Por Raquel Lubambo Ostrovski
Você tem medo de tubarões? A maioria das pessoas responde “Sim”. Mas então eu pergunto: “Você já viu um tubarão de perto?” A maioria das pessoas responde “Não”. Mas como ter medo de algo que você nunca presenciou? Continue lendo que eu vou te explicar.
Atualmente, temos passado muitas horas do nosso dia em contato com as mídias, sejam elas os tradicionais programas de televisão ou também o Facebook, o Instagram, e até mesmo lendo esse texto on-line. A informação chega até nós rapidamente e o tempo todo. Mas será que tudo o que é compartilhado pela mídia pode ser considerado representativo da realidade? Ou será que algumas das coisas que lemos e vemos são romantizadas e dramatizadas, constituindo um tipo de “marketing” voltado apenas para o entretenimento?
É isso que acontece com muita informação envolvendo animais selvagens, principalmente aqueles que têm “cara de mau”. Como a natureza não “fala por si”, cabe a nós cientistas mostrarmos como ela realmente é, porque o papel de cada ser vivo é muitas vezes é distorcido pela falta de informação.
Tubarão Branco (Carcharodon carcharias) nadando tranquilamente em seu habitat natural.
(Fonte: foto por Flickr, link)
Desde criança sou apaixonada por tubarões, e consequentemente ouvia muito: “nossa, não poderia escolher um animal com menos dentes?”. Ouvia também “você ainda vai perder uma perna”, entre outros comentários negativos. Sempre assisti filmes, documentários e notícias sobre esses animais, e notava que a maioria passava uma imagem bem negativa desses peixes cartilaginosos, como se eles fossem algum tipo de “máquina mortífera”. Nunca liguei muito para isso, pois sempre reconheci a importância dos tubarões para os ecossistemas marinhos. Como predadores no topo da cadeia alimentar, os tubarões acabam sendo responsáveis por manter os ecossistemas saudáveis. Por exemplo, entre caçar um peixe saudável e forte ou caçar um que esteja doente e fraco, adivinha qual é a presa preferida? Acertou quem disse o doente e fraco! Dessa forma, os tubarões economizam energia na caçada e ao mesmo tempo evitam a proliferação de doenças entre os organismos. Além disso, os tubarões também fazem um controle populacional dos peixes; imagine o que aconteceria se eles sumissem!
E foi isso que me instigou a pesquisar mais sobre como a mídia pode influenciar a percepção das pessoas, neste caso, os tubarões.
Há décadas muitos pesquisadores vêm estudando a influência da mídia sobre nossa mente, e já é sabido como ela pode nos manipular. Os documentários de tubarões, narrativas com foco nos ataques a outros animais, com músicas de filmes de terror ao fundo, ou notícias de ataques a humanos, dando detalhes do “estrago” feito pelo tubarão, gera muita repercussão e contribuem para criar um imaginário popular do animal como uma máquina mortífera, extremamente violenta e que caça seres humanos. Você provavelmente já viu o filme “Tubarão” de Steven Spielberg e treme só de pensar na música-tema.
Uma pesquisa recente mostrou que antes do filme, ninguém nem imaginava que esse animal atacava humanos; entretanto, depois do filme, o medo foi tão concretizado na mente das pessoas, que elas começaram a sair para caçar todos os tubarões que pudessem. Isso acabou causando uma diminuição nas populações desses animais em grande parte dos ambientes marinhos, deixando muitas espécies em algum grau de ameaça de extinção. Por outro lado, comunidades tradicionais litorâneas, que mantinham um convívio diário e saudável com os mesmos, não tinham nenhum medo.
Capa do famoso filme “Tubarão” de Steven Spielberg, em 1975. (Fonte: foto por Flickr, link)
Assim, meu trabalho teve o objetivo de mostrar como as mídias podem influenciar a percepção das pessoas sobre os tubarões, e se isso pode ter impactos na sua conservação. Utilizando um questionário on-line, entrevistei cerca de 350 pessoas de diversas idades, níveis de escolaridade, localizações na cidade do Rio de Janeiro e, principalmente, com as mais diversas opiniões. No questionário, perguntei quais filmes/documentários/outras mídias o entrevistado já tinha visto e, com as respostas, comparei para determinar se havia uma relação entre os fatores analisados.
A maioria das pessoas nunca viu um tubarão pessoalmente, mas gostaria de ver. E quase todos, apesar de terem medo do animal, também têm uma boa noção de como é necessário preservá-los. Além disso, depois de algumas análises estatísticas, foi constatado que quanto mais as pessoas assistem mídias com conteúdo mais positivo, ou seja, que passam imagens do animal em seu ambiente natural, e não apenas como máquina mortífera, menos medo elas sentem. Do mesmo modo, quanto mais mídias com conteúdo negativo as pessoas vêem também há menos medo. Apesar de ser um resultado confuso, ele pode ser explicado pelo fato da pessoa, que tem pouco ou não tem medo de tubarões, procurar mais mídias em que esse animal aparece pela simples diversão, curiosidade, instrução ou prazer de assistir, como eu mesma faço. Pessoas que tem muito medo costumam evitar esses tipos de mídias.
Por fim, foi pedido às pessoas para explicarem o porquê de seu medo de tubarões, e a partir das respostas foram construídas as duas imagens abaixo. As figuras mostram as palavras mais citadas nas respostas, em tamanho proporcional à sua ocorrência: a figura em vermelho foi construída reunindo as frases das pessoas com mais medo (6 a 10) e a figura em azul com as respostas das pessoas menos medo (0-5). O resultado foi surpreendente! É facilmente perceptível que no vermelho (medo maior: 6-10) as pessoas têm uma visão desse animal relacionada a um monstro matador, com a prevalência de palavras como “medo”, “predador”, “ataque” e “filme”, confirmando nossa hipótese sobre a influência da mídia na percepção sobre o animal. Já na figura azul (medo menor: 0-5) as palavras têm significado mais ameno, mostrando que as pessoas que têm menos medo não são tão influenciadas pela mídia (palavras como "ataques raros" e a ausência de palavras relacionando as mídias, como “filme”) e até reconhecem sua importância ecológica (palavras como "respeito") e sua possibilidade de extinção global (palavras como "ameaçado").
Word Cloud da escala de medo 6-10, muito medo.
Word Cloud da escala de medo 0-5, pouco medo.
Apesar dos resultados dessa pesquisa, não devemos desconsiderar o poder de ataque dos tubarões. Não significa que devemos ignorar as placas de aviso de ataques e correr para o mar, nos expondo a um risco desnecessário. Em alguns locais, devido aos desequilíbrios ecológicos e outros fatores ambientais, há sim sérios riscos de ataques de tubarões a banhistas e surfistas, como na Praia de Boa Viagem, em Recife (Pernambuco). Os resultados aqui expostos servem de alerta para olharmos as informações da mídia com cautela e visão crítica, para não acreditarmos em todas as informações que chegam a nós, porque elas podem ser exageradas ou tendenciosas.
Estudar esses animais e protegê-los de alguma forma é a minha missão neste mundo. Não devemos temer a eles, e sim compreender a sua importância para o ambiente marinho. Espero que, daqui pra frente, veja com olhar mais crítico toda a informação sobre tubarões que chegar até você, a fim de saber distinguir o que é importante sobre a realidade do animal e o que é apenas marketing negativo e entretenimento. E que você passe essa ideia adiante, para que o mundo conheça e valorize esses gigantes donos do mar. Tubarões são de extrema importância ecológica, como já mencionei no início do texto, para controle de populações e de disseminação de doenças no ambiente marinho. São passivos no geral e ativos para caça e defesa; se alimentam principalmente de peixes, lulas, raias e crustáceos. Os ataques de tubarões são eventos extremamente raros em escala mundial, calculado em aproximadamente 15 casos por ano, e todos decorrentes de regiões com alguma modificação antrópica que prejudicou a cadeia alimentar local. Já estive na presença de tubarões e inclusive já mergulhei com eles na África do Sul. Eles eram o animais tranquilos que não me fizeram mal algum. Entretanto, não é recomendável que você se aproxime, pois como são animais selvagens, são muito imprevisíveis. Isso significa que você não tem como saber se representa uma ameaça ou não, então é melhor deixá-los em paz. Sempre que estiver em um local com alertas de ataques, como em algumas praias sinalizadas com placas, apenas evite entrar na água. Você não se machuca e eles não se estressam.
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Os resultados que encontrei neste trabalho foram publicados em: https://ethnobioconservation.com/index.php/ebc/article/view/426
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Sobre a autora:
Raquel é estudante de Ciências Biológicas da PUC-Rio, que trabalha em um laboratório sobre ecologia marinha e biotecnologia pesqueira da UFRJ e atualmente estuda populações de tubarões no estado do Rio de Janeiro e os impactos da pesca sobre a teia trófica do mesmo. É apaixonada por trabalhos envolvendo Etnobiologia, porque adora interagir com as pessoas e compartilhar de seus conhecimentos, além de estar em campo e perto do mar, o melhor lugar para ela.
Instagram: @raquelubambo
E-mail para contato: raquelubambo@gmail.com
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