Por Maria Luiza R Coutinho
Quando ingressei na graduação de oceanografia na Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), após ter pesquisado muito sobre o curso e ter visto que para poder me formar, obrigatoriamente, precisaria cumprir uma carga-horária de 105 horas embarcada, fiquei muito ansiosa para que esse momento chegasse. Eu nunca havia embarcado por dias seguidos e tão pouco havia adentrado o oceano a ponto de não poder enxergar o continente.
Mas esse entusiasmo puro não durou muito tempo. Convivendo com pessoas que estavam há mais tempo na área, comecei a ouvir relatos assustadores de mulheres que sofreram assédio sexual e moral embarcadas. O entusiasmo puro misturou-se com o medo. O “como será na minha vez?” passou a fazer morada na minha cabeça.
Ainda no segundo período da faculdade, em setembro de 2019, surgiu a oportunidade de participar de uma operação em conjunto com o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), Polícia Federal e Marinha do Brasil, onde seriam afundadas duas embarcações antigas pertencentes ao Centro Nacional de Pesquisa e Conservação da Biodiversidade Marinha do Nordeste (CEPENE). Fiquei muito feliz quando soube que embarcaria tão cedo, pois o normal é que os discentes embarquem a partir do 5° período. Naquele momento, eu não pensava em nada, só queria viver essa aventura.
No primeiro dia de operação, embarquei junto com meu professor e um colega no navio balizador Comandante Manhães, no qual observamos o lançamento de dispositivos de amarração de embarcação. Pegamos um bote no píer em Tamandaré-PE e seguimos até o navio. No meio do caminho, comecei a me questionar se eu seria a única mulher ali. E, de fato, eu era a única mulher em meio a 38 homens. Felizmente, fui bem tratada, com respeito e seriedade. No segundo e último dia de operação, o dia em que as embarcações foram afundadas, haviam mais mulheres a bordo e isso me fez sentir uma sensação estranha… era alívio! Só percebi que havia sentido isso ao escrever este texto. Inconscientemente me senti mais segura só pelo fato de terem outras mulheres, que mesmo não sendo minhas conhecidas, tornou a situação mais confortável. Me senti mais segura e pude direcionar minhas energias totalmente para aprender e desenvolver as atividades necessárias!
Após esse primeiro embarque, pude perceber que trabalhar em contato direto com a natureza, realmente, era o que eu queria para a minha vida. Até hoje digo que essa experiência foi o que me fez permanecer tão focada, apesar das dificuldades, no curso até os dias de hoje. Já se passaram quatro anos e essas experiências ainda reverberam no meu dia a dia.
Quando achava que logo embarcaria novamente, veio a pandemia em 2020, e as aulas à distância começaram, dando um até logo para qualquer tipo de prática na área. Em 2022, a UFPE recebeu o esperado navio oceanográfico Ciências do Mar IV (CMIV), tornando os embarques em mar aberto não só mais reais para os discentes, como também - assim espero - mais seguros para nós mulheres, uma vez que eles seriam realizados, em sua maioria, com colegas e professores.
Foi só em setembro de 2022 que tive outra oportunidade de embarcar. Fui convocada para participar da primeira expedição a bordo do CMIV. E lá fui eu, já sem tantos receios… Desta vez, seríamos muitas mulheres, inclusive uma oceanógrafa como parte da tripulação fixa do navio. E foi fantástico… O oceano aberto de fato é muito bonito. É um azul inexplicável de tão lindo. Vi baleias jubartes, golfinhos, peixes voadores, coletamos água a 450 metros de profundidade (Água Central do Atlântico Sul - ACAS) e pude ver na prática conceitos, como a migração vertical do zooplâncton através da comparação de coletas com rede de arrasto no período diurno e noturno.
Mais recentemente, retornei em outra expedição no CMIV que foi ainda melhor. Fiz coleta de zooplâncton, lancei o pegador de fundo do tipo Van Veen para amostrar sedimento (Imagem 2), disco de Secchi para identificar a turbidez da água, CTD e garrafa de Niskin para amostrar água em que, posteriormente, analisamos os nutrientes e a alcalinidade. Pude, de fato, ver a oceanografia na prática, como todas nós deveríamos ver. Com respeito.
Tripulação do navio oceanográfico Ciências do Mar IV, docentes e discente de Oceanografia da UFPE na chegada ao Porto do Recife da 5ª expedição da embarcação. Foto: Maria Luiza R Coutinho com licença CC BY-SA 4.0
Eu e Rayane puxando a corda na qual o pegador de fundo do tipo Van Veen estava preso no fundo oceânico. Foto: Maria Luiza R Coutinho com licença CC BY-SA 4.0
Fico muito feliz de poder vir até aqui contar sobre as minhas experiências embarcadas (que só estão começando) e dizer que o único incômodo foi o enjoo do primeiro dia, o que é totalmente normal, uma vez que o nosso labirinto precisa se adaptar ao “balanço” do mar. Qualquer coisa, basta tomar um remédio para enjoo que costuma passar! O trabalho embarcado é duro, mas gratificante para quem gosta, o trabalho é intenso mesmo estando na posição de uma aluna em formação. Temos a oportunidade, e o trabalho, de realizar todas as coletas sozinhos, com orientação prévia e observação durante dos docentes. Mas quem coloca a mão na massa, somos nós. O que é muito bom e importante para a formação de um oceanógrafo.
É estranho ficar feliz e aliviada por terem sido boas experiências. Isso deveria ser a regra. É triste nos sentirmos vulneráveis no ambiente embarcado, nas ruas, na universidade e em diversos outros lugares somente por sermos mulheres. Eu espero que minhas boas experiências se tornem a realidade de todas nós e encoraje, assim como me encorajou, a seguir com o meu sonho de me tornar uma cientista das Ciências do Mar. Afinal de contas, mulheres podem ser o que elas quiserem e, consequentemente, estarem em qualquer lugar do mundo!
Ler este relato trouxe uma paz para o meu coração. Fico tão contente em ler sua experiência e ansiosa para poder vivenciar a mesma um dia. Obrigada!