Por Juliana Leonel
Mulherada: levanta a mão quem nunca ouviu, falou ou viveu essa frase. Se você levantou a mão, ou você é privilegiada, ou talvez esses questionamentos não façam parte do seu cotidiano, ou talvez você more em Marte; e está tudo bem!
Eu quero ir um pouco além da frase acima. Isso porque, mais do que não ser permitido a nós mulheres a mediocridade, não é permitido que sejamos "apenas" boas no que fazemos.
Medíocre aqui não é no sentido de "pessoa pouco capaz, sem talento", mas no sentido de "qualidade média, no meio ou entre dois extremos". Engraçado como, de forma geral, tendemos a usar apenas o pior significado da palavra... engraçado ou efeito do patriarcado? Afinal, esse termo é mais usado para justificar porque mulheres têm menos conquistas e/ou atingem menos cargos de chefia/destaque, recebem menos prêmios, etc.
Como assim? - você pode estar se perguntando.
Calma, vou explicar...
Ter um desempenho medíocre não impede (nem dificulta) que homens descrevam suas atuações como excelentes, ou ainda, se abstenham de concorrer a cargos ou se candidatar a empregos quando cumprem pouco mais da metade dos pré-requisitos... A mediocridade também não abala a auto estima deles que se vangloriam de cada um de seus feitos como sendo imprescindíveis para a humanidade. Olho à minha volta (e aqui não me refiro especificamente ao meu departamento ou universidade, mas ao sistema acadêmico como um todo) e vejo dúzias de homens que dão péssimas aulas; que cobram produção e prazos absurdos de seus orientados (sem fazer o mínimo do que é esperado de um orientador) e ainda reclamam quando não tem suas expectativas atendidas. Homens que, quando estão em cargos de chefia, conduzem suas obrigações de forma bem "meia boca" (geralmente sobrecarregando secretárias e secretários). No entanto, falam e agem como se fossem os melhores e mais preocupados docentes; gabam-se de darem as melhores oportunidades aos seus estudantes (#sqn) e contam como é sofrido e desgastante serem chefes e terem que cuidar de todo o trabalho burocrático.
Agora, você mulher que, apesar de ser boa pra caramba, vai toda noite dormir achando que é uma fraude, me diz uma coisa: por que esses homens continuam existindo? Por que continuam ocupando cargos elevados, ganhando visibilidade e prestígio?
A resposta é simples: porque o sistema é dominado por outros tantos iguais a eles que não tem o menor interesse em mudar isso.
E sabe por quê?
Quando mulheres mais qualificadas começam a ocupar o mesmo espaço que homens medíocres, estes podem começam a perder espaço (prestem atenção que fui cautelosa aqui usando o "podem", pois o que há por aí é a manutenção de homens medíocres nos cargos em privação de mulheres muito mais qualificadas).
Quer um exemplo?
A Academia Brasileira de Ciência (ABC)!
São mais de 100 anos de história, mas:
a) demorou 50 anos para ter a primeira mulher como membro titular (a maravilhosa Marta Vannucci);
b) nunca teve uma presidenta;
c) só teve 2 vice-presidentas (a segunda eleita apenas em 2019);
d) somente nas eleições de 2019 houve paridade na escolha dos novos membros; e
e) as mulheres representam menos de 20% dos membros titulares.
Quero ressaltar que eu trouxe o exemplo da ABC devido ao papel dessa instituição. Ela é um espaço político importante, onde articula-se políticas públicas e empenha-se para dar mais espaço e visibilidade para a ciência brasileira. Ou seja, é (ou deveria ser) uma instituição importante para a busca pela equidade. No entanto, como esperar que uma instituição, onde mais de 80% dos seus membros titulares são homens, articule políticas de equidade?
Outro dado importante sobre os membros da ABC é que, na maioria dos casos, as pesquisadoras têm currículos muito melhores do que os homens que estão lá (a maioria delas são bolsistas PQ nível 1A - nível mais alto entre as bolsas de produtividade concedidas pelo CNPq - o que não ocorre para eles). Ou seja, para mulheres alcançarem a mesma posição que homens, elas precisam trabalhar muito mais sim!
Aí Juliana, mas você está forçando a barra aqui falando de uma instituição que a maioria dos acadêmicos não fará parte mesmo. Ok, é justo. Então, vamos falar de algo mais mundano na academia.
De novo mulherada: levanta a mão quem nunca ouviu uma das duas frases abaixo na tentativa de explicar a ausência (ou baixa representatividade) de mulheres entre os palestrantes de um congresso:
"Infelizmente não encontramos mulheres para palestrar no nosso evento"
"É muito difícil encontrar mulheres para falar sobre esse tópico"
Seja na ABC ou no Congresso Brasileiro de… (complete com a sua área de atuação) o fato é sempre o mesmo: "mulheres nunca são boas o suficiente para ocupar espaços reservados aos homens". E isso, infelizmente, não é verdade apenas na academia. Ou você já esqueceu que o primeiro banheiro feminino no senado brasileiro foi construído apenas há 6 anos atrás?
Qual a solução?
Infelizmente, ela é bem complexa, pois envolve não apenas mudanças de pensamento individual como também mudanças estruturais.
Vou citar aqui apenas mudanças individuais, mas que são os primeiros passos para colocar o dedo na ferida, apertar, torcer e fazer o sistema gritar por mudanças:
- As mulheres existem e precisam ser vistas, então: vamos ler mulheres, citar mulheres, elogiar mulheres, dar voz às mulheres;
- Passou da hora de incluir mulheres nas listas de bibliografias para as disciplinas que ministramos, na lista de revisoras quando submetemos um artigo, nas bancas que organizamos;
- Precisamos indicar e cobrar a participação de mulheres como palestrantes em eventos;
- Questione a representatividade nas bibliografias usadas para escrever projetos, artigos, livros;
- E o mais importante de tudo, se ao fazer alguma dessas coisas aparecer a dúvida "será que ela é boa o suficiente para ser citada, indicada, lida..." se questione se você faria o mesmo com um homem. Além de mudar nossos hábitos, precisamos mudar as ideias preconcebidas. Afinal…
"São as ideias preconcebidas que tantas vezes dificultam as coisas para qualquer mulher em qualquer área; que impedem as mulheres de falar, e de serem ouvidas quando ousam falar; que esmagam as mulheres jovens e as reduzem ao silêncio, indicando, tal como ocorre com o assédio nas ruas, que esse mundo não pertence a elas. É algo que nos deixa bem treinadas em duvidar de nós mesmas e a limitar nossas próprias possibilidades — assim como treina os homens a ter essa atitude de autoconfiança total sem nenhuma base na realidade"
(Rebecca Solnit, Os homens explicam tudo para mim)
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