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Mais uma fantástica habilidade dos corais: autolimpeza para retirar óleo

Atualizado: 3 de nov. de 2020

Corais formam a palavra esperança.

Ilustração: Joana Ho.


Os corais brasileiros têm fama de serem fortes e resistentes, mas eu queria que eles não precisassem provar isso com tanta frequência como nos últimos tempos. Apesar das águas quentes do Nordeste serem convidativas, o Brasil possui uma água relativamente mais turva que outros locais onde os corais ocorrem no mundo, o que normalmente dificulta o desenvolvimento da maioria das espécies de corais (leia mais sobre a biologia dos corais aqui). Essas condições fazem com que tenhamos um conjunto de espécies muito especial nas águas rasas da nossa costa - aproximadamente metade delas só existem aqui no Brasil! O ano de 2019 começou difícil para os corais do Nordeste. Por causa do El niño, as águas ficaram acima da temperatura ideal para estes animais por muito tempo. Essas condições adversas geram estresse, que pode levar ao processo de branqueamento de colônias de coral. Quando o branqueamento persiste por um longo período, pode causar a morte dos corais. Em alguns lugares, como no Recife de Fora (Porto Seguro – BA), registrou-se a mortalidade de 90% das colônias do Coral de Fogo (Millepora alcicornis).

Colônia de Coral de Fogo branqueada no primeiro plano com pequenos peixes acima dela, ao fundo mais colônias de Coral de Fogo branqueadas

Colônias de Coral de Fogo (Millepora alcicornis) branqueadas em março de 2019. (Fonte: Leandro Santos/ Projeto Coral Vivo com licença CC BY-SA 4.0).


Passados o verão e o outono, períodos em que a água ficou mais quente, pudemos observar uma melhora e recuperação nas colônias. No entanto, perto do início da primavera, começamos a ter notícias do desastre relacionado ao misterioso óleo que impactou o Nordeste. Morando e trabalhando com corais em Porto Seguro, que está na área do Banco dos Abrolhos, onde temos a maior diversidade de corais do Atlântico Sul, a preocupação começou a se instalar. Primeiro preocupação pelas populações das cidades já atingidas mais ao norte. Como isso impactaria suas vidas no curto e longo prazo, e quais seriam os impactos nos ecossistemas atingidos? O cenário gerou uma sequência de noites mal dormidas, pesadelos com cenários catastróficos, discussões acirradas entre parceiros sobre as possíveis ações, e uma confusão entre informações conflitantes de vários lados. O Projeto Coral Vivo, uma ONG que trabalha com pesquisa e conservação de corais, montou experimentos com diferentes graus e tipos de contato com o óleo encontrado, buscando entender as consequências deste crime, os potenciais impactos, e gerar dados para subsidiar possíveis tomadas de decisão.


Coral Couve-Flor coberto de óleo na mão de pesquisador montando experimento, outros pesquisadores ao fundo

Pesquisadores montam experimento com óleo sobre os corais (Fonte: Leandro Santos/ Projeto Coral Vivo com licença CC BY-SA 4.0).


Apesar dos pesquisadores já conhecerem toda a força e potência dos corais brasileiros, uma observação nos surpreendeu: a habilidade destes animais removerem o óleo que os cobria. Em diferentes experimentos percebemos que os corais acabavam ficando limpos mesmo quando colocávamos óleo sobre eles. Foi então planejado um experimento só para registrar se isso realmente ocorria. O experimento consistiu em colocar corais vivos ao lado de esqueletos e colocar óleo sobre os dois – assim, se o óleo ficasse no esqueleto, mas saísse do coral, era porque o coral que havia tirado, e não que o óleo tivesse simplesmente boiado. Para os estudos, utilizamos o coral couve-flor (Mussismilia harttii). O coral começou a responder muito rapidamente: em 5 minutos já percebemos grande produção de muco. Eles sempre produzem muco, mas nesse caso houve aumento expressivo de muco e a formação de bolhas. O coral também começou a externalizar alguns de seus filamentos viscerais como resposta ao estresse. O resultado dessa movimentação toda foi que em duas horas todos os corais haviam removido o óleo que estava sobre eles, e esse óleo boiava ainda mais com todo o muco do coral. Enquanto isso, os esqueletos estavam intactos, cheios de óleo. Com isso pudemos registrar a incrível habilidade desses animais, que não só conseguem se limpar do sedimento sobre eles, mas tem estratégias tão poderosas que conseguem remover óleo de suas “cabeças”.

Desenho mostrando óleo sendo colocado sobre os corais para experimento. Sequência de desenhos em quadros mostrando que com o passar do tempo o coral consegue remover o óleo sobre eles.

Esquema mostrando como funcionou o experimento constatando que os corais conseguem remover o óleo de cima deles. À esquerda o coral vivo, e à direita só o esqueleto (Fonte: Leandro Santos/vetores por Freepik licença CC BY-SA 4.0).


Esse experimento nos ensina algumas coisas sobre o funcionamento da ciência, por exemplo, que nem sempre as respostas vêm completas. Registramos a remoção do óleo, mas ainda não sabemos exatamente quais os mecanismos usados pelos corais para realizar tal façanha. Temos palpites de que pode ser a produção de muco, o movimento dos cílios na região próxima a boca, ou outras ações, mas elas ainda precisam ser melhor investigadas. Nem sempre conseguimos prever o que está para acontecer, alguns experimentos já haviam sido realizados para estudar o impacto de derivados do petróleo em potenciais desastres, mas não exatamente com as características deste óleo. Momentos de crise demandam muito conhecimento, ou seja, pesquisa, para que as melhores decisões sejam tomadas. O valor dos conhecimentos tradicionais também deve ser reconhecido nesta hora, muitas vezes acumulando mais informação do que muitos modelos. Corais são animais incríveis que estão há anos lutando pela sobrevivência e mostrando verdadeiras façanhas para conseguirem resistir a tantas ameaças. Até agora, o óleo parece não ter causado muitos impactos diretos sobre eles¹²³, mas respostas relacionadas a fatores indiretos, ou de efeito em cascata, ainda podem aparecer. Uma ameaça clara está relacionada às mudanças climáticas, como vimos em 2019. Em 2020 outras regiões do Nordeste apresentaram o estresse do branqueamento e alta mortalidade. O Atlântico Sul, e a nossa especialíssima fauna, se comportam como um refúgio de corais quando comparados a outros corais ao redor do mundo. Mas com tantas ameaças está ficando cada vez mais difícil de se defender, mesmo com truques inesperados. O crime do óleo que atingiu a costa brasileira, e a magnitude que alcançou (3000 km de costa!), foi um exemplo do que pode acontecer quando o poder público não age com velocidade e perícia, e a comunicação entre pesquisadores e gestores é ineficiente. Poucas ações foram tomadas baseadas nos conhecimentos prévios sobre as características oceanográficas. Se houve um estancamento, foi por causa da articulação de voluntários, comunidades tradicionais, e entidades locais. Os impactos do óleo ainda são um mistério, vai demorar um bom tempo para entendermos a sua real dimensão. Foi mais um capítulo para a série de desastres que vêm ocorrendo; assim como o crime que ocorreu em Mariana, que deixou até hoje muitas perguntas sem respostas. --------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------- Referências ou sugestão de leitura: ¹https://www.oeco.org.br/noticias/oleo-atinge-apa-costa-dos-corais-maior-reserva-marinha-federal-do-brasil/

Santos HF, Santos LFA, Jesus HE, Lacerda CHF, Mies M. In Press. The South Atlantic coral Mussismilia harttii actively and quickly removes heavy crude oil from its surface. Bulletin of Marine Science. https://doi.org/10.5343/bms.2020.0017. --------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------- Sobre o autor:


Biólogo, em eterna formação, graduado pela USP, tenho experiência com zoologia de invertebrados marinhos, ecologia de substratos consolidados, educação ambiental e aquicultura. Atualmente aluno de mestrado na UFSB, pertenço ao Núcleo de Pesquisa e Extensão em Educação Ambiental (NUPPEA/UFSB) e meu projeto envolve educação ambiental em unidades de conservação da Costa do Descobrimento. Quando consigo, gosto de ser pego por umas ondas (um dia chega a vez delas!) e aprendendo as mil artes da capoeira. Acredito na necessidade urgente de mudança de hábitos e que só coletivamente construiremos um futuro. Com todes. #óleononordeste #vazamentoóleo #corais #branqueamento #ciênciasdomar #leandrosantos #joanaho

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