Por Carla Elliff
Ilustração por Joana Ho
Ao longo das últimas semanas, o COVID-19, ou novo coronavírus, se tornou o assunto mais discutido na maior parte do mundo. Outros termos como “distanciamento social”, “pandemia” e “quarentena” também entraram no nosso palavreado do dia a dia. No entanto, não foi apenas nosso vocabulário que expandiu dentro deste cenário. Há muito para se aprender vivendo numa situação de pandemia.
Algumas das lições mais óbvias talvez sejam aquelas de empatia, solidariedade e higiene das mãos…
Mas eu gostaria de mudar o nosso foco para um tópico talvez menos óbvio: conservação ambiental. Imagens de águas cristalinas nos canais de Veneza viralizaram tanto quanto o próprio COVID-19, com pessoas admiradas com o que a ausência de humanos pode produzir. Porém, fique atento a exageros como as recentes notícias falsas sobre golfinhos e cisnes voltando a habitar essas áreas.
Outros exemplos incríveis da natureza se recuperando incluem a diminuição da poluição atmosférica na China e Itália.
E o que esses casos nos mostram? Aqui estão algumas lições que podemos aprender.
Compartilhamento de recursos
Os clichês “todos vivemos num mesmo planeta”, “este é o único lar que temos” e, o meu favorito, “não existe Planeta B” trazem a mesma ideia geral: estamos compartilhando o planeta Terra e seus recursos.
Assim como todo organismo vivo, nós geramos um impacto no nosso meio. O problema com o impacto humano é que este tende a ser menos sustentável que o da maioria das espécies. Qualquer material ou substância danosa introduzida no meio ambiente é considerada uma forma de poluição e tem um monte de coisas que nós nos acostumados a ter e usar que são grandes fontes de poluição. Nossos meios de transporte, a comida que consumimos (especialmente as ultraprocessadas e embaladas em muito plástico) e as indústrias que fornecem basicamente tudo o que precisamos são todas fontes potenciais de poluição.
Apesar de haver vários tipos de leis e regulamentações ambientais para tentar manter nossas atividades ambientalmente corretas, nós estamos claramente falhando nesse quesito. Aliás, estimativas mostram que o número de vidas salvas com essas diminuições globais de poluição atmosférica devido a outras doenças respiratórias ultrapassa o número de mortes pelo COVID-19. Dessa forma, uma posição de “business as usual” (ou seja, tudo funcionando como de costume) é inaceitável pós-COVID-19 e coisas terão que mudar substancialmente se quisermos manter o ar mais limpo na China e os canais de Veneza mais límpidos.
Durante a quarentena também tivemos a infeliz oportunidade de ver muitos exemplos de compartilhamento ruim de recursos nos supermercados locais. Prateleiras vazias de papel higiênico, álcool gel e comida compõe um retrato perfeito de como a humanidade lida com o compartilhamento de recursos naturais também.
Lição No. 1: Se nós reduzirmos e fizermos uma melhor gestão de nossos recursos, a natureza irá se recuperar e vamos todos respirar melhor. Você prefere fazer melhores escolhas agora com relação ao seu próprio uso de recursos ou quer que alguém seja obrigado a implementar restrições sérias no futuro próximo?
Importância da conservação da vida silvestre
Como descrito nessa matéria do The New York Times, estima-se que 60% das doenças infecciosas emergentes que afetam humanos sejam de origem animal (ou seja, são zoonóticas), sendo que mais de dois terços destas se originam da vida silvestre. Malária, AIDS, a peste bubônica e, agora, COVID-19 são exemplos de doenças zoonóticas.
Aliás, existe toda uma área de pesquisa dedicada ao estudo da ecologia e epidemiologia de doenças da vida silvestre. No entanto, raramente pensamos em conservação da vida silvestre como uma forma de preservar a saúde humana, não é?
O manejo de animais selvagens e o consumo de sua carne representam importantes fontes de patógenos em todo o mundo, que devem ser monitorados com cuidado. A Sociedade da Vida Silvestre (The Wildlife Society) enfatiza a importância de uma abordagem multidisciplinar quando lidando com esse problema complexo. Essa necessidade tem sido um estímulo para a One Health Initiative, um esforço colaborativo que combina todos os aspectos de cuidado com a saúde humana, animal e do meio ambiente, com a missão de melhorar a vida de todas as espécies. O aparecimento de doenças zoonóticas são uma das principais preocupações para esta iniciativa.
Lição No. 2: O objetivo da conservação da vida silvestre não é promover um ambiente bucólico livre de humanos. Profissionais dessa área se dedicam a garantir o bem-estar e continuidade de espécies selvagens, mas também são importantes agentes para promover interações saudáveis entre humanos e animais. Essas pessoas salvam vidas.
Emissões de CO2
A queda da poluição atmosférica ao redor do mundo não é apenas boa para comunidades locais, ela tem levado a uma queda global nas emissões de gás carbônico (CO2). Além das indústrias, vou apresentar outro importante contribuidor para a emissão deste gás de efeito estufa que tem sido seriamente afetado pelo COVID-19...
Uma das formas mais eficientes para um vírus chegar a mais pessoas é pegando uma carona em um dos nossos milhões de voos diários em todo o mundo. Assim, companhias aéreas sofreram um grande baque, com cancelamentos de viagens e fechamento de fronteiras. Ao passo que isso é um desastre econômico, a situação chamou a atenção para uma discussão importante: quantas viagens são excessivas?
Acredita-se que atualmente o transporte aéreo é responsável por cerca de 2% das emissões de gases do efeito estufa, principalmente o CO2. Este número pode até parecer pequeno, mas essa indústria está crescendo rapidamente e acredita-se que vá duplicar ao longo das próximas duas décadas. Além disso, o transporte aéreo é normalmente a maior fonte de CO2 quando pensamos na escala de uma pessoa. Isso significa que se você, como indivíduo, está procurando formas de diminuir seu impacto negativo no mundo, você pode começar por voar menos.
Como cientista, isso me afetou de uma maneira muito específica: todos meus eventos científicos do ano foram cancelados ou estão em alerta. Mais especificamente ainda, como uma cientista na área ambiental, sinto que agora estamos diante de uma mudança há muito necessária na forma como interagimos. Por anos, conferências como o International Coral Reef Society Symposium (simpósio da sociedade internacional de recifes de coral) têm enfrentado um dilema: nesses eventos estão milhares de cientistas, vindos de todas as partes de mundo (ou seja, altas emissões de CO2) para falar sobre soluções para recifes de coral, um ecossistema que está morrendo pela crise climática causada pela emissão de gases do efeito estufa. Este e outros simpósios têm várias estratégias para compensar emissões, mas participação virtual ainda é a exceção da regra neste mundo de conferências. Apesar de haver muitos benefícios cumulativos com a participação virtual, este é um caminho pedregoso que deve ser percorrido com cuidado para garantir que se torne acessível e inclusivo.
Lição No. 3: Algumas reuniões podem ser apenas e-mails e, mesmo aquelas que precisam ser reuniões, podem ser reuniões virtuais. Dê as boas-vindas ao século XXI no seu trabalho e, sempre que possível, faça o que precisar remotamente!
Importância da ciência
"No começo de todo filme de desastre tem um cientista sendo ignorado”. Essa foi uma das minhas placas favoritas mostradas na primeira Marcha pela Ciência lá em 2017. O movimento anticiência tem ganhado força em muitas frentes nos últimos anos e todos estamos em pior situação por causa disso.
Com cortes gigantes no orçamento e cada vez mais instabilidade, cientistas estão trabalhando em condições aquém das ideais (para dizer o mínimo) enquanto buscam responder perguntas grandes e importantes. O problema é que essas perguntas podem não parecer grandes e importantes para o público em geral e governos enquanto elas ainda estão sendo estudadas. Por exemplo, para desenvolver um novo remédio, um cientista não pode começar misturando alguns ingredientes e dando isso para pessoas doentes. As investigações começam lá atrás, pensando em nível celular (e às vezes molecular). Então, pode parecer estranho que há pessoas que passaram 20 anos estudando como uma molécula muito específica reage a diferentes substâncias, mas o resultado disso é a base para desenvolver um produto farmacêutico muito necessário.
Durante a pandemia do COVID-19 vimos pessoas recorrendo à ciência para as soluções e a ciência tem lutado para conseguir responder. Talvez se tivessem tido mais recursos investidos, as respostas seriam mais rápidas. Nesse momento, a única coisa que podemos fazer é esperar que a situação melhore antes da próxima crise.
Lição No. 4: Você não precisa gostar da ciência. A ciência não é um sistema de crenças. O propósito de pessoas buscando uma carreira nas ciências é para melhorar alguma coisa: melhorar nossos cuidados com a saúde, melhorar nossas tecnologias, melhorar nosso uso de recursos, melhorar nosso entendimento do mundo.
Essas últimas semanas têm sido desgastantes de muitas maneiras. Se não aprendermos com nossos erros, não conseguiremos melhorar.
Fique em casa, fique bem. Lave as mãos.
Tradução do post original: What COVID-19 can teach us about environmental conservation, de mesma autoria, publicado no blog da rede Young Ecosystem Services Specialists (YESS).
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