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Mulheres da academia: uni-vos!

Atualizado: 7 de ago. de 2021


A academia é historicamente composta por homens, brancos, de meia idade, héteros que estabelecem regras de entrada e permanência considerando seus próprios interesses. Então, não é surpresa que qualquer pessoa com perfil diferente deste encontre dificuldades que podem levar ao abandono do meio acadêmico.


Nesse contexto são inúmeros os fatores que fazem as mulheres desistirem da carreira acadêmica: balanço entre vida pessoal x profissional (maternidade, cuidado dos pais, avós ou outros familiares, terceiro turno de trabalho etc.), síndrome do impostor, favorecimento dos homens em avaliações/revisões, silêncio institucional frente a algumas situações (por exemplo, racismo, assédio moral e sexual), ausência de políticas de equidade etc.


Mas como sobreviver nesse ambiente espinhoso e tão hostil para nós, mulheres?


Esperar que o sistema se adeque? Esperar compreensão dos colegas? Se fechar em uma cápsula e tentar ignorar os arredores? Trabalhar muito (mas, muito!) mais, colocando a saúde física e mental em risco, para tentar provar seu valor?


Não! Nada disso vai acontecer ou mudar a realidade, nem em 10, nem em 100 anos.


Então, o que nos resta? Desistir da carreira acadêmica?


Também não.


Nos resta construir redes de apoio.


Quem é mãe cansa de ouvir “tenha uma boa rede de apoio”, “construa uma rede de apoio para te ajudar nos momentos mais difíceis”, “conte sempre com sua rede de apoio” etc. Assim como a rede de apoio é importante para as mães, ela também é na academia. Enquanto uma mulher sozinha pode ser facilmente ignorada em uma reunião ou ser taxada de doida/histérica por seu pedido e/ou reclamação, o mesmo não vai acontecer quando 3, 5, 10, 20 mulheres reivindicarem a mesma coisa ou cobrarem para que sejam ouvidas. Da mesma forma, a rede de apoio ajuda no sentimento de pertencimento, a desabafar, a combater a síndrome do impostor e a diminuir a sensação de isolamento.


Isso pode soar estranho, pois fomos criadas (em geral) para ver outras mulheres como rivais; quem nunca ouviu que “não existe amizade entre mulheres” ou “juntou muita mulher, fica complicado”? O natural não seria pensarmos que outras mulheres sofrem pressões similares e enfrentam os mesmo obstáculos que nós? E que, por isso, são as melhores aliadas para enfrentar e mudar esse sistema patriarcal que não nos aceita? Por que nos fazer acreditar que não podemos nos unir? Seria uma forma de garantir que o machismo estrutural não será nem questionado, quanto mais destruído?


Esse laço entre mulheres não precisa vir na forma de um juramento de amizade eterno; não precisa nem se estender para além dos muros da universidade (embora, acredite: você vai querer levar essa rede com você para todo lugar); tampouco requer se expressar como uma guerrilheira armada que vai enforcar em praça pública os homens da instituição. A conexão pode se manifestar em pequenas ações que demonstrem apoio. Alguns exemplos:

  • Quando uma colega pedir a fala em uma reunião, mas de forma “não-intencional” a palavra não for passada a ela, você pode educadamente dizer “pessoal, a Silvia está pedindo a vez na fala”;

  • Quando uma colega for interrompida você pode comunicar aos colegas que “pessoal, eu gostaria de ouvir até o fim o que a Luisa tem a nos dizer”;

  • Quando um colega tentar se apropriar da ideia da colega você pode lembrar o grupo comentando "que bom que você também apoia a ideia proposta inicialmente pela Ana";

  • Quando os colegas contarem e/ou rirem de uma piada machista ou racista, as mulheres podem puxar uma sequência de perguntas como "por que vocês acham isso engraçado?", "vocês não se sentem incomodados que em pleno 2021 tentem fazer piada sobre mulheres?";

  • O apoio também pode vir na forma de chamar para um café uma colega que anda desanimada com o trabalho ou que acabou de se juntar ao grupo;

  • Não deixar as colegas se auto sabotarem - você pode fazer isso lembrando-as de suas conquistas e de tudo que percorreram ao longo da carreira.


Os benefícios da amizade entre mulheres na carreira acadêmica foram recentemente objeto de estudo e os resultados publicados em um artigo científico. Nele, as autoras, mostraram que essa ligação mitiga os impactos da marginalização na vida acadêmica, pois estimula o crescimento pessoal e profissional. Isso porque esses relacionamentos são baseados em igualdade, mutualidade e reciprocidade, o que faz um contraponto com os valores acadêmicos tradicionais de hierarquia, performance e orientados a objetivos (= números).


Na academia, principalmente nas ciências exatas, somos em menor número tanto como estudantes de graduação e pós-graduação, quanto como professoras, chefes de departamento, diretoras e reitoras. Dessa forma, o sistema (aquele, construído pelo homem, branco, hétero e de meia idade) sempre coloca nós mulheres como exceção e, da mesma forma, coloca nossas necessidades como exceção, como algo específico demais para ser considerado para o todo. Ao nos unirmos, temos a chance de começar a mudar isso. Não é um caminho fácil, não será rápido, mas juntas teremos mais chance de sucesso.


A realidade nos mostra também que a forma como a mulher branca é silenciada e marginalizada na academia é diferente de como ocorre com mulheres pertencentes a outras camadas sociais, pois além do machismo, sexismo e misoginia, entram questões interseccionais como racismo, classismo, capacitismo, transfobia e homofobia. E estes são motivos que impulsionam ainda mais a necessidade de construir redes de apoio e luta, pois o feminismo apenas branco, hetero e cis não tem valor algum.


Finalizo aqui lembrando que o ambiente acadêmico é um reflexo da nossa sociedade. Como explicou Ruth Manus,:


“A sociedade na qual estamos inserida é machista, sim, é patriarcal, sim, e é cruel com as mulheres, sim. Vamos fazer uma pausa para pensar melhor a esse respeito” (Mulheres não são chatas, mulheres estão exaustas, 2019)



Fonte: Bate-Papo com Netuno, licença CC BY SA 4.0

 

Sugestões de leitura:


Kaeppel K, Grenier RS, Björngard-Basayne E. The F Word: The Role of Women’s Friendships in Navigating the Gendered Workplace of Academia. Human Resource Development Review. 2020;19(4):362-383. doi:10.1177/1534484320962256


Pequeno Manual Antirracista - Djamila Ribeiro - Companhia das Letras, 2019


Mulheres e caça às bruxas - Silvia Federici - Boitempo, 2019


Feminismo para os 99%, um manifesto - Cinzia Arruzza, Tithi Bhattacharya e Nancy Fraser - Boitempo, 2019


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