Por Juliana Leonel
Ilustração de Alexya Queiroz
Preparar aula.
Lecionar.
Tirar dúvidas.
Escrever projeto de pesquisa.
Executar o projeto de pesquisa.
Prestar contas do projeto de pesquisa.
Escrever relatório do projeto de pesquisa.
Revisar projeto de pesquisa de outros colegas.
Analisar dados.
Escrever artigo.
Revisar artigo de outros colegas.
Orientar IC, TCC, dissertação, tese.
Revisar relatório de IC, TCC, dissertação, tese.
Supervisionar monitoria.
Supervisionar pós-doutorado.
Participar de banca de TCC, mestrado, doutorado, concurso.
Escrever projeto de extensão.
Executar projeto de extensão.
Prestar contas do projeto de extensão.
Escrever relatório do projeto de extensão.
Participar de reunião de departamento, de colegiado de graduação, de pós-graduação, de conselho universitário, de grupos de pesquisa, de grupos de extensão, de comitês, de grupos de trabalho e outras tantas.
Ter cargos de chefia de departamento, coordenação de curso de graduação e de programa de pós-graduação, chefe de instituto/centro etc.
Ufa… Se ler esta lista já cansa, imagina fazer tudo isso?
Tudo que foi citado na lista acima (e mais um tanto de coisa) faz parte das atividades cotidianas de qualquer professora de uma das muitas universidades federais brasileiras (e também de muitas estaduais e privadas). No entanto, na hora de concorrer a um edital para financiar sua pesquisa ou a uma bolsa de produtividade, só um item entre todos será realmente levado em consideração: o número de artigos publicados.
Isso mesmo, para o sistema acadêmico, produtividade se resume a “número” de artigos científicos publicados e a quantas vezes esses artigos foram citados. Isso mesmo, tudo se resume a NÚ-ME-ROS. A qualidade, a relevância, o (verdadeiro) impacto da pesquisa e sua aplicação na sociedade tem uma importância menor ou nem são avaliados. Não à toa este método de apenas “olhar para números” é chamado de produtivismo.
Mas pior do que avaliar uma pessoa em função do número de artigos publicados, é avaliar como se essa fosse a sua única função como profissional e como se todos tivessem exatamente o mesmo tempo e condições financeiras de fazer pesquisa. Desconsiderando, dessa forma, todas as diferenças - muitas vezes gritantes - de realidades e de demandas de cada pessoa. Ou você realmente acredita que uma mulher que, além do trabalho citado acima, tem que cuidar dos filhos, de outros familiares e da casa tem as mesmas condições de produzir que um homem que chega em casa e encontra sua roupa limpa e a janta pronta? Ou que, quem faz pesquisa em locais afastados de grandes centros urbanos ou com fundações de amparo a pesquisa com menos recursos, tem condições de produzir o mesmo tanto de quem está em grandes centros de pesquisa no sudeste do país? Será que a pessoa que dá 8 horas-aula por semana tem as mesmas condições de escrever artigo que alguém que dá 15, 18, 20 horas-aula por semana?
As diferenças na carreira acadêmica são imensas e ignorar a sua existência na avaliação de diferentes profissionais ou na hora de distribuir recursos para pesquisa é olhar de forma reducionista e com vista a favorecer apenas os mesmos grupos que sempre se destacam. E dessa forma, deixar de lado a contribuição de “uma galera” que faz ciência de qualidade, mas nem sempre em quantidade.
Além da falta de equidade nas condições de trabalho, é difícil não encontrar nesses grupos “altamente produtivos” estudantes e pesquisadores sobrecarregados, que trabalham incansavelmente finais de semana e feriados, que não tem vida social, que sofrem abusos/assédios, que sofrem de diversos distúrbios e descobrem o que é burn out muito antes de saberem o que é ter emprego - sim, aqui vale lembrar que mestrandos, doutorandos e pós-doutorandos recebem bolsa e isso não constitui vínculo empregatício, ou seja, não tem direitos trabalhistas garantidos como férias ou 13º e nem contribuição para sua aposentadoria.
Outro problema dessa cobrança pela produtividade exacerbada está na qualidade dos trabalhos produzidos e, infelizmente, também no uso de meios espúrios - que envolvem fraudes e plágios (vide o número cada vez maior de artigos retirados de circulação) - para inflar quantidade de publicações. Um exemplo bem conhecido é a da “ciência salame”, quando pesquisadores fatiam uma única descoberta no maior número possível de artigos científicos para aumentar a sua produção. Revistas científicas com qualidade questionável também se aproveitam dessa incessante “rodinha de hamster” da produtividade para oferecer oportunidades de publicação rápida, sem seguir o rigor científico, por um valor monetário (veja mais sobre isso em nosso post sobre spam acadêmico).
A supervalorização do volume de artigos publicados não é prejudicial apenas para quem está no meio acadêmico, mas principalmente para o desenvolvimento da ciência. Quando a qualidade deixa de ser o objetivo, também deixam de ocorrer descobertas e avanços que podem melhorar a vida de todos. Neste contexto, o movimento pela desaceleração da ciência tem se destacado. Segundo a filósofa belga Isabelle Stengers, uma das defensoras do movimento e autora do livro "Uma Outra Ciência É Possível", no modelo produtivista atual não é possível atender às reais necessidades da sociedade; o que gera também exclusão e desigualdade - não só para quem faz ciência - mas também para aqueles que deveriam se beneficiar dela.
Muita gente - infelizmente - acha que tudo isso é um grande bobagem e só um “mimimi” de quem não “dá conta do tranco” da academia. Outras, felizmente enxergam os problemas gerados pelo produtivismo e questionam isso; entre elas está o físico Peter Higgs (aquele mesmo do Bóson de Higgs): quando ganhou o Nobel de Física em 2013, ele disse que pelos padrões atuais nunca seria contratado por nenhuma universidade, justamente por não ser “produtivo” o suficiente. Na mesma linha, te convido a fazer uma reflexão sobre tudo isso e responder: você acha mesmo que Marie Curie teria tempo para desenvolver a teoria da radioatividade se fosse obrigada a publicar 10, 15, 20 artigos por ano?
Sobre a autora:
Juliana Leonel é formada em oceanologia na FURG com doutorado em oceanografia química pela USP. Entre um trabalho, uma bolsa e um intercâmbio passou também pela Unimonte, UFPR e UFBA, Texas A&M University, Health Department of New York, Heriot-Watt University e da Stockholm University. Atualmente é professora adjunta na UFSC. Trabalha com poluição marinha, principalmente contaminantes sintéticos e resíduos sólidos. Mas também atua na geoquímica estudando o ciclo do carbono no ambiente marinho. Desde abril/20 tem se aventurado como mãe do Ian. Não abre mão de cozinhar e experimentar novos sabores, mas não sem antes estudar os processos/química que tornam um prato possível. Também gosta de viajar, ler, fazer trilha e tomar um banho de mar (ou cachoeira). Participa do BPCN desde 2018 como editora e é uma das responsáveis pela página no twitter. É a chata dos "direitos autorais" e quer que todos usem/produzam material livre com licença creative commons.
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