Por Juliana Bomjardim
Ilustração: Caia Colla
Quando fui convidada pela equipe do Bate Papo com Netuno para escrever meu texto de estréia como editora fiquei contente e apreensiva ao mesmo tempo. Sabia que era esperado que eu escrevesse sobre o meu mestrado, no entanto eu mal falo sobre ele, como escrever?
Meu projeto de mestrado foi uma continuação do meu projeto de iniciação científica (o qual eu desenvolvi durante o período de quatro anos). Colei grau em março de 2016, e em abril já estava iniciando minhas aulas no Programa de Pós Graduação em Análise Ambiental Integrada da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP). Primeiro passo para o meu sonho de ser uma cientista e também para um dos períodos mais difíceis da minha vida.
Eu estou dentro daquele grupo crescente de acadêmicos que desenvolveram ansiedade e depressão durante a pós-graduação. Sempre fui ansiosa e flertei com a depressão, mas a minha maior crise ocorreu durante a pós-graduação e não foi por coincidência.
Um estudo de 2018 publicado pela Nature Biotechnology a existência de uma crise de saúde mental no meio acadêmico. De acordo com o artigo, alunos na pós graduação apresentam altas taxas de ansiedade e depressão, com seis vezes mais chances de desenvolver essas doenças do que a população geral, sendo as mulheres e transgêneros ainda mais afetados do que seus colegas homens cisgênero. O estudo sugere que é preciso desenvolver estratégias para conter esse fenômeno.
Cobrança
As pressões já começam no processo seletivo. Há um expectativa para que você seja aprovado na primeira tentativa, afinal eu já era da casa (sou bacharela em Ciências Ambientais pela UNIFESP). Vinte e quatro vagas e 4 bolsas para um programa strictu sensu. Ou seja, não adianta apenas passar, você tem que passar em uma posição que garanta que você tenha uma bolsa e uma vez que você adquire essa bolsa é necessário assinar um contrato de dedicação exclusiva, isso significa que a dedicação ao mestrado deve ser integral e por isso não é possível exercer nenhuma outra atividade remunerada.
Junto com a pressão do processo seletivo vem a pressão de familiares e amigos: “você não vai começar a trabalhar? O dinheiro é muito pouco. Vai mamar nas tetas do governo? Que vida boa hein, ser paga para estudar. Nossa, mas você estudou tanto para ganhar tão pouco? O filho de fulano estudou em uma faculdade menos conceituada e já ganha 4 mil por mês”.
Mas era meu sonho e valia a pena – não valia? Assim, segui em frente. Consegui uma bolsa e segui acreditando no meu sonho.
Uma realidade da vida acadêmica é que quanto mais você estuda, mais ignorante você se sente. O fluxo de informações é gigantesco, todo dia uma publicação nova, todo dia um assunto que você não domina. O sentimento é de que você não deveria estar ali - e em mim esse sentimento era ainda maior do que o normal, porque na faculdade eu já sentia que não pertencia ao ambiente acadêmico, apesar de amar a ciência.
Entrei na pós graduação e o sentimento de não pertencimento atingiu o seu ápice, eu sentia que nunca conseguiria absorver tanto conhecimento. Sentia que talvez ali não fosse o meu lugar, mas como eu já tinha chegado tão longe, não dava mais para voltar atrás. Ergui a cabeça e dei meu melhor.
No final de 2017 eu estava dentro do cronograma, as coisas estavam andando relativamente bem. Eu sou bem perfeccionista e sempre fiz pré-experimentos antes de fazer o experimento em si. Já havia feito uma simulação dos meus testes finais e tudo parecia estar ok, tentava não ficar muito animada para não me decepcionar, mas estava bem confiante.
Os atrasos começaram por falta de reagentes para a realização do meu experimento principal e em novembro de 2017 – às vésperas de realizar meu experimento final - houve um problema na estufa onde eu estocava minhas culturas e elas ficaram em uma temperatura bem acima da ideal. Eu fiz de tudo para recuperá-las, mas no fundo da minha cabeça ficava martelando que já era para eu ter terminado, se apenas eu tivesse tido acesso aos reagentes antes…
Desconforto
Quando as coisas começaram a não sair como planejado, o desespero bateu na porta. Eu havia batido o pé que queria seguir a vida acadêmica e agora meu sonho estava indo pelo ralo, o que as pessoas diriam? Se quando estava tudo bem eu já tinha que justificar todas as minhas escolhas, imagina se tudo desse errado? Eu tinha medo de fracassar e na pós-graduação esse medo só aumentava, afinal, será que perdi tanto tempo estudando e no final não terei nada para mostrar?
Uma vez tentei desabafar com um familiar sobre esse medo de falhar e o que eu ouvi foi: “se você realmente se esforçasse as coisas dariam certo”. Só que esse é o problema né? Meus resultados não eram o que eu esperava, mas assim é a vida de um cientista né? Hipóteses devem ser testadas, resultados são resultados, positivos ou negativos, mas quem não é da área acha que um resultado negativo é sinal de falta de esforço. Como me justificar para quem pensa assim? As noites passadas no laboratório, as horas de estudo, a minha dedicação, o meu perfeccionismo... nada disso era demonstração de esforço?
Por isso que o apoio entre os pares, dentro do ambiente acadêmico é tão essencial. Muitas pessoas não entendem e não estão preparadas para lidar com os problemas que nós, pós-graduandos, passamos.
Eu passei a odiar a pesquisa que tanto amava. Ir para o laboratório virou um castigo, ler outro artigo era o mundo esfregando na minha cara que eu não sabia nada. Queria terminar tudo o mais rápido possível, minha ansiedade só aumentava e os reagentes nunca chegavam.
Eu planejava defender em abril de 2018. Defendi minha dissertação no dia 05 de outubro de 2018. Durante a apresentação minha voz falhava, meu coração batia forte, não dormia direito há dias, havia perdido 8 quilos. Fui aprovada! Os membros da banca fizeram diversas perguntas, deram várias dicas para melhorar a qualidade das minha pesquisa e dos meus resultados, me parabenizaram, me disseram para seguir com a minha pesquisa no doutorado, pois meus resultados eram muito promissores – minha orientadora já havia dito isso, mas é difícil convencer alguém que estava se sentindo como eu me sentia.
Após a aprovação minha orientadora comentou com alguns membros da banca que eu estava com medo de ser reprovada, todos riram.
Hoje em dia flerto com a ideia de seguir para o doutorado – é difícil deixar um sonho de lado – mas decidi fazer uma pausa para pensar, para respirar, para me reconstruir. Nas minhas horas vagas incentivo meninas a seguirem a vida acadêmica. Queria que alguém tivesse feito isso por mim quando eu era mais nova, queria ter tido referências, queria que tivessem me mostrado que meu lugar era ali. Quem sabe assim esse sentimento de não pertencimento não teria tomado conta mim.
Nós, do Bate-papo com Netuno, já falamos em outros posts sobre as dificuldades enfrentadas por alunas da pós-graduação. Veja aqui (1 e 2).
Nota da Ilustradora: "me veio na cabeça fazer o leão representando o caminho da pós, com todos os seus desafios, agressividade, imposições, imponência.. mas que ao mesmo tempo carrega um encanto e beleza que não nos deixa abandonar de vez.. tentei mostrar essa relação de amor e ódio, o abraço simboliza o amor dela por essa fera mas também mostra os perigos dessa atração."
Olá!
Li seu relato e super me identifiquei. Estou passando por isso, esse momento de ansiedade e desesperador, e olha que estou no início do processo seletivo para mestrado. Me formei agora em julho em enfermagem e estou me candidatando a uma vaga em mestrado em pesquisas clínicas, pois seguir o ramo acadêmico sempre foi meu sonho. Também não tive muito incentivo, e isso acaba me desmotivando um pouco, mas seguimos em frente...
Durante a graduação, fiz algumas iniciações científicas e foi aí que percebi que o ambiente acadêmico é muito cruel e hostil. Na minha última iniciação científica, membros da banca fizeram questão de me humilhar e me senti um lixo e deslocado, mas, fui resiliente ao bastante em…