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​Por que às mulheres não é dado o direito de serem "apenas" boas em suas profissões?



Mulherada: levanta a mão quem nunca ouviu, falou ou viveu essa frase. Se você levantou a mão, ou você é privilegiada, ou talvez esses questionamentos não façam parte do seu cotidiano, ou talvez você more em Marte; e está tudo bem!


Eu quero ir um pouco além da frase acima. Isso porque, mais do que não ser permitido a nós mulheres a mediocridade, não é permitido que sejamos "apenas" boas no que fazemos.


Medíocre aqui não é no sentido de "pessoa pouco capaz, sem talento", mas no sentido de "qualidade média, no meio ou entre dois extremos". Engraçado como, de forma geral, tendemos a usar apenas o pior significado da palavra... engraçado ou efeito do patriarcado? Afinal, esse termo é mais usado para justificar porque mulheres têm menos conquistas e/ou atingem menos cargos de chefia/destaque, recebem menos prêmios, etc.


Como assim? - você pode estar se perguntando.


Calma, vou explicar...


Ter um desempenho medíocre não impede (nem dificulta) que homens descrevam suas atuações como excelentes, ou ainda, se abstenham de concorrer a cargos ou se candidatar a empregos quando cumprem pouco mais da metade dos pré-requisitos... A mediocridade também não abala a auto estima deles que se vangloriam de cada um de seus feitos como sendo imprescindíveis para a humanidade. Olho à minha volta (e aqui não me refiro especificamente ao meu departamento ou universidade, mas ao sistema acadêmico como um todo) e vejo dúzias de homens que dão péssimas aulas; que cobram produção e prazos absurdos de seus orientados (sem fazer o mínimo do que é esperado de um orientador) e ainda reclamam quando não tem suas expectativas atendidas. Homens que, quando estão em carg​os de chefia, conduzem suas obrigações de forma bem "meia boca" (geralmente sobrecarregando secretárias e secretários). No entanto, falam e agem como se fossem os melhores e mais preocupados docentes; gabam-se de darem as melhores oportunidades aos seus estudantes (#sqn) e contam como é sofrido e desgastante serem chefes e terem que cuidar de todo o trabalho burocrático.


Agora, você mulher​​​ que, apesar de ser boa pra caramba, vai toda noite dormir achando que é uma fraude, me diz uma coisa: por que esses homens continuam existindo? Por que continuam ocupando cargos elevados, ganhando visibilidade e prestígio?


A resposta é simples: porque o sistema é dominado por outros tantos iguais a eles que não tem o menor interesse em mudar isso.


E sabe por quê?


Quando mulheres mais qualificadas começam a ocupar o mesmo espaço que homens medíocres, estes podem começam a perder espaço (prestem atenção que fui cautelosa aqui usando o "podem", pois o que há por aí é a manutenção de homens medíocres nos cargos em privação de mulheres muito mais qualificadas).


Quer um exemplo?


​A ​Academia Brasileira de Ciência (ABC)!


São mais de 100 anos de história, mas:

a) demorou 50 anos para ter a primeira mulher como membro titular (a maravilhosa Marta Vannucci);

b) nunca teve uma presidenta;

c) só teve 2 vice-presidentas (a segunda eleita apenas em 2019);

d) somente nas eleições de 2019 houve paridade na escolha dos novos membros; e

e) as mulheres representam menos de 20% dos membros titulares.


Quero ressaltar que​ eu​ trouxe o exemplo da ABC devido ao papel dessa instituição. Ela é um espaço político importante, onde articula-se políticas públicas e empenha-se para dar mais espaço e visibilidade para a ciência brasileira. Ou seja, é (ou deveria ser) uma instituição importante para a busca pela equidade. No entanto, como esperar que uma instituição, onde mais de 80% dos seus membros titulares são homens, articule políticas de equidade?


Outro dado importante sobre os membros da ABC é que, na maioria dos casos, as pesquisadoras têm currículos muito melhores do que os homens que estão lá (a maioria delas são bolsistas PQ nível 1A - nível mais alto entre as bolsas de produtividade concedidas pelo CNPq - o que não ocorre para eles). Ou seja, para mulheres alcançarem a mesma posição que homens, elas precisam trabalhar muito mais sim!


Aí Juliana, mas você está forçando a barra aqui falando de uma instituição que a maioria dos acadêmicos não fará parte mesmo. Ok, é justo. Então, vamos falar de algo mais mundano na academia.


De novo mulherada: levanta a mão quem nunca ouviu uma das duas frases abaixo na tentativa de explicar a ausência (ou baixa representatividade) de mulheres entre os palestrantes de um congresso:


"Infelizmente não encontramos mulheres para palestrar no nosso evento"

"É muito difícil encontrar mulheres para falar sobre esse tópico"


Seja na ABC ou no Congresso Brasileiro de… (complete com a sua área de atuação) o fato é sempre o mesmo: "mulheres nunca são boas o suficiente para ocupar espaços reservados aos homens". E isso, infelizmente, não é verdade apenas na academia. Ou você já esqueceu que o primeiro banheiro feminino no senado brasileiro foi construído apenas há 6 anos atrás?


Qual a solução?

Infelizmente, ela é bem complexa, pois envolve não apenas mudanças de pensamento individual como também mudanças estruturais.


Vou citar aqui apenas mudanças individuais, mas que são os primeiros passos para colocar o dedo na ferida, apertar​, torcer ​ e fazer o sistema gritar por mudanças:


- As mulheres existem e precisam ser vistas, então: vamos ler mulheres, citar mulheres, elogiar mulheres, dar voz às mulheres;


- Passou da hora de incluir mulheres nas listas de bibliografias para as disciplinas que ministramos, na lista de revisoras quando submetemos um artigo, nas bancas que organizamos;


- Precisamos indicar e cobrar a participação de mulheres como palestrantes em eventos;


- Questione a representatividade nas bibliografias usadas para escrever projetos, artigos, livros;


- E o mais importante de tudo, se ao fazer alguma dessas coisas aparecer a dúvida "será que ela é boa o suficiente para ser citada, indicada, lida..." se questione se você faria o mesmo com um homem. Além de mudar nossos hábitos​,​ precisamos mudar ​as ideias preconcebidas. Afinal…


"São as ideias preconcebidas que tantas vezes dificultam as coisas para qualquer mulher em qualquer área; que impedem as mulheres de falar, e de serem ouvidas quando ousam falar; que esmagam as mulheres jovens e as reduzem ao silêncio, indicando, tal como ocorre com o assédio nas ruas, que esse mundo não pertence a elas. É algo que nos deixa bem treinadas em duvidar de nós mesmas e a limitar nossas próprias possibilidades — assim como treina os homens a ter essa atitude de autoconfiança total sem nenhuma base na realidade"

(Rebecca Solnit, Os homens explicam tudo para mim)



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