Por Carla Elliff, Mariana Andrade, Vitória Scrich e Natalia de Miranda Grilli
O lixo no mar é um problema mais complexo do que inicialmente pode parecer. Muitas vezes associado simplesmente à falta de educação de um turista na praia, o lixo que encontramos nos ambientes marinhos e costeiros na realidade nos contam histórias que envolvem toda a sociedade.
Quem já participou de mutirões de limpeza de praia já deve ter se perguntado “de onde vem todo esse lixo?”. Considerando a variedade de itens que são encontrados (desde embalagens de alimento, cotonetes, pneus, redes de pesca a televisões) a resposta demanda conhecimento sobre a composição desse lixo e suas possíveis fontes.
Se não tivermos clareza sobre isso, podemos nos ver numa situação de “enxugar gelo”: continuamente limpando o oceano, mas sem estancar a fonte do problema. Por isso, antes de planejar ações de combate, é necessário monitorar e avaliar a poluição por lixo no mar.
É a partir dessa premissa que nasceu o projeto de construção do Plano de Monitoramento e Avaliação do Lixo no Mar para o Estado de São Paulo (PEMALM). Essa construção é uma parceria entre a Secretaria Estadual de Infraestrutura e Meio Ambiente do Estado de São Paulo (SIMA), o Fundo Brasileiro para a Biodiversidade (FUNBIO), a Cátedra UNESCO para a Sustentabilidade do Oceano, o Instituto de Estudos Avançados (IEA) e Instituto Oceanográfico (IO) da Universidade de São Paulo, com financiamento da Embaixada da Noruega.
O PEMALM está sendo desenvolvido como uma política pública baseada na ciência e de forma participativa. Isso significa que, ao longo de todo o processo, consultamos a literatura científica, as pessoas e as instituições (chamados de “atores”) envolvidas na temática. Logo no início, foi necessário um grande esforço de levantamento de dados científicos publicados sobre o lixo no mar no litoral paulista e levantar também quem são esses atores que produzem, ou têm o potencial de produzir, informações sobre o assunto.
Fizemos um primeiro workshop em dezembro e agora estamos na fase de consulta pública, aberta para qualquer pessoa participar!
Mas para quê serve um plano de monitoramento e avaliação de lixo no mar?
Atualmente, um dos grandes obstáculos nos esforços de entendimento sobre o problema é a falta de levantamentos de informação sistemáticos e de longo prazo. Os estudos sobre o assunto são relativamente recentes, sejam eles para investigar a distribuição espacial dessa poluição e a composição do material ou os seus riscos. Atualmente é muito difícil apontar tendências e, além disso, as metodologias de coleta nem sempre são comparáveis. Este é um passo importante que precisamos dar para combater o lixo no mar.
Outro ponto muito importante considerado no PEMALM são os atores envolvidos na construção dessa política pública. Quando pensamos em pessoas ou instituições relevantes para o assunto lixo no mar, temos que ter uma visão ampla. O setor público e privado, o meio acadêmico e o terceiro setor (ONGs e associações, por exemplo) precisam estar todos representados, já que cada um tem seu papel na complexa cadeia de entendimento sobre o lixo que chega e impacta o mar.
Pensando nesse contexto, o PEMALM traz três listas de indicadores sugeridos para o monitoramento e avaliação dessa poluição: indicadores de geração de lixo para o mar, de exposição ao lixo no mar e de efeitos do lixo no mar. Essa abordagem foi desenhada com base num recente relatório do Grupo de Especialistas em Aspectos de Poluição Marinha (GESAMP) e na metodologia DPSIR (na sigla em inglês, que significa Força Motriz-Pressão-Estado-Impacto-Respostas). Esta metodologia é bastante utilizada na gestão ambiental e é uma forma de comunicar problemas complexos, dividindo-os em etapas. Este vídeo, produzido para um curso online da ONU sobre lixo no mar, detalha como essa abordagem pode ser aplicada especificamente a esse problema ambiental.
Os indicadores sugeridos também foram desenvolvidos pensando em quem potencialmente pode colaborar com seu monitoramento e com quais temas importantes para as políticas públicas eles se relacionam. No PEMALM, esses temas são: turismo, segurança alimentar, saúde humana e bem-estar, navegação, pesca e aquicultura, bem-estar animal e biodiversidade.
Olhando esses temas, fica ainda mais clara a transversalidade do assunto. Por exemplo, um microplástico pode oferecer um risco não só à biodiversidade, mas também à segurança alimentar humana, já que ele pode levar à uma perda na qualidade do pescado que eventualmente ingira esse material. Outro exemplo interessante é ver como atividades potencialmente geradoras, como o turismo e a pesca, são também afetadas pelo lixo no mar. Por isso é tão importante construir de forma participativa uma política pública, para se garantir múltiplas visões que se complementam e tornam o plano mais eficiente e praticável.
E quais são os próximos passos para o PEMALM entrar em prática?
Como mencionamos, o PEMALM agora está na sua fase de consulta pública até o dia 23/10/2020. Esta é uma ferramenta fundamental para fortalecer o desenvolvimento de políticas públicas democráticas e legítimas. É neste momento que todos os cidadãos e cidadãs afetadas por uma política pública devem ter a oportunidade de influenciá-la. Todas as contribuições recebidas serão consideradas pela equipe do projeto e o plano seguirá então para sua publicação.
Após publicado, esperamos contar com o engajamento da rede de atores já mobilizada e agregar novos indivíduos e instituições! O PEMALM é um primeiro passo e temos um longo caminho a percorrer, seria impossível fazê-lo sem a participação de tantas pessoas buscando soluções para o complexo problema do lixo no mar.
Fica aqui novamente nosso convite para participarem da consulta pública. Sem vocês, o PEMALM não fica completo!
Sobre as autoras:
Mariana Andrade
Pesquisa e comunica processos participativos para a conservação do oceano. É membro do Comitê de Governança Nacional, Jovem Embaixadora do Oceano Atlântico no Brasil (@queridoatlantico / @AllAtlanticYouth) e co-fundadora da@bloom.ocean: agência de mudança para pessoas, projetos e negócios ligados ao oceano. É pesquisadora doPlano de Monitoramento e Avaliação do Lixo no Mar para o Estado de São Paulo, contribui com o Grupo de Trabalho de Empreendedorismo em Ciências do Mar (@gtecienciasdomar) e é conselheira da Liga das Mulheres pelo Oceano (@ligadasmulherespelooceano).
Vitória Scrich
Graduada em Ciências Biológicas, pesquisa sobre a importância da interação entre os diferentes setores da sociedade para tratar do problema do lixo no mar. É mestranda no Programa de Ciência Ambiental (PROCAM-IEE/USP) e atua no Laboratório de Manejo, Conservação e Ecologia Marinha do Instituto Oceanográfico (IOUSP). É colaboradora da Cátedra UNESCO pela Sustentabilidade do Oceano e membro da equipe organizadora do Plano de Monitoramento e Avaliação do Lixo no Mar para o Estado de São Paulo.
Natalia de Miranda Grilli
Graduada em Ciências Biológicas, especialista em Gerenciamento Ambiental e Mestre em Oceanografia, ambos pela USP. É educadora ambiental, consultora de comunicação do Plano de Monitoramento e Avaliação do Lixo no Mar para o estado de São Paulo, colaboradora da Bloom Agência de Mudança, conselheira da Liga das Mulheres pelo Oceano e integrante do Instituto Costa Brasilis e do Laboratório de Manejo, Ecologia e Conservação do IOUSP, e do Youth Climate Leaders.
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