Por Cláudia Kerber
É de conhecimento corrente que as populações marinhas estão declinando em todo o mundo. As três principais abordagens para evitar o esgotamento dos estoques são controlar os esforços de pesca (cotas de pesca, limitação de tamanho de captura, especificação de petrechos), garantir os locais e períodos de reprodução (defesos, áreas de proteção ambiental) e aumentar a população através de programas de repovoamento. Os dois primeiros métodos formam a base das políticas públicas para a conservação das espécies marinhas no Brasil e impõe sérias restrições à pesca artesanal. A terceira opção, o repovoamento, permite restabelecer a biomassa de reprodutores e acelerar a recuperação dos estoques assegurando a sobrevivências de espécies ameaçadas.
O repovoamento é uma das principais ferramentas para compensar danos causados por atividades humanas no meio ambiente e tem sido largamente utilizado para a recuperação dos estoques pesqueiros em bacias, rios e reservatórios brasileiros. O repovoamento de espécies marinhas tem sido utilizado desde o Século 19 e no Japão, o programa nacional de recuperação dos estoques pesqueiros envolve mais de 80 espécies de peixes, moluscos e crustáceos. No Mar Cáspio, são criados e soltos anualmente mais de 12 milhões de juvenis de espécies de esturjão nativo (Acipenser persicus) que sustentam praticamente toda a indústria do caviar. Também são produzidos alevinos de outras espécies locais que sustentam a produção pesqueira de cooperativas licenciadas para a pesca.
Ao desenvolver ações de repovoamento, é primordial que as formas jovens tenham boa diversidade genética e que sejam saudáveis garantindo que ao serem introduzidos não causem modificação da constituição genética da população selvagem e que se aplique o monitoramento.
Para estabelecer uma estratégia adequada, é necessário conhecer a adaptação dos alevinos logo após a soltura, a dispersão, o processo de mortalidade dos juvenis e garantir que o habitat selecionado ofereça abundância de alimento e abrigo contra predadores. Entre 2013 e 2015, o Projeto Garoupa patrocinado pela PETROBRAS e executado pela ATEVI avaliou a população de garoupas em seus habitats nas regiões costeiras do norte do estado de São Paulo ao centro estado do Rio de Janeiro. Permitiu também identificar áreas para mitigação com o objetivo de reposição de peixes com baixos níveis populacionais como é o caso da garoupa. Além de avaliação de habitats, o Projeto Garoupa, também forneceu dados importantes sobre o comportamento de larvas e alevinos desta espécie utilizando telemetria que resultou em trabalho científico publicado no Journal of Fisheries and Aquaculture Development (Riedel, et al. 2017). Finalmente ótimas condições físicas, bióticas e abióticas para os alevinos podem ser oferecidas se a soltura for em áreas de ocorrência natural.
No Brasil, uma iniciativa pioneira foi o projeto “Repovoamento do Litoral do Paraná com Alevinos de Robalo” que previa a produção de alevinos pelo Centro de Produção e Propagação de Organismos Marinhos (CPPOM) da Pontifícia Universidade Católica do Paraná com recursos da Secretaria de Ciência, Tecnologia e Ensino Superior/Fundo Paraná. O projeto colocou cerca de um milhão de larvas e 300 mil alevinos de robalo nas baias do litoral paranaense em 2006-2007. Já em 2001 o CPPOM havia produzido 252 mil de larvas de robalos, que foram soltas na baía de Guaratuba com o propósito de viabilizar a recuperação do litoral paranaense. Uma das críticas que se fez a esta iniciativa foi a falta de avaliação dos resultados do repovoamento.
A importância ecológica de algumas espécies predadores de topo de cadeia como a garoupa verdadeira (Epinephelus marginatus) está também no fato de exercerem alta influência na densidade de suas presas e na estrutura da comunidade de fauna, o que a torna importante na regulação e equilíbrio de comunidades de seus ambientes. A proteção desta espécie visa, portanto, não somente manter seus níveis de abundância, mas também manter o seu ecossistema equilibrado e sadio. Tem hábitos sedentários e estudos sobre a movimentação dela demonstram que permanecem em territórios pequenos, distintos e individuais de 1500 m² até 2 há.
Embora algumas áreas de proteção no Mediterrâneo tenham conseguido êxito em impedir o declínio dos estoques já comprometidos de garoupa, em grande parte devido à proteção de habitats, a recuperação é lenta e a falta destes grandes predadores tem influência direta e negativa na dinâmica e estrutura do ecossistema coralíneo. Medidas de repovoamento tem sido avaliadas para restabelecer a saúde dos ambientes coralíneos.
A garoupa verdadeira é listada na Red List da IUCN como ameaçada de extinção (A2d). No Brasil foi incluída na Lista de Recursos do MMA como sobre explotada (IN 05/2004) e também consta como sobre explotada no Decreto Estadual Nº 56.031/2010 que define as espécies da fauna silvestre ameaçadas, colapsadas e sobre explotadas no estado de São Paulo. Atualmente é protegida pela Portaria MMA 445/2014 na categoria Vulnerável, e já existe um Plano de Recuperação instituído pelo MMA (Portaria 228/2018) cuja pesca é regulamentada pela Portaria IM 41/2018.
O PROJETO GAROUPAS AO MAR é um projeto de Análise e Monitoramento Genético para avaliar o processo de reintrodução de alevinos de garoupa verdadeira produzidos em cativeiro no setor Maembipe da APAMLN a ser executado por uma equipe com grande experiência sob a coordenação da Associação Ambientalista Terra Viva. Tem como parceiros o Instituto de Pesca de São Paulo e o Laboratório de Análise Genética de Animais Aquáticos da Universidade de Mogi das Cruzes. A APA Marinha do Litoral Norte de São Paulo e a Prefeitura de Ilhabela deram a anuência e são parceiros também.
Sendo um Projeto de interesse difuso da sociedade, optou-se por realizar um financiamento coletivo ou crowdfunding, um tipo de “vaquinha” via internet para levantar os recursos necessários. Qualquer pessoa pode acessar a plataforma kickante e fazer sua contribuição.
Se quiser ser um agente desta mudança, nos ajude fazendo uma contribuição. Seguir a ATEVI (FB: atevi.org Instagram: atevi_meio_ambiente), compartilhar os conteúdos e pedir contribuições ajuda muito também.
A campanha de financiamento coletivo termina na primeira semana de dezembro/2018.
Para saber mais:
Link do G1:
Bibliografia:
Anderson, A.B. et al. “Recovery of grouper … of a marine protected area in Southern Brazil.” Mar Ecol Prog Ser, 2014: 207-215.
Araujo, R.M. “Fatores preditores da variação espacial na biomassa de peixes recifais” SC, 2014. 100.
Astruch, P. et al. “Marquage et suivi do érou brun (Epinephelus marginatus) par Télémétrie acoustique” 2nd Symp on Medit. Groupers. Nice: 2007. 25-28.
Bartley, et al. “Restocking, stock enhancement, and searanching” Rev. Fish. Sci., 2008: 357-365.
Blankensip, H. et al. “A responsible approach to Marine Stock Enhancement.” American Fisheries Society Symposium. 1995. 167-175.
CDB. “Aichi Biodiversity Targets.” 2010. http://www.cbd.int/sp/targets.
Froese, R., FishBase. 2013. http://www.fishbase.org/, version 12/2013.
Koeck, B. et al. “Diel and seasonal movement pattern of Epinephelus marginatus inside a marine reserve.” Marine Environmental Research, 2014, 94 ed.: 38-47.
Riedel, R., C.E. Kerber et al. “Captive-reared Dusky Grouper as an alternative to repopulation of degraded reef habitats.” Journal of Fish and Aquac Dev, 2017, 3 ed.: 1-5.
Tessier, A.et al. “Evolution of the population of Epinephelus marginatus within the Natural Marine Reserve of Cerbère-Banyuls.” GEM. 2012. Poster.
Sobre a autora:
Claudia Ehlers Kerber é veterinária mestre em fisiologia com especialização em produção de peixes marinhos pelo South East Fisheries and Development Center, SEAFDEC, Filipinas. Desenvolve projetos de reprodução e produção de formas jovens de peixes marinhos.