Por: Anônima*
Ilustração: Caia Colla
Escrevo esse texto em 15 de outubro, no Dia Internacional de Sensibilização à Perda Gestacional, Neonatal e Infantil. Eu nem sabia que essa data existe. Esse ano, ao saber, chorei.
Muitas pessoas próximas à mim nem sabem que sou mãe de um anjo.
Escondi por três meses a gestação por medo. E não era medo de perder o bebê como muitas mães relatam, era medo de perder a bolsa de pesquisa que recebia na época. E olha que eu nem sei dizer como meu supervisor iria reagir, já que eu nunca sequer contei a ele sobre a gravidez. Não sei se ele seria compassivo com a minha situação ou um babaca.
Eu tive medo. Medo baseado em relatos de amigas que foram “demitidas” ao contar para o(a) professor(a) responsável que estavam grávidas**. Medo baseado em relatos de amigas que foram coagidas a assinar termo de compromisso prometendo não engravidar durante o doutorado. Medo baseado em relatos de amigas que não conseguiram seguir a carreira acadêmica depois da gravidez. Medo baseado em relatos de amigas que não engravidam temendo não dar conta de cumprir prazos e cuidar do filho. E por causa de tantos medos, eu não curti os únicos três meses que tive meu filho em minha barriga.
Por ironia, quando estava começando a aceitar o meu destino, quando estava começando a aceitar que daria uma pausa na carreira para cuidar de mim e do meu filho - mesmo ciente que essa pausa poderia ser um parada permanente*** - fui surpreendida com um aborto espontâneo durante uma viagem para um congresso internacional. Me mantive aparentemente forte e apresentei dois trabalhos oralmente, conversei com pesquisadores de renome, socializei e fiz o meu papel de pesquisadora. Fingi estar bem, mesmo estando dilacerada por dentro.
Voltei para o Brasil acreditando ter deixado todos os medos e tristezas para trás. Mas o fantasma do medo continuou me assombrando. O prazo da minha bolsa estava expirando e eu temia não conseguir outra posição se o professor responsável pensasse que eu engravidaria de novo se soubesse que eu tinha engravidado antes. E assim, com medo de desabafar e ter meu segredo descoberto, guardei toda a dor comigo. Não deixei de ir um só dia ao instituto de pesquisa que estava vinculada e cumprir meus prazos.
E hoje, meses depois do ocorrido, já vinculada a um novo projeto, em um novo instituto, continuo com o mesmo medo me acompanhando. Durante a entrevista, tive medo de que de alguma maneira meu novo supervisor descobrisse toda essa história e não me selecionasse. Novamente, não estou dando a chance de saber se meu supervisor seria compassivo ou babaca, e guardo meus medos comigo.
Então, se você também está com medo, só queria te falar que você não está sozinha, por mais que continuamos escondidas atrás dos nossos próprios fantasmas.
*Por medo, envio esse post como anônima para as editoras do Bate-papo com Netuno.
**Aqui cabe um parênteses, hoje muitas bolsas de pesquisa de agências de fomento possuem licença maternidade, mas muitas bolsas de pesquisa são vinculadas a grandes projetos ou empresas e, nesse caso, quem decide quem fica ou não com o salário é o professor responsável pela atividade.
***Vou precisar fazer um terceiro parênteses para as jovens pesquisadoras: ficar um ou até mesmo dois anos afastados da academia gera lacunas no currículo lattes difíceis de serem sanadas que nos colocam em posições desfavoráveis em processos seletivos. Porém, alguns editais já consideram essa uma questões e tratam diferentemente as interrupções na carreira devido a maternidade.
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