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Linguados: ser diferente é legal também!

Atualizado: 13 de mar. de 2023

Ilustração de Alexya Queiroz


Uma vida acreditando no linguado amarelo e azul da Disney? A realidade é diferente, mas muito (mais) interessante!

Não sei da geração Z, mas quem nasceu nas décadas de 1980 e 1990 (os tais millennials) cresceu acreditando que linguado era um peixe amarelo com listras azuis, amigo da Ariel, aquela do filme “A pequena sereia”. Sinto dizer, mas você foi enganada/o! Os linguados que habitam o nosso oceano não se parecem basicamente em nada com aquele linguado do filme, exceto pelo fato de que são todos peixes! A parte boa é que esse texto é para você e, claro, quem mais estiver interessada/o e quiser aprender sobre estes organismos tão curiosos!


Os linguados pertencem à Ordem Pleuronectiformes, que engloba espécies de peixes bentônicos com características muito peculiares. São animais que podem ser encontrados principalmente em águas marinhas, ocorrendo também em ambientes transicionais (como os estuários) e, mais raramente, em águas interiores. No Brasil, são conhecidas mais de 50 espécies de linguados.

Em um quadro de fundo branco, são apresentados quatro diferentes espécies de linguados, cujo formato do corpo é achatado lateralmente: a primeira (acima e à esquerda) possui tonalidade escura com manchas vinho e azuladas, olhos distantes e nadadeira caudal pontuda; a segunda (acima e à direita) tem cor marrom, olhos mais próximos, boca grande e nadadeira caudal pontuda; a terceira (abaixo e à esquerda) possui olhos pequenos e muito próximos, listras verticais escuras e nadadeira contínua; e a quarta (abaixo e à direita) apresenta cor clara, rósea, olhos grandes e próximos e nadadeira peitoral longa (é possível observar a gônada feminina na porção inferior do corpo, em tonalidade avermelhada).

Diferentes espécies de linguados encontrados na costa do estado de São Paulo. Imagens não seguem a mesma escala (Fonte: Arquivo pessoal de Kenzo Omaki e Natasha Travenisk Hoff com licença CC BY-SA 4.0).


E o que faz destes animais tão especiais e "diferentões"? Quando apresento um linguado para alguém que não está familiarizado com o tema, a primeira coisa que chama a atenção é o fato destes organismos apresentarem os dois olhos do mesmo lado do corpo e nadarem "deitados" junto ao fundo! Isso reflete uma característica muito peculiar desse grupo de peixes: eles não apresentam simetria bilateral. O que isso significa? Vamos exemplificar... Nós, seres humanos, temos um braço, uma perna e uma orelha de cada lado do corpo, ou seja, se traçarmos uma linha (ou eixo) dividindo o corpo em dois lados iguais, encontraremos as mesmas estruturas. Assim, dizemos que nós somos simétricos bilateralmente. O mesmo não acontece com os linguados, que possuem o corpo achatado lateralmente.

quadro de fundo branco que pode ser dividido em três porções: à esquerda, há um quadro laranja em cima com o escrito “simetria bilateral - humano”, e embaixo, um corpo rosa dividido lateralmente em esquerda e direita por uma linha pontilhada, com setas apontando os olhos, orelhas, braços e pernas em cada lado; no centro, há um quadro laranja em cima com o escrito “simetria bilateral - peixes”, e embaixo, um peixe (cabrinha - Prionotus punctatus) dividido lateralmente em esquerda e direita por uma linha pontilhada, com setas apontando os olhos, orelhas, raios modificados e nadadeiras peitorais em cada lado; e à direita, há um quadro laranja em cima com o escrito “assimetria - linguados”, e embaixo, um linguado dividido lateralmente em esquerda e direita por uma linha pontilhada, com setas apontando os olhos no lado direito (e sua ausência no lado esquerdo indicada por um círculo vermelho com um X no centro) e nadadeiras peitorais diferentes em cada lado do corpo, com uma indicação do lado esquerdo como o lado “cego” do peixe.

Quadro apresentando diferentes padrões de simetria bilateral observado em humanos e peixes (exemplificado aqui pela cabrinha Prionotus punctatus) e da assimetria vista nos linguados (Fonte: Natasha Travenisk Hoff com licença CC BY-SA 4.0).


Se prestarmos mais atenção, vemos que a coloração e as nadadeiras também são diferentes em cada lado, inclusive os otólitos (exemplo de otólitos direito e esquerdo de uma mesma espécie)!

Em um quadro de fundo preto, são apresentadas imagens dos lados direito (acima) e esquerdo (embaixo) de um linguado da família Paralichthyidae, que possui boca grande, olhos grandes e próximos, e nadadeira caudal pontuda. Na imagem do lado esquerdo, pode-se observar os dois olhos e coloração marrom com manchas mais escuras. O lado direito é o lado cego nesta espécie e também não é pigmentado (branco), sendo possível observar a nadadeira peitoral (pequena e arredondada).

Lados direito e esquerdo de um linguado da família Paralichthyidae, onde se pode observar os dois olhos no lado esquerdo (acima), que também é pigmentado. Embaixo, a vista do lado direito do mesmo linguado, na qual, além da ausência dos olhos, também vemos falta de pigmentação (Fonte: Arquivo pessoal de Francesco Chioatto, com licença CC BY-SA 4.0).


E vocês acham que os linguados já nascem assim? Aqui é talvez a parte mais impressionante…


As larvas destes organismos são planctônicas e, quando eclodem, são simétricas como as demais. Ao longo do seu desenvolvimento, um dos olhos migra para o outro lado (Vídeo). Se é o olho direito que migra para o lado esquerdo ou vice-versa, isso é algo característico de cada família.

Desenvolvimento da larva de linguado, ao longo do qual ocorre a migração dos olhos.


Outra característica interessante dos linguados, que não está relacionada à sua simetria, é a capacidade de se camuflar, seja se enterrando na areia, seja alterando sua coloração. Neste segundo caso, as mudanças de cor e padrão são alcançadas alterando-se a visibilidade relativa dos cromatóforos (estruturas que contêm pigmento). Essas mudanças podem ocorrem em segundos ou até ser finalizadas em alguns dias, dependendo da espécie e da localidade! Uma camuflagem efetiva tem a vantagem de aumentar o sucesso de sobrevivência destes animais tanto como predadores, quanto na sua habilidade de se esconder de potenciais predadores.

Imagem de um aquário marinho, escura e azulada, de fundo arenoso, com rochas em ambos os lados, e um peixe escuro na porção inferior à direita. No canto superior esquerdo, há um escrito em azul com a frase “Cadê o linguado?”. Na região central, há uma seta vermelha apontando a posição de um linguado enterrado na areia, em que só é possível distinguir seu contorno.

Linguado enterrado na água (Fonte: Arquivo pessoal - Natasha Travenisk Hoff, com licença CC BY-SA 4.0).


A carne de linguado costuma ser muito apreciada e muitos conhecem os linguados pela vantagem de serem "só filé", mas poucos sabem a razão disso e, muito menos, sabem que "linguado" é um nome popular que se refere a muitas espécies de peixes. Portanto, quando compramos ou comemos um linguado, a verdade é que não fazemos ideia do que estamos consumindo! Isso compromete, inclusive, a avaliação dos estoques pesqueiros e do estado de conservação das espécies. Apesar dessas complicações, há ainda uma das espécies, conhecida também como solha (Achirus mucuri), classificada como vulnerável de acordo com a lista de espécies ameaçadas do Brasil, baseado em avaliação finalizada em 2013 (dê uma olhada nas referências listadas ao final do texto), enquanto é descrito que não há dados suficientes para a avaliação do estado de conservação em São Paulo - isto considerando que este é o estado que possui maior acompanhamento das pescarias, realizado pelo Instituto de Pesca!


Pois é, agora que você já conhece esses bichos tão incríveis, espero que na próxima ida ao mercado ou restaurante, você os veja com novos olhos!

 

Referências ou sugestão de leitura:


Akkaynak, D.; Siemann, L.A.; Barbosa. A.; Mäthger, L.M. 2017. Changeable camouflage: how well can flounder resemble the colour and spatial scale of substrates in their natural habitats? Royal Society Open Science, 4: 160824. http://dx.doi.org/10.1098/rsos.160824


Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade [ICMBio]. 2018. Livro vermelho da fauna brasileira ameaçada de extinção. 492 p. ICMBio, Brasília, Brasil. ISBN: 978-85-61842-79-6


São Paulo. Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo. Decreto nº 63.853, de 27 de novembro de 2018. Disponível em: https://www.al.sp.gov.br/repositorio/legislacao/decreto/2018/decreto-63853-27.11.2018.html




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