Por Aline S. Martinez
Você já ouviu falar sobre funções ecológicas dos organismos e ecossistemas marinhos? E sobre os serviços prestados para a sociedade por eles?
Ilustração: Joana Ho
Você já deve ter ouvido por aí que o fitoplâncton, os minúsculos organismos fotossintetizantes dos oceanos, é o que nos permite respirar no planeta (dê uma olhada no post “O ar que você respira”). Isso é um exemplo de serviço ecossistêmico. O funcionamento ecológico dessas microalgas, ou seja, a realização de suas atividades normais para manter-se vivas, oferece diversos benefícios para o meio ambiente e também para os seres humanos. Por meio da fotossíntese, as microalgas produzem o oxigênio do qual nós, humanos, dependemos e respiramos.
Do mesmo modo, existem outros organismos e ecossistemas marinhos que produzem diversos serviços dos quais dependemos para nossa sobrevivência.
Além do valor intrínseco da biodiversidade, os ecossistemas fazem parte do nosso capital natural, representando a base sobre o qual desenvolvemos todas as nossas atividades e retiramos todos os nossos recursos para a vida como conhecemos. Os ambientes costeiros, por exemplo, prestam serviços à sociedade que valem aproximadamente 52 trilhões de dólares por ano,. Esta estimativa é baseada nos lucros gerados por cada ecossistema ou o custo para construir algo que exerça a mesma função que um ecossistema natural, como por exemplo, o valor econômico da lagosta nos mercados de frutos do mar, os pacotes de turismo nos recifes de coral ou o custo de construção de barreiras de contenção contra tempestades na costa. A conservação da biodiversidade e saúde dos mares é a chave para manter o bom funcionamento dos ecossistemas e, consequentemente, manter a provisão destes valiosos serviços. Mas, para entender melhor o que os fazem tão valiosos para nós, vamos explicar o que são e como estes serviços nos beneficiam.
Os serviços ecossistêmicos são geralmente divididos em quatro categorias principais, sendo estes serviços de suporte, cultura, provisão ou bens produzidos, e regulação. Os serviços de suporte estão relacionados principalmente aos organismos formadores de habitat, conhecidos como espécies fundadoras. Dentre estes, destacam-se os corais , macroalgas, mexilhões e marismas. A estrutura física destes organismos fornece moradia para diversas espécies, refúgio contra predadores e proteção climática. Além disto, o habitat fornecido por estes organismos serve como área de alimentação e berçário para muitas espécies, incluindo algumas de interesse econômico, como lagostas, que vivem em ambientes recifais de águas rasas, e peixes, que vivem em mangues e gramíneas marinhas.
Os serviços culturais referem-se a benefícios não materiais dos ecossistemas obtidos pelo ser humano através de, desenvolvimento cognitivo, vivências aestéticas, recreacionais e enriquecimento “espiritual”. Isto inclui o prazer obtido ao descansar na praia ao som das ondas, a admiração e alegria decorrente da observação dos animais se movimentando em meio aos corais ou mesmo o conforto espiritual em atividades de oferenda e reza associados aos deuses ou guias espirituais do mar (como por exemplo, a Iemanjá).
Já os serviços de provisão, ou os bens, incluem tudo o que podemos extrair dos oceanos, como por exemplo, o pescado que comemos, recursos energéticos e minerais, extratos de algas e esponjas para produção de remédios, e até mesmo a areia das praias para uso em construções civis.
Os serviços de regulação, por sua vez, incluem todas as funções ou atividades que os seres marinhos executam, regulando processos físicos e químicos do ecossistema. Por exemplo, as plantas dos manguezais e as marismas estocam grandes quantidades de carbono em seus tecidos e nos sedimentos que ficam aprisionados entre suas raízes. Esse é um papel extremamente importante na regulação climática da Terra. Sem o armazenamento de carbono nos solos oceânicos, o efeito estufa na Terra aumentaria muito, intensificando o aquecimento global. Além de armazenar carbono, esses ecossistemas são importantes para a proteção costeira, pois mangues e marismas tem a capacidade de amortecer a energia das ondas que chegam na costa, funcionando como quebra-mares naturais.
Outros organismos que também têm a capacidade de fornecer esse serviço ecossistêmico de proteção à linha de costa e regulação de erosão são os recifes de coral. As ostras e mexilhões, além da proteção da costa, ao se aderir firmemente ao substrato formando uma estrutura natural rígida, são também fontes de alimento humano, formadores de habitat e exercem um importante papel de purificação da água. Como eles se alimentam filtrando partículas que estão na coluna d’água, acabam removendo impurezas da água. Através da filtração, estes organismos contribuem para uma boa qualidade de água, evitando a eutrofização e proporcionando praias limpas para que possamos desfrutar. Como é possível perceber, o mesmo ecossistema ou grupo de organismos pode fornecer vários serviços diferentes ao mesmo tempo!
O trabalho que venho desenvolvendo busca entender como estressores antrópicos (ou seja, alterações físicas, químicas ou biológicas do meio ambiente causadas por atividades humanas) estão alterando o funcionamento dos ecossistemas. Temos uma boa noção da importância desses sistemas para o nosso benefício, porém ainda não sabemos quais as consequências de tantas mudanças que vêm ocorrendo associadas ao rápido crescimento de cidades costeiras.
Recentemente, descobrimos que a filtração por mexilhões é afetada pela contaminação de metais, indicando que estes organismos estão estressados, porém ainda mantendo suas funções biológicas. O aumento dessa contaminação foi diretamente relacionado com o aumento de áreas urbanizadas na costa, o que indica que a expansão das cidades costeiras irá aumentar a quantidade de poluição no litoral. O que não sabemos ainda é o limiar de contaminação que os mexilhões suportam. Assim, meu trabalho busca entender melhor como estamos afetando os sistemas costeiros para buscarmos soluções que evitem o colapso de ecossistemas. Esta seria uma perda irreparável para o ser humano.
Bom, espero ter esclarecido aqui a relação entre o funcionamento ecológico e os serviços fornecidos pelos ecossistemas, o que nos mostra a importância de cuidarmos bem do meio ambiente. Os exemplos que descrevi acima são apenas alguns dos muitos bens e serviços que a natureza nos proporciona. Infelizmente não estamos cuidando da saúde dos ecossistemas marinhos e já temos indícios de que nossas ações causam danos a esses ecossistemas.
Se não manejarmos nossas ações de forma sustentável, corremos o risco de não usufruir dos muitos benefícios que o mar nos dá com tanta generosidade. É importante repensarmos as nossas atitudes quanto ao meio ambiente e as nossas escolhas de consumo para que possamos buscar o equilíbrio entre natureza e sociedade.
Agora que você já sabe mais sobre alguns dos benefícios que obtemos a partir de ecossistemas saudáveis e equilibrados, tenho certeza que verá o mar com outros olhos na próxima visita à praia! Aproveite e espalhe estas ideias por aí... os nossos oceanos agradecem.
Referências:
Barbier, E.B., 2017. Marine ecosystem services. Current Biology 27, R507-R510.
Austen, M., Hattam, C., Borger, T., 2015. Ecosystem services and benefits from marine ecosystems, in: Crowe, T.P., Frid, C.L.J. (Eds.), Marine Ecosystems: Human Impacts on Biodiversity, Functioning and Services. Cambridge University Press, United Kingdom, pp. 21-41.
Costanza, R., de Groot, R., Sutton, P., van der Ploeg, S., Anderson, S.J., Kubiszewski, I., Farber, S., Turner, R.K., 2014. Changes in the global value of ecosystem services. Global Environmental Change 26, 152-158.
Martinez, A.S., Mayer-Pinto, M., Christofoletti, R.A., 2019. Functional responses of filter feeders increase with elevated metal contamination: Are these good or bad signs of environmental health? Marine Pollution Bulletin 149, 110571.
Ostroumov, S., 2005. Suspension-feeders as factors influencing water quality in aquatic ecosystems, in: Dame, R.F., Olenin, S. (Eds.), Comparative Roles of Suspension-Feeders in Ecosystems, pp. 147-164.
Sobre a autora:
Sou oceanógrafa formada pela Universidade Federal de Rio Grande (FURG) e doutora em ecologia pela Universidade de Sydney (USYD). Nascida em Minas, o mar foi amor à primeira vista. Desde pequena sou apaixonada pela natureza e me encantei pelos mistérios do fundo do mar. Trabalho na área de ecologia bentônica, onde investigo o efeito de atividades humanas na estrutura e funcionamento de comunidades bentônicas em ecossistemas costeiros. Ao longo de minha carreira atuei em projetos de manejo, educação e conservação ambiental, e trabalhos de consultoria ambiental, além de desenvolver a linha de pesquisa já mencionada. Através do meu trabalho científico, almejo buscar soluções para que possamos viver em harmonia com a natureza. Mas, o mar não é somente meu objeto de estudo. Tenho uma conexão muito forte com ele. Nos meus momentos de lazer, adoro mergulhar, surfar e fotografar a vida marinha.
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