Por Malu Abieri e Débora Camacho
Ilustração de Malu Abieri
O esporte é, há muito tempo, considerado uma eficiente ferramenta de transformação social. Espalham-se pelo Brasil exemplos de projetos que utilizam o esporte para mudar a realidade de crianças e jovens em diferentes situações sócio-econômicas. Mas será que o esporte também pode ser uma ferramenta de transformação ambiental e auxiliar na conservação do oceano? Para falar desse assunto conversamos com a Letícia Parada, Educadora Física e idealizadora de um projeto que “envolve a aplicação de tecnologia para o reaproveitamento de resíduos plásticos encontrados em praias, ao mesmo tempo em que a prática de esportes é fomentada lançando mão da educação ambiental” (se quiser conhecer mais sobre o andamento do projeto da Letícia, clique aqui)
“Movida pelo oceano”, definida pela própria Letícia em sua página pessoal no Linkedin, a Educadora Física conta que sua relação com o esporte, através da prática ou consumo de conteúdos, começou muito cedo e aos 14 anos não tinha dúvidas da profissão que iria seguir. Apesar das práticas de esportes ao ar livre, como o surf, a sua relação profissional com a área de ecologia no entanto só surgiu mais tarde, levando-a realizar o mestrado em ecologia. Sua primeira linha de pesquisa, no entanto, estava voltada a entender o impacto da poluição atmosférica na saúde humana durante a prática de exercícios físicos.
De fato há estudos que mostram que a prática de exercício em ambientes poluídos trazem riscos à saúde e redução do desempenho¹,² e entender cada vez mais essa relação é essencial para adoção de medidas de prevenção e elaboração de políticas públicas voltadas ao tema. No entanto, como muitas leitoras acadêmicas aqui irão entender, o projeto de Letícia não saiu como o esperado, e ela teve que “se reinventar” para cumprir com as obrigações de uma bolsista, ela precisava entregar algum resultado.
Foi assim que Letícia caiu na face oposta dessa moeda. Se de um lado a prática de esporte em um meio ambiente saudável é essencial para a saúde humana, do outro lado pergunta-se: A atividade física pode ser usada como um ferramenta de educação ambiental para a conservação do meio ambiente? E essa pergunta teve que esperar um pouquinho mais até o seu projeto de doutorado.
Surfista da Praia Grande em São Paulo, Letícia percebia no curto caminhar até o mar uma grande quantidade de lixo, sendo ainda pior nas segundas-feiras, ou seja, após o final de semana (ou após feriados) quando as praias estavam ainda mais cheias. E, assim como muitos frequentadores assíduos da praia, começou a catar esse lixo para jogar fora, e percebia que muitas pessoas se interessavam e se sentiam estimuladas a participar dessas “coletas” junto a ela.
No início era algo pontual, até participou de alguns “desafios” de um “Instagrammer” internacional onde o perfil que coletasse maior número de lixo ganhava pequenos prêmios, como camisetas. Mas ainda assim, algo a incomodava muito: o destino desse lixo. “Não tem um ciclo … Que retorna de alguma forma e traz um benefício maior do que só a retirada do lixo. Que é um benefício a retirada do lixo… Mas quando ele é retirado dali, ele vai para um aterro, vai se misturar com areia e dificilmente será separado para ganhar uma nova vida”.
Com o fim do mestrado, Letícia embarcou em diversas aventuras e percebia que a questão do lixo era grave em todos os lugares que visitava, e o “desejo de transformar esse resíduo de praia, independente de onde estivesse, …, e se tornar algo útil e que fosse relacionado ao esporte, foi crescendo”. E assim teve mais um “click” para o seu projeto de doutorado.
O lixo plástico sujando as praias e a Letícia fazendo a diferença, coletando esse material e reconectando as pessoas. Imagem 1: licença Canva, Imagem 2 cedida por: Letícia Parada.
No início, Letícia tentou fazer a reciclagem de forma bem “caseira”, cortando à mão os plásticos e usando “forninho” elétrico. Nesses primeiros testes ela percebeu diversas questões a serem aperfeiçoadas para melhor reciclagem e moldagem dos produtos. Atualmente, está concretizando a sua própria usina de reciclagem, montada em parceria, onde consegue realizar todas as etapas da reciclagem, desde a separação do material por tipo e cor, até a moldagem de diferentes objetos, como as tão famosas pranchinhas de mão.
A surfista percebeu que o engajamento seria ainda maior quando as pessoas se sentissem mais conectadas ao ambiente e até mesmo ao lixo transformado que fora retirado daquele mesmo lugar. Ao ver uma raquete de frescobol ou até mesmo um raspador de parafina feito a partir da reciclagem de materiais encontrados na praia, os frequentadores se sentiam ainda mais envolvidos em não apenas dar o destino correto ao lixo, mas também coletar o que já estava na praia.
Leticia e sua prancha de mão de tampinhas recicladas. Imagem cedida por: Letícia Parada
Além disso, Letícia também se questionou se os esportistas ao livre tinham maior engajamento e conscientização ambiental, não apenas vendo a natureza como um objeto de uso mas sim como parte dela. Alerta de “spoiler”!! Os resultados preliminares mostram que sim! Pessoas que praticam esportes ao ar livre se sentem mais responsáveis em manter aquele ambiente limpo, livre de resíduos. Desde esportes aquáticos, como surfistas que trazem lixos das águas em seus bolsos, até os esportistas de areia, como jogadores de vôlei e “beach tennis”, que se preocupam em se ferir com as tampinhas e palitos, o engajamento é ainda maior quando estamos conectados àquele ambiente.
Cada vez mais estudos mostram os benefícios das atividades físicas, principalmente praticadas ao ar livre, em contato com a natureza. Agora é a nossa vez de trazer os benefícios à natureza da nossa presença, nos conectando e tirando dela a nossa bagunça.
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Esse texto foi produzido em parceria com o projeto Rede Ressoa Oceano, Liga das Mulheres pelo Oceano e Bate-Papo com Netuno.
Sobre a Entrevistada
Profissional de Educação Física e Esporte, mestre em Ecologia e doutoranda em Ciência e Tecnologia Ambiental. Apaixonada pelo mar e pelas ondas, fundou o “Ela No Mar”, primeiro e único canal de bodysurf do mundo no YouTube (clique aqui para conhecer mais do canal). Minha vida é pautada na natureza e sou movida especificamente pelo oceano. É ele quem me encoraja a aceitar desafios e superar meus limites, desempenhando o papel de uma bússola tanto no âmbito pessoal quanto profissional. Meu propósito é educar pessoas para que reconheçam o oceano como elemento essencial à vida humana e assim possam tornar-se agentes da transformação positiva da natureza.
Sobre as autoras
Maria Luiza Abieri é Bióloga e Mestre em Ecologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Atualmente, atua como colaboradora do Bate-Papo com Netuno e bolsista CNPq na Rede Ressoa Oceano. A inserção do Bate-Papo com Netuno à Ressoa Oceano amplia ainda mais a rede, promovendo a divulgação científica e a visibilidade das ciências do mar e cultura oceânica através de informações científicas de qualidade, baseadas em uma linguagem acessível e lúdica.
Débora Camacho Luz é Bióloga, formada pela Universidade Federal de Rio Grande (FURG), membro da Liga das Mulheres Pelo Oceano e bolsista CNPq DTI na Rede Ressoa Oceano. A Ressoa Oceano é uma rede formada pela Liga das Mulheres Pelo Oceano, o Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo da UNICAMP (LabJor), a Cátedra da Unesco pela Sustentabilidade do Oceano e a Ilha do Conhecimento. Essa rede tem como objetivo promover a ciência e a cultura oceânica para além do litoral e centros de pesquisa, conectando cientistas e jornalistas para a abordagem do tema nos meios de comunicação e investindo em projetos e iniciativas de comunicação sobre o oceano.
Referências | Para saber mais:
Canal “Ela no Mar”
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