Por Ítalo B. Castro e Paula C. Jimenez
Originalmente publicado em: https://unifesp.medium.com/pl%C3%A1sticos-biodegrad%C3%A1veis-fake-a-natureza-n%C3%A3o-agradece-7813275948d2
Nas últimas décadas, a quantidade de detritos plásticos em ambientes naturais tem aumentado de forma drástica, gerando impactos significativos sobre os ecossistemas costeiros, marinhos e terrestres. Paralelamente, os avanços científicos recentes atestam que a produção, uso e descarte de utensílios plásticos representam ameaças maciças ao bem-estar humano e ambiental, praticamente na mesma proporção das mudanças climáticas. De fato, o problema do plástico tem despertado a preocupação tanto de agências ambientais (nacionais e internacionais) como de gestores públicos que, visando amortizar o problema, vêm adotando medidas regulatórias. Embora ações para reduzir o problema ambiental dos plásticos sejam bem-vindas, muitas decisões recentes têm sido tomadas sem a necessária ponderação de especialistas sobre o tema.
No último 07 de junho, a página da Secretaria de Educação do Estado de São Paulo (SEDUC-SP) divulgou matéria informando que, a partir do segundo semestre, as escolas estaduais irão substituir os copos de plástico comum por outros de material biodegradável. A matéria, intitulada “Governo de SP vai extinguir o uso de copos e material plástico nas escolas estaduais”, ainda menciona que os utensílios substitutos serão confeccionados em polipropileno biodegradável e que a fabricação do produto é feita de acordo com supostas resoluções vigentes da ANVISA.
À primeira vista, esta pode parecer uma medida nobre e acertada, porém existem dois aspectos importantes a serem analisados na matéria: primeiro, polipropileno biodegradável não existe, e, segundo a ANVISA, regula apenas aspectos ligados à saúde pública (nesse caso, quanto à composição e utilização destes materiais), não sendo de sua competência a avaliação de critérios ecológicos desta vereda, como a biodegradabilidade dos materiais.
Embora a matéria não forneça maiores detalhes, as informações veiculadas levam a crer que os novos utensílios a serem usados nas escolas serão feitos de plásticos oxo-biodegradáveis que, apesar da nomenclatura, não sofrem degradação em ambientes naturais e ainda podem acelerar a formação de microplásticos. Esses materiais já foram proibidos em vários países do mundo, inclusive na União Europeia devido aos riscos ambientais e a seu enquadramento como prática de greenwashing (termo em inglês que indica falsas alegações ambientais em produtos comerciais). Nesse aspecto, a Fundação Ellen MacArthur publicou uma declaração pedindo a proibição mundial de plásticos oxo-degradáveis e já recebeu a adesão de 150 organizações, incluindo European Bioplastics, M&S, PepsiCo, Unilever, Veolia, British Plastics Federation, Gulf Petrochemicals, WWF e dez membros do parlamento Europeu. Portanto, a substituição propagandeada pela secretaria de educação é, potencialmente, mais lesiva para a natureza do que os plásticos convencionais atualmente utilizados.
No Brasil, não é crime produzir, comercializar e utilizar utensílios feitos com materiais oxo-biodegradáveis, os quais podem ser facilmente encontrados nas gôndolas da maioria dos supermercados, vendidos sob falsas alegações de biodegradabilidade. Por outro lado, quando um produto reconhecidamente prejudicial para o meio ambiente passa a ser adotado como alternativa sustentável por intuições públicas, sobremaneira em escolas estaduais, é importante que explicações sejam requisitadas. Cabe ainda enfatizar que o Brasil é o quarto maior gerador de resíduos plásticos do mundo, sendo essencial que políticas públicas cientificamente orientadas sejam implementadas. Mais além, a leniência com que temos encarado essas questões pode levar consumidores conscientes a abandonar práticas ambientalmente amigáveis reduzindo sua disponibilidade em consumir produtos que sejam realmente biodegradáveis.
Na maioria das nações desenvolvidas do mundo, substituições como a proposta pela Secretaria de Educação do Estado de São Paulo, optou-se pelo uso de utensílios descartáveis que sejam, de fato, biodegradáveis como aqueles feitos de papel, papelão ou madeira. Alternativamente, e ainda mais desejável, seria empregar o recurso disponibilizado e adotar materiais reutilizáveis que reduzem substancialmente a geração de resíduos e, simultaneamente, ajudam a educar as crianças com relação às responsabilidades com seu próprio lixo. De todo modo, para avaliar se esta é uma medida ecologicamente sã, é essencial que o Governo do Estado indique publicamente qual é o tipo de material que será utilizado na referida troca, demonstrando, assim, que a entidade construiu um repertório técnico robusto neste assunto para apoiar, com propriedade e responsabilidade, a hashtag #CombataAPoluiçãoPlástica.
Sobre os autores:
Ítalo B. Castro: Pesquisador do Instituto do Mar da Universidade Federal de São Paulo (IMAR/Unifesp), é formado em Ciências Biológicas pela Universidade Federal do Ceará (UFC). Fez mestrado em Ciências Marinhas pelo Instituto de Ciências do Mar (LABOMAR/UFC) e doutorado em Oceanografia pela Universidade Federal do Rio Grande (FURG). É membro efetivo do Society of Environmental Toxicology and Chemistry (SETAC-BRASIL), pesquisador colaborador das instituições onde cursou mestrado e doutorado e Professor Adjunto da (UNIFESP). Dedicou sua carreira acadêmica à pesquisa dos níveis ambientais e efeitos biológicos de produtos químicos e resíduos perigosos. Atualmente, tem se dedicado ao desenvolvimento e otimização de modelos biológicos para avaliação de impactos ambientais em áreas costeiras e marinhas.
Paula C. Jimenez: Pesquisadora do Instituto do Mar da Universidade Federal de São Paulo (IMAR/Unifesp), graduou-se em Biologia pela UFC, fez mestrado e doutorado em Farmacologia e pós-doutorado pela UFC. Atualmente é Docente da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP) e revisora de periódico da Brazilian Journal of Medical and Biological Research (Impresso), da Vitae (Medellín), da Brazilian Journal of Pharmacognosy, da Scientific Reports, da Current Biotechnology, da Anticancer Agents in Medicinal Chemistry e da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho. Além disso, é revisora de projetos de fomento da Fundação de Amparo à Ciência e Tecnologia do Estado de Pernambuco e do Fondo Nacional de Desarrollo Científico y Tecnológico. Sua principal linha de pesquisa é em farmacologia com ênfase em produtos naturais marinhos, citotoxicidade, ascídias e Eudistoma vannamei.
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