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Pesquisa no Ártico em tempos de Coronavírus

Atualizado: 9 de jul. de 2021

Tradução: Lídia Paes Leme

Ilustração: Catarina R. Mello


Não há como negar que 2020 foi um ano maluco para todos e todas nós. Meu ano começou com um novo trabalho, uma bolsa de pós-doutorado na Escola Superior de Oceanografia da Universidade de Rhode Island. Entrei para pesquisar a dieta de copépodes no Ártico central, como parte de uma expedição de um ano chamada MOSAiC (Multi-disciplinary drifting Observatory for the Study of Arctic Climate). No mestrado eu usei técnicas moleculares para explorar as comunidades bacterianas associadas a copépodes em águas subtropicais, e agora eu tive a oportunidade de aplicar esses conhecimentos a diferentes populações de animais, buscando estudar interações na cadeia alimentar.


Quando eu comecei esta jornada, não tinha como saber que eu acabaria passando o verão da pandemia do coronavírus no que, estranhamente, seria um dos lugares mais seguros do planeta: o Ártico. Para nos qualificarmos para a expedição, tivemos que passar por rígidos testes físicos e de saúde, para que houvesse certeza de que estávamos aptos para o isolamento físico e emocional que enfrentaríamos ao passar meses no Pólo Norte. Antes que nos fosse permitido ir ao gelo, treinamos salvatagem - como nos resgatar caso caíssemos na água gélida, aprendemos como identificar e tratar queimaduras por frio e hipotermia e até tivemos uma aula sobre o comportamento de ursos polares e o que fazer caso nos confrontássemos com um deles. Qualquer pessoa que fosse ao gelo precisava levar consigo um kit contendo um sinalizador (primeira linha de defesa) e um rifle (caso as coisas fiquem realmente feias), seja você um voluntário treinado do time de cientistas ou do time de logística. Cada grupo também carrega consigo ao menos dois rádios para se comunicar com o navio e duas cordas, caso alguém precise ser resgatado da água. Cada cientista recebeu um uniforme vermelho especial, feito para manter o calor em temperaturas muito baixas e também certa flutuabilidade, um apito e picadores de gelo para carregar no pescoço (estes últimos são usados para cavar o gelo e salvar alguém que por acaso caia na água).

Cientista marinha sorri para a câmera usando um macacão vermelho, botas plásticas amarelas e picadores de gelo no pescoço. Ela está em pé no gelo do Oceano Atlântico Norte com equipamento de retirada de gelo ao seu redor e um navio de pesquisa ao fundo.

Eu usando meu uniforme e equipamento de segurança no gelo. Crédito: Jessie Gardner (licença CC by 4.0)


Com todas essas precauções, o perigo maior em nossas mentes em março e abril foi a novidade do coronavírus, SARS-CoV-2. A pandemia crescente atrasou a troca de equipe por mais de um mês e o time de cientistas inteiro, junto à equipe do navio, foram obrigados a ficar em quarentena em um hotel em Bremerhaven, Alemanha, por duas semanas antes de embarcarem nos navios que nos levariam ao encontro do Navio de Pesquisa Polarstern. Depois de voar dos Estados Unidos até a Alemanha, nós cientistas fomos levados a um hotel de ônibus, onde fizemos check-in, dissemos tchau aos que viajaram conosco (conheci a maioria pela primeira vez no avião) e nos acomodamos em quartos individuais. Por 10 dias fiquei só no meu quarto e a única vez que minha porta se abria era para receber refeições deixadas três vezes por dia. O grupo de cientistas era unido, felizmente, por WhatsApp, onde trocávamos fotos do pôr do sol, avaliação de refeições e updates dos nossos próximos e temidos testes nasais para o PCR(ou amostras cerebrais, como quase acreditávamos). Nada põe um grupo isolado tão próximo quanto a antecipação de uma sondagem profunda da cavidade nasal.

Três mulheres participantes da expedição são vistas olhando para fora das janelas do hotel, cada uma em seu quarto, com a vista para barcos do canal.

Participantes do cruzeiro se encontram pelas janelas do hotel durante a quarentena. Crédito da foto: Lianna Nixon (licença CC BY 4.0)


Ao todo, fiz 4 swabs nasais profundos para o teste da Covid-19 antes do cruzeiro (e mais um no final, antes de poder voar para casa). Quando os testes deram negativo para todos os hospedados no hotel, finalmente pudemos nos misturar. Isso significou que poderíamos jantar juntos, circular ao ar livre pelo hotel e participar de nossas reuniões de segurança. Embora ainda confinada à propriedade do hotel, esta semana passou muito mais rápido do que o tempo isolado. Foi a primeira oportunidade que muitos de nós tivemos de nos encontrarmos e falarmos sobre a ciência que fazemos e o que planejamos fazer no campo. Havia cerca de 60 cientistas, profissionais da mídia e membros da equipe de logística neste hotel, e essas seriam as pessoas com quem eu moraria e trabalharia pelos próximos 3 meses.


A sigla MOSAiC (tradução livre: observatório flutuante multidisciplinar para o estudo do clima no Ártico) realmente descreve as pessoas tanto quanto a ciência. Tivemos uma bela mistura de cientistas de todo o mundo envolvidos, estudando todo o ambiente do Ártico em seus respectivos campos. Havia físicos de gelo marinho, químicos atmosféricos, oceanógrafos físicos, biólogos e biogeoquímicos estudando tudo, desde nutrientes e aerossóis a plâncton e peixes, até as propriedades físicas que impulsionam a circulação do oceano e a formação e derretimento do gelo. Quando finalmente estávamos prontos para embarcar no navio, todos tínhamos feito novos amigos e ficamos ainda mais animados com nossa própria ciência.

Duas duplas de cientistas marinhos se abraçam sorrindo enquanto estão rodeados por outros cientistas. As pessoas vestem jaquetas e mochilas e, ao fundo, estão as prateleiras com equipamentos de proteção.

Abraços para todo lado! Uma visão rara em 2020, quando finalmente a bordo do navio, os cientistas puderam se abraçar, como velhos e novos amigos. Por 3 meses, fomos os poucos afortunados que viveram sem máscaras, distanciamento social ou medo de um inimigo viral. Crédito da foto: Lianna Nixon (licença CC BY 4.0)


Por causa da pandemia em andamento, nossos planos de como chegar ao Polarstern tiveram que ser adaptados várias vezes. O plano original era congelar intencionalmente o navio de pesquisa no gelo, à deriva com um bloco de gelo (uma camada sólida de gelo flutuante) pela bacia do Ártico por um ano inteiro. Minha parte da viagem (4ª pernada de 5 no total) deveria se encontrar em uma pequena ilha a meio caminho entre a Noruega e o Pólo Norte, chamada Svalbard. A partir daí, deveríamos voar para o manto de gelo no início de abril, quando o gelo seria espesso o suficiente para suportar um avião. Devido ao fechamento das fronteiras, não pudemos entrar em Svalbard, então um novo plano foi feito, para que um navio “ice-class” de pesquisa sueco nos levasse ao Polarstern. Infelizmente, o novo coronavírus também estragou esse plano. Embora o Polarstern seja o principal navio quebra-gelo de pesquisa alemão, eles também possuem navios de pesquisa menores mas que não são capazes de quebrar o gelo espesso. A solução final foi dividir os cientistas e a tripulação em dois navios para viajarem juntos até um fiorde em Svalbard e aguardar a chegada do Polarstern. Libertar-se do gelo em que estava congelado nos últimos 7 meses demorou mais do que o esperado, e meu grupo de cientistas esperou mais de uma semana a bordo do Maria S. Merian.

Fotografia de uma paisagem ártica. Um céu azul com muitas nuvens brancas ocupa cerca de dois terços do quadro. Na parte inferior, à esquerda está o navio de pesquisa Maria S. Merian e à direita o navio de pesquisa Sonne. No fundo, há montanhas cobertas de neve.

Os navios de pesquisa alemães Maria S. Merian (à esquerda) e Sonne (à direita) estão prontos para entrega de pessoal e suprimentos em um fiorde em Svalbard.

Crédito da foto: Katyanne Shoemaker ( licença CC BY 4.0)


A paisagem ao nosso redor era de tirar o fôlego. Estávamos cercados por montanhas cobertas de neve e baleias fin, minke e jubarte, que ocasionalmente apareciam ao nosso redor. Havíamos entrado no círculo ártico e, como era verão, tínhamos 24 horas de luz do dia. As condições de vida eram interessantes: já que o navio não era projetado para tantas pessoas, trouxeram contêineres adaptados com beliches e banheiros. Apesar dos aposentos apertados, todos estavam alegres. A “vida no contêiner”, como a chamávamos, nos aproximou mais nas áreas comuns. As apresentações científicas eram tranquilas e a única competição era de ver quem se divertia mais com elas. Alguns de nós davam aulas de ioga e aeróbica para manter a forma pela manhã (minha primeira vez sendo instrutora de Zumba e ioga!), brincávamos de jogos, assistíamos filmes e fazíamos festa à noite. Ao contrário do resto do mundo, pudemos nos abraçar e conversar livremente, sem máscaras ou 1,5 metros de distância. Tínhamos feito tanto para chegar até aqui e, na manhã de 4 de junho, chegou o Polarstern! Trocamos carga e pessoal nos dias seguintes e, finalmente, estávamos prontos para começar nossa pesquisa!


Fique ligado no meu próximo post, no qual falarei sobre a ciência que fiz no gelo durante o verão ártico!


Fotografia de dois navios lado a lado no Ártico. Dois grandes contêineres azuis e vários barris laranja são vistos na embarcação à direita, com uma única pessoa ao fundo. Uma grande bóia com pneus protege os navios da colisão um com o outro. Ao longe, a água parece calma e há morros marrons.

Dois grandes navios de pesquisa param lado a lado para trocar pessoas e suprimentos. O Polarstern havia sido reabastecido 4 meses antes no manto de gelo do Ártico durante a noite polar. Foto: Katyanne Shoemaker, licença CC BY SA 4.0



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