Por Carla Elliff
Ilustração Joana Ho
Talvez tenha virado até um clichê falar o quanto a pandemia mudou nossa forma de trabalhar, mas não deixa de ser verdade. Descobrimos dezenas de ferramentas para reuniões online, assistimos lives praticamente todas as semanas e testamos os limites da internet das nossas casas. Foram muitos obstáculos que tivemos que superar (ou pelo menos contornar com gambiarras) para continuar com nossas pesquisas e demandas de trabalho rotineiras (lembram das nossas dicas de “home lab”?).
Foi no meio deste turbilhão que saiu o Plano Estratégico de Monitoramento e Avaliação do Lixo no Mar para o Estado de São Paulo (PEMALM). Já falei por aqui sobre a relação entre lixo no mar, ciência e políticas públicas. Se você ainda não leu, o spoiler é que eles têm tudo a ver!
Quando iniciamos o projeto para construir o PEMALM lá em meados de 2019, colocamos como objetivo conduzir esse processo de forma participativa. Os processos participativos são uma forma de ampliar a inclusão da sociedade nas tomadas de decisão sobre gestão pública. Isso significa ouvir de diferentes setores da sociedade o que eles querem e precisam e, só então, bater o martelo sobre o que será decidido.
Para desenvolver o PEMALM, foi importante ouvirmos do setor público, da iniciativa privada, do meio acadêmico, de ONGs, de associações... enfim, ouvimos de centenas de indivíduos e instituições o que eles achavam que um plano de monitoramento e avaliação sobre lixo no mar deveria abordar.
Planejamos diversos momentos para interagir e trocar experiências com essas pessoas e instituições (a quem chamamos de “atores”). Tivemos um primeiro workshop realizado no Instituto Oceanográfico da Universidade de São Paulo (IOUSP) e, depois, uma série de reuniões ao longo do litoral, indo até o território onde os atores estão.
Uma das reuniões do projeto de construção do PEMALM, realizada na sede do Parque Estadual Xixová-Japuí.
A pandemia foi decretada bem no momento em que havíamos forjado esse relacionamento com os atores. Estávamos a pleno vapor, nos preparando para um segundo workshop para validar todo nosso progresso. Tivemos que parar e reavaliar o caminho que iríamos percorrer.
O primeiro passo foi entender o novo equilíbrio da nossa dinâmica de trabalho. Nossa equipe era um misto de pessoas vinculadas ao IOUSP e servidores estaduais da Secretaria de Infraestrutura e Meio Ambiente (SIMA). São dois ambientes de trabalho bem distintos, cada um com seus desafios. Uma vez assentada a poeira (e instaladas as webcams), estabelecemos uma agenda de reuniões semanais e consultamos nossa rede de atores mobilizados. Precisávamos entender qual a situação em que eles se encontravam: teriam interesse e disponibilidade em continuar nossa co-construção em um ambiente virtual? O que achariam de um workshop online?
A resposta foi positiva! Seguimos investindo ainda mais em estratégias de comunicação virtuais (e-mails, site do projeto e até um canal do YouTube foram ficando recheados de informações sobre o andamento do PEMALM) e planejando como fazer um workshop bem interativo e, ao mesmo tempo, que não fosse desgastante para os participantes.
O zoom fatigue (ou cansaço virtual) era – e ainda é – um grande companheiro de quem está no trabalho remoto. Sabíamos que não seria possível reproduzir o formato de programação com dois dias inteiros, como fizemos no modo presencial. Também não queríamos sobrecarregar os participantes com várias ferramentas diferentes...
Foram muitas as considerações que tivemos que fazer, mas foi essencial nos colocarmos no lugar dos participantes e sermos honestos também sobre o tamanho das nossas próprias pernas figurativas. Precisamos pedir uma extensão no prazo do projeto, mas ao final nasceu, em janeiro de 2021, o PEMALM!
O PEMALM pode ser acessado no site www.pemalm.com/o-plano em português, inglês ou espanhol.
Dessa experiência toda de adaptação também nasceu um artigo, publicado na Revista Costas: From In-person to Virtual Engagement: Adaptations of a Participative Process for Designing a Marine Litter Public Policy in Brazil. Nele, comparamos a participação dos atores em nossos momentos de interação presencial e virtual. Concluímos que foi possível garantir a qualidade do processo participativo e apontamos que, em vista da normalização do trabalho remoto, pode ser que vejamos mais estratégias híbridas de desenvolvimento de políticas públicas daqui para frente.
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