de sedimentos - sobre um cenário forjado pelas forças tectônicas. Quantos anos? Todos eles. Mesmo que lentos, os ambientes oceânicos e costeiros estão sempre mudando. Adicione à equação a ação humana e o resultado é a paisagem atual. Mas se são tão dinâmicos, como é possível saber da história e evolução desses locais? Talvez já tenha ouvido a expressão: ‘O presente é a chave do passado’. Além de poética, essa frase representa um dos conceitos mais importantes da geologia – o uniformitarismo. Essencialmente, se hoje observo um certo resultado para um determinado processo, isso também foi verdade ao longo da história geológica. Dessa forma é possível reconstruir ambientes passados procurando por pistas do que aconteceu. Lógico ou mágico?


Mas claro, nenhuma criança quer ouvir sobre fácies sedimentares, próxies ou refletores. Alto lá! Comecei falando de um dos ambientes mais fascinantes para qualquer faixa etária: as fontes hidrotermais. “Dignas de um cenário de ficção científica!”. Em meio à escuridão do oceano profundo existem verdadeiras chaminés, que constantemente jogam no oceano uma variedade de elementos químicos. As fontes se concentram no limite entre placas tectônicas, em regiões com nenhuma luz. Ou seja, o principal processo de transformação da matéria inorgânica em orgânica - a fotossíntese - não ocorre nessas regiões. Ao invés da luz, os organismos aproveitam a energia das reações químicas dos elementos, um processo conhecido como quimiossíntese. O que no início se pensou que fosse uma região sem vida, mostrou-se uma das mais incríveis do ponto de vista biogeoquímico.

Fonte hidrotermal e sua fumarola negra. Elementos químicos são constantemente despejados no oceano por essas chaminés. Fonte.


“Agora olhe para trás. O que você acha da Serra do Mar?”. A Serra do Mar é uma cadeia de montanhas que impressiona por seu tamanho e extensão. Mas, com todo respeito, nem se compara às estruturas que encontramos escondidas no oceano. Imagine caminhar por uma planície e se deparar com montanhas que erguem-se por quilômetros de altura, sem aflorar na superfície. Navegantes desinformados nem imaginam a incrível formação que está sob seus pés. Essas estruturas não são raras e existem por todo oceano. Aliás, uma cadeia de montanhas corta todo oceano Atlântico, no encontro entre as placas tectônicas sul-americana e africana, a chamada Cordilheira Meso-Atlântica. Caprichosamente, a cadeia emerge próximo ao círculo polar ártico, na Islândia. Que tal nas próximas férias visitar uma cadeia de montanhas submarinas?


Esquerda: Mergulho na cordilheira Meso-Atlântica na Silfra fissure, Islândia. Fonte. Direita: Caminho entre a cordilheira no Thingvellir National Park, Islândia. Fonte.


Em formato de cones irregulares, os montes submarinos existem em todas as bacias oceânicas. O diâmetro dessas estruturas varia, mas geralmente não ultrapassa poucos quilômetros. Mas é claro, existem exceções. Imagine uma estrutura erguendo-se três quilômetros sobre o fundo oceânico e com uma área maior que o estado de Santa Catarina. Essa estrutura é a Elevação Rio Grande. Não bastasse seu tamanho, um cânion de aproximadamente 800 m de altura e mais de 25 km de espessura corta todo esse ‘edifício geológico’. Um Grand Canyon próprio. Impressionante? Sem dúvida. Devido a esses números, a Elevação Rio Grande foi carinhosamente chamada de a ‘Atlântida brasileira’ pela mídia e canais de divulgação.


E assim a conversa tomou bons minutos da nossa tarde e agregou outros curiosos. Exemplos não faltam. Novas técnicas de medição e exploração do fundo tem mostrado que ainda conhecemos pouco dos nossos oceanos. Na realidade, conhecemos mais sobre a superfície da Lua e de planetas como Marte do que do fundo oceânico. Se algum dia você já se sentiu chateado por ter nascido em uma época em que viagens espaciais ainda são prematuras, e navegações em naus e caravelas ultrapassadas, anime-se. Você nasceu na época certa para explorar os oceanos.

 

Para saber mais:




 

Sobre Pedro Marone Tura:

Sou oceanógrafo e atualmente aluno de doutorado em oceanografia biológica pelo Instituto Oceanográfico - USP. Trabalho com o fluxo vertical de partículas na água e com o ciclo biogeoquímico dos elementos no ambiente marinho. Sempre apaixonado por oceanografia e sua interdisciplinaridade, hoje descobri uma nova paixão: a educação. Vejo nela a oportunidade de aproximar a sociedade do mundo acadêmico.






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