Por Jana del Favero
Ilustração: Joana Ho
Com o corte de verba anunciado pela CAPES no último dia 3, muitos pesquisadores brasileiros começaram a usar as redes sociais para contar para a sociedade o que pesquisam utilizando as hashtags #MinhaPesquisaCapes e #ExistePesquisaNoBr. Nós mesmas, aqui do Bate-papo com Netuno, fizemos um levantamento de editoras e convidadas que tiveram bolsa CAPES em algum momento de sua carreira, e em menos de de duas horas já tínhamos mais de 20 pesquisas descritas.
Mas que culpa temos nós, pesquisadores, nesse corte do governo? Por que esperamos o anúncio de uma medida tão drástica, para só então começar a falar com a sociedade e divulgar a importância das nossas pesquisas? Por que esperamos que ideias absurdas, como o movimento anti-vacina, o conceito de terraplana, entre outros, comecem a pipocar para que a ciência venha a público? Falar com a sociedade não deveria ser algo rotineiro dos cientistas? Por que não falamos?
O primeiro motivo que me vem na mente seria a persistente falta de tempo, que caminha lado a lado com a falta de incentivo (e/ou falta de reconhecimento). Nós, cientistas brasileiros, além de realizarmos nossa pesquisa, conciliamos: 1. Dar aula (para graduação e pós graduação; 2. Orientar (iniciação científica, mestrado e doutorado); 3. Propor e gerenciar projetos de pesquisa, ensino e extensão; 4. Comprar equipamento e demais materiais para pesquisa e ensino (isso inclui conseguir financiamento, fazer orçamentos, pechinchar preços e realizar a compra em si); 5. Organizar escala de trabalho em laboratório e de trabalhos de campo; 6. Participar de inúmeras reuniões e comitês (departamento, colegiado de curso, pós graduação, etc); 7. Participar de bancas de avaliação (concurso, TCCs, pós graduação). A falta de incentivo está no fato de que as agências de fomento, as avaliações para ascensão de carreira e os concursos para a seleção de professor em universidades públicas não consideram (ou dão um peso muito baixo) se você divulgou sua pesquisa ou se você tem alguma atividade de extensão. Para pontuar, o mais importante é o número de artigos publicados em revista científica, e essas revistas quase nunca alcançam o público geral (não estou falando que artigos revistos por pares não são importantes, mas não deveriam ser a única métrica).
Então os cientistas não falam por falta de incentivo, a população não valoriza porque não sabe como a ciência pode afetar sua vida, o governo não incentiva porque os cientistas não falam e a população não cobra, e assim entramos em um ciclo vicioso difícil de ser quebrado. Vale lembrar que a maior parte das pesquisas no Brasil vem de dentro das universidades, e são realizadas por pesquisadores, em sua maioria mestrandos, doutorandos e pós-doutorandos que são pagos por agências de fomento à pesquisa, como a CAPES. Sem a comunicação, a sociedade jamais conseguirá enxergar que não existe um remédio, um peixe no mercado ou um meio de locomoção sem pesquisa!
Um exemplo dessa desconexão entre ciência e sociedade foi a manchete divulgada por um jornal que anunciava que a CAPES não teria verba para pagar os auxílios aos pesquisadores a partir de agosto de 2019, mas gostaria de deixar claro que a CAPES não paga auxílio aos pesquisadores, e sim bolsas de dedicação exclusiva que são a única forma de sustento para a maioria desses pesquisadores. Essa remuneração pelo trabalho de pesquisa é assim chamada porque sobre ela não incidem encargos, como impostos, mas também não traz benefícios como férias, 13° salário, fundo de garantia e seguro desemprego. Em muitos casos, o bolsista não pode nem realizar outra atividade remunerada durante o tempo de recebimento da bolsa. Assim, as bolsas são na verdade "salários" e única fonte de renda da qual a maioria desses pesquisadores depende para viver.
Quem não trabalha melhor quando está bem remunerado? Quando não precisa se preocupar se sua bolsa vai ser cortada ou não? Quando não precisa, frequentemente, pedir extensões de prazo ou submeter novos projetos?
Então deixo aqui um desafio para todos os colegas pesquisadores: falem! Não deixem as hashtags #MinhaPesquisaCapes #ExistePesquisaNoBrasil serem algo provisório. E também desafio os não cientistas: apontem algo em sua vida que não foi criado pela ciência ou que não dependa dela. Valorizem tudo que vocês tiverem ao seu redor, pois desse jeito você estará valorizando a ciência!
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