Por Anônima
Manhã de feriado, fui passear com o cachorro na praia. Desço minha rua, passo pelo condomínio de alto padrão que fica na beira da praia, reparo nas pessoas trabalhando em obras na rua. Atravesso o curto caminho que corta as dunas e chego na faixa de areia.
Na rotina corrida do dia a dia, tenho tido cada vez menos momentos junto ao mar, então decido que o passeio não vai ser um rápido vou-lá-e-volto-correndo. Paro para tirar fotos das dunas, pois alguns dias antes um evento de ressaca deixou sinais erosivos muito interessantes, além de trazer muito lixo – penso que essas podem ser boas fotos para ilustrar uma futura aula ou palestra (estou passeando, mas não deixo de ser cientista!).
Me viro de costas para as dunas para fazer uma sombra no meu celular e conseguir ver se a última foto ficou boa. Ao colocar o celular no bolso vou me virando e vejo que, a poucos passos, havia um homem chegando. Antes que eu pudesse processar muito o que estava acontecendo, ele me diz “Vem comigo ou eu te mato” e me mostra uma faca.
Eu, sozinha na praia, porém não longe da “civilização”, tomei uma decisão calculada de como agir. Escapei com apenas um rasgo na blusa, mas também com muita raiva e indignação.
Na guarita do condomínio, o porteiro é no máximo cordial comigo. Não pareceu estranhar demais a cena. A polícia chega e eu explico o que houve. Semanas depois, recebo da minha psicóloga um link para uma reportagem que fala que um homem foi preso a alguns quilômetros daqui. Pelas fotos, reconheço o blusão dele e o mesmo tipo de faca de serrinha que ele usou para me ameaçar. Fiquei esperando que sentiria um alívio e essa história ficaria para trás, mas não é bem assim.
As cenas se repetem na minha cabeça junto das perguntas “Será que não é mais seguro ir à praia perto da minha casa? Preciso estar escoltada (por um homem) para poder ter um momento de lazer? O que dá para fazer para tornar a praia mais segura?”.
Foi pensando na palavra “segura” que lembrei da Década do Oceano e sua meta de um “Oceano Seguro” e pensei que ali eu poderia pegar minha frustração e gerar transformação. Como posso ajudar?! Quero, sim, um oceano seguro!
Procurei documentos que falassem desse resultado esperado, mas só encontrei informações sobre perigos naturais do ambiente marinho. Tsunamis, tempestades, afogamentos... todas questões obviamente importantes, mas que não me fizeram sentir que estou segura indo à praia.
Pensei em outros instrumentos, iniciativas, projetos etc. que pudessem trazer essa temática. Não encontrei.
Talvez eu não tenha encontrado nada porque quem preparou esses materiais nunca foi uma mulher que só queria caminhar tranquilamente pela praia. Talvez essa pauta tenha sido empurrada de um lado para o outro: é questão de segurança pública, então, as agendas ambientais não se metem?
Refletindo sobre isso, lembrei também de conversas que já tive sobre segurança em trabalhos de campo nas ciências do mar. Segurança física por condições extenuantes, climáticas, acidentes ou outros, mas também segurança pela preservação do bem-estar daquele profissional que está em campo. Casos de profissionais sendo assaltados em campo. Lembrei da pesquisa sobre assédio em embarques, feita aqui pelo Bate-Papo com Netuno. Mulheres que chegam a desistir de suas carreiras por encontrarem um ambiente inóspito de trabalho para elas. Pensei em uma oficina recente que participei com povos indígenas e comunidades tradicionais, onde ouvi histórias de insegurança, medo, repressão e criminalização.
Onde está o fórum para se discutir isso? O nosso Oceano Seguro não deveria incluir o bem-estar de quem usufrui deste espaço, já que esse é um dos inúmeros serviços ecossistêmicos prestados pelo oceano? De quem vive e tira seu sustento do mar?
Esse texto é um desabafo, mas também um pedido genuíno de indicações sobre para onde essas questões podem ser levadas, discutidas e transformadas em mudanças da nossa realidade.
Acho que o alívio não vai chegar, mas é um alento saber que não estou sozinha nessa busca por um oceano seguro.
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