Por Juliana Leonel
"Inverno começa e clima no Brasil terá influência do El Niño."
(Globo Rural, 22/06/2019)
"Agricultura já sente efeitos do El Niño."
(GAZ, 16/05/2019)
Você já deve ter ouvido falar ou visto/lido alguma notícia em que o "El Niño"é o culpado pela seca, ou pela chuva, ou pela baixa produção agrícola, ou pelo calor etc. Mas o que é esse tal de "El Niño"? E como/por que ele influencia tanto o clima?
Historicamente, os residentes do Peru sempre observaram que, com intervalos de alguns anos, uma corrente de água quente reduzia a quantidade de anchovetas que eles pescavam na costa. Com menos anchovetas, também havia uma redução na quantidade de outros peixes, aves e demais organismos que dependem da anchoveta para se alimentar. Além disso, a ocorrência dessa corrente de água quente coincidia com o aumento de chuvas que contribuiam para o aumento da produção agrícola em terras que eram normalmente áridas.
Os períodos de ocorrência dessa água quente foram primeiramente chamados, em espanhol, de años de abundancia (= anos de abundância) devido ao seu efeito positivo na produção agrícola, mas depois começaram a ser associados a desastres ecológicos e econômicos. Com o passar do tempo, a ocorrência dessa corrente de águas quentes, que acontecia perto do Natal, passou a ser chamada de El Niño (o menino) em referência ao menino Jesus. Já na década de 1920, um pesquisador identificou um fenômeno de variação leste-oeste na pressão atmosférica, acompanhado dessa corrente quente e o chamou por outro nome: Oscilação Sul.
Atualmente, esse fenômeno de variação é chamado de El Niño-Oscilação Sul (ENSO) e sabe-se que é uma combinação de efeitos oceânicos e atmosféricos que, periodicamente, alternam entre fases quentes e frias, causando grandes mudanças ambientais.
Quando as condições estão "normais" (= sem El Niño ou La Niña, fenômeno oposto que já vamos explicar) os vento alísios sopram no sentido leste-oeste sobre o Oceano Pacífico Tropical (Figura 1a). Esses ventos constantes sempre na mesma direção resultam em um maior deslocamento de água em direção ao oeste do Pacífico onde ocorre um empilhamento de água. De fato, é possível observar uma elevação da superfície do mar de até meio metro de altura a mais na costa da leste da Ásia e da Austrália em relação à costa oeste da América do Sul. Os ventos alísios também resfriam a água superficial próxima ao Peru e empurram as águas mais quentes da região em direção ao Pacífico ocidental onde localiza-se uma região chamada de piscina quente do Pacífico. Na região de águas mais quentes, ocorre maior evaporação e formação de nuvens. Nesse processo, ao mesmo tempo que ocorre a subida do ar quente durante a evaporação no Pacífico ocidental (região de baixa pressão), ocorre a descida de ar mais frio no Pacífico oriental (região de alta pressão), isso chama-se Célula de Circulação de Walker.
Durante a Fase Quente (El Niño), há um enfraquecimento da zona de alta pressão atmosférica ao longo da costa sul americana que resulta na redução da diferença de pressão entre as zonas de alta e baixa pressão da Célula de Circulação de Walker. Consequentemente, os ventos alísios enfraquecem.
Com o enfraquecimentos dos ventos alísios, as águas da piscina quente do Pacífico começam a fluir em direção à América do Sul. Com o auxílio do aumento do fluxo da Contra Corrente Equatorial, forma-se uma banda de água quente que se expande por todo o Pacífico Equatorial (Figura 1b). Conforme essa água chega na costa sul americana, ela espalha-se para sul e para norte. Além disso, conforme a água quente vai em direção à América do Sul, a zona de baixa pressão também migra nessa direção e, em anos de El Niño forte, ela pode permanecer sobre esse continente.
Esse cenário resulta em alta precipitação ao longo da costa sul americana, mas em secas na região da Indonésia e norte da Austrália. Além disso, a chegada da água quente causa danos a corais e outros organismos sensíveis a mudanças de temperatura. Há também um aumento no número de furacões tropicais formados no leste do Pacífico.
Na costa do Peru, onde normalmente a ressurgência traz águas frias e ricas em nutrientes, ocorre um enfraquecimento desse fenômeno e as águas ficam mais pobres em nutrientes. Logo, ocorre uma diminuição na produção primária e, por isso, a diminuição na quantidade de anchovetas e outras espécies marinhas.
Em anos de El Niño forte, a temperatura superficial da água do mar na costa do Peru pode ficar até 10 °C acima da temperatura regular e pode ocorrer um aumento de até 20 cm no nível do mar devido à expansão térmica da água.
Durante a Fase Fria (La Niña), o fenômeno é inverso: ventos alísios mais intensos resultam em um aumento na diferença de pressão entre Pacífico leste e oeste e, consequentemente, uma intensificação na Célula de Circulação de Walker. Em anos de La Niña, uma banda de água mais fria se estende ao longo do Pacífico Sul Equatorial e as ressurgências se intensificam (Figura 1c).
Desde 1950, o padrão de alternância entre El Niño, La Niña e condições normais (mais raras) são monitoradas e representadas pelo índice ENSO (Figura 2). Este é calculado usando a média ponderada de fatores oceânicos e atmosféricos (pressão atmosférica, ventos, temperatura superficial do mar, entre outros). Valores positivos indicam condições de El Niño, valores negativos condições de La Niña, e valores próximos de zero condições normais. Além disso, quanto maior o valor do índice, mais forte é a respectiva condição.
Efeitos do ENSO no Brasil
Os efeitos são bastante distintos em função das características de cada região do Brasil. De uma forma geral, em condições de El Niño, enquanto nas regiões Norte e Nordeste há diminuição das chuvas e intensificação das secas, respectivamente, nas regiões Sul e Sudeste ocorre aumento das chuvas e invernos com temperaturas mais amenas; na região Centro-Oeste, além da intensificação das chuvas, há um aumento nas temperaturas. No entanto, ainda há uma carência de estudos sobre os efeitos do El Niño/La Niña nos diferentes ecossistemas brasileiros.
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