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Levando a Antártica para as ruas de São Paulo

Atualizado: 25 de jul.

Por André Calloni Souza



Ilustração: Joana Ho


Minha história começou em 2016, quando entrei na graduação em Oceanografia. A princípio, eu não queria fazer faculdade. Tudo mudou quando um amigo do Instituto Oceanográfico da Universidade de São Paulo, o IOUSP, me falou sobre uma faculdade que estudava praias, baleias e o mar profundo. Então, eu enfiei uma ideia bem fixa na cabeça: agora, eu preciso fazer USP, e comecei a trabalhar como bartender para pagar o cursinho. Consegui passar e, logo no primeiro ano, consegui uma bolsa de estágio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), no Laboratório de Bioluminescência Marinha, sob a orientação do Prof. Anderson de Oliveira. Foi ali que me apaixonei pela pesquisa.


Durante esse período, senti uma vontade crescente de trabalhar com invertebrados marinhos. No terceiro ano, conversei com o Prof. Paulo Sumida, que me aceitou em seu laboratório. Trabalhei com ofiuróides (serpentes-do-mar) e escrevi meu trabalho de graduação (TG) sobre eles, além de participar de diversos projetos. Fora do laboratório, fiz vários trabalhos paralelos, como bartender, modelo, ator e professor particular.


Quando estava próximo de concluir meu TG, surgiu uma oportunidade no projeto BECOOL (Conexões bentônicas em altas latitudes do hemisfério sul; em inglês, BEnthic COnnections Of high southern Latitudes), que estuda os impactos das mudanças climáticas na fauna de fundo da Antártica. Foi uma mudança drástica, trocando a análise morfológica por horas de vídeo e processamento de dados com programação em R. Gostei tanto que participei da Operantar 42, uma expedição à Antártica para coletar imagens na enseada Martel, momento que transformou minha carreira.



Coleta de imagens na enseada Martel, na Antártica, pelo projeto BECOOL, do Instituto Oceanográfico da USP. Fonte: André Calloni Souza com licença CC BY NC-ND


Minha namorada Tamara, que trabalha no financeiro da maior agência de publicidade digital do país, sempre me incentivou a criar conteúdo digital de divulgação científica. Eu hesitava, mas decidi tentar quando pisei pela primeira vez em outro país através do meu trabalho como oceanógrafo. 


Ao longo da viagem, os vídeos foram ganhando cada vez mais acessos, cada vez eu recebia mais mensagens de jovens curiosos, querendo saber desde como era a nossa comida na estação, até se realmente existiram pirâmides alienígenas enterradas no gelo. E assim, em dois meses, consegui alcançar a marca de 33 mil seguidores, unindo a Ciência e minhas práticas anteriores como modelo, editor de vídeo e produtor musical. 


Quando a expedição acabou, enfrentei um novo desafio: continuar produzindo conteúdo sem a paisagem única da Antártica. E a resposta, novamente, veio da minha namorada Tamara. A cada curiosidade oceanográfica aleatória que eu contava pra ela no café da manhã, ela me respondia com um olhar provocativo: “Sabe quem não sabe disso? Seus seguidores”. Esses comentários fizeram minha ficha cair: às vezes, a gente fica tão acostumado a conviver com outros cientistas e falar de assuntos tão específicos, que esquecemos que, muitas vezes, a coisa mais simples e aparentemente óbvia para nós é extremamente interessante para o público leigo, seja lá de qual área da Oceanografia estamos falando. Além disso,  os jovens principalmente de periferia, já desestimulados pela realidade socioeconômica em que vivem, que muitas vezes levam horas e mais horas no transporte público para voltar de subempregos, e que possuem a curiosidade nata sobre assuntos relacionados ao oceano (existem muito mais jovens assim do que vocês imaginam), chegam em casa, abrem o YouTube ou o TikTok, e se deparam com diversas notícias falsas (as famosas Fake News) sobre a Antártica, desinformações e lendas, escritas para lucrar com adsense nas diversas plataformas e redes sociais, que é a exibição de anúncios nos conteúdos digitais. E aí um jovem que poderia, através de um sonho, se motivar a estudar, seguir a carreira acadêmica, e eventualmente se tornar um cientista, acaba se perdendo em vídeos sobre alienígenas escondidos, discos voadores e doenças antigas enterradas no gelo, os quais giram todos em torno de um único ponto: NINGUÉM PODE IR PRA ANTÁRTICA.


Decidi, então, não só continuar com os vídeos, mas expandir. Divulgação científica presencial e em escolas, preferencialmente públicas. E, desde então, uma vez por semana eu vou no museu do Instituto Oceanográfico da USP, pego emprestadas algumas amostras de organismos marinhos e sigo para as escolas do bairro onde eu moro, na Vila Nova Cachoeirinha, para apresentar uma palestra sobre o que é a Oceanografia, o que estudamos, o que fazemos e como a questão do aquecimento global na Antártica afeta diretamente a vida de todos nós.



Palestra em escola da Vila Nova Cachoeirinha (São Paulo - SP).

Fonte: André Calloni Souza com licença CC BY NC-ND


Acho importante destacar, a todos os cientistas que pensam em fazer o mesmo, a importância de saber conversar com os jovens, especialmente na periferia. Então, não adianta chegar com papo técnico de cientista, isso não vai despertar o interesse. Agora pergunta quem já virou o ano na Praia Grande ou já foi no baile da plataforma (em Mongaguá) pra você ver se pelo menos uns 10 não vão levantar a mão. Fala pra eles que se o gelo da Antártica derreter, todo o litoral paulista fica embaixo d’água. Abra sua palestra falando sobre o salário inicial de um Oceanógrafo num concurso da Petrobrás. Pode ter certeza que a atenção dos alunos será capturada imediatamente. 


E para os colegas de profissão, será um prazer apresentar o laboratório de vocês e o que fazem no meu perfil do Instagram (@dehcalloni). Será um prazer auxiliar na produção de conteúdo digital de divulgação científica. Existe muita gente interessada no nosso trabalho, só precisamos rever a forma com que apresentamos o mesmo, e assim, em breve, quem sabe não temos os cursos de oceanografia  cada vez mais cheios e diversos?!


 

Sobre o autor:


Foto do autor do post, utilizando macacão vermelho e óculos de proteção penurado no pescoço

André Calloni Souza tem 27 anos, é Oceanógrafo, e trabalha com ecologia bentônica na Baía do Almirantado. Além disso, produz conteúdo digital no Instagram sobre Oceanografia, Antártica e questões ambientais em geral.
















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