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Premiada ou perseguida: uma questão de gênero

Ele inventou o DDT, um agrotóxico, e recebeu o Prêmio Nobel.

Ela descobriu os perigos do DDT e foi perseguida e desacreditada.




Rachel Carson nasceu em Springdale, no estado da Pensilvânia (EUA) - um distrito à beira do rio, mas a quase 400 km do mar - e ali cresceu junto de uma irmã e um irmão mais velhos.


Rachel Carson. Fonte: WikimediaCommons/ ThomasBrosnihan/ CC-BY-SA-4.0
Rachel Carson. Fonte: WikimediaCommons/ ThomasBrosnihan/ CC-BY-SA-4.0

Rachel cresceu explorando as matas ao redor da cidade. Apesar do seu fascínio pela natureza, principalmente pelo mar, Rachel começou a cursar Letras e depois trocou para Biologia - ela era uma das três únicas mulheres deste curso. Ao se graduar, ela mudou para Baltimore - agora sim perto do mar - para cursar seu mestrado na Johns Hopkins University.


A vida de pós-graduanda não foi fácil - e será que é para alguém? No primeiro ano (1932) precisou voltar para a sua cidade devido a problemas financeiros, retornando só no ano seguinte e sempre precisando trabalhar para garantir o seu sustento. Quando finalmente finalizou o mestrado ela estava ávida para começar um doutorado, mas precisou voltar para a cidade natal e ajudar a família que estava com dificuldades financeiras; seu pai havia morrido e ela se tornou a provedora da família - onde estava o irmão dela neste momento? 


Graças aos esforços de Mary Scott Skinker - sua mentora durante a graduação -  Rachel conseguiu um trabalho no Departamento de Pesca dos EUA; ela foi a segunda mulher a ser contratada por esse órgão. Essa não foi a primeira (nem a última) vez que sua mentora a ajudou. Um viva às mulheres que se ajudam!


Seu trabalho consistia em escrever roteiros de rádio para uma programa semanal sobre a vida debaixo da água, chamado Romance Under the Waters. Ou seja, Rachel Carlson também fazia divulgação científica! Baseado nas pesquisas que fez para este programa, Rachel escreveu também vários artigos de divulgação que foram publicados em diversos jornais e revistas. 


Tudo parecia bem, Rachel estava focada na sua carreira e começava a atingir uma certa estabilidade financeira quando, em 1937, sua irmã morre e ela passa a ser a responsável pelos cuidados das duas sobrinhas e da mãe - hello, pai das crianças, cadê você? 


Embora um de seus livros mais famosos seja Primavera Silenciosa (publicado em 1962), ela já tinha escrito outros livros: Sob o Mar-Vento (1941), O Mar que nos Cerca (1951) e Beira-Mar (1955). Estes dois últimos foram muito bem vendidos e ela recebeu um prêmio de literatura pelo O Mar que nos Cerca, uma iniciativa de pesquisa da Universidade da Colúmbia Britânica. Com isso Rachel pôde deixar seu trabalho no Departamento de Pesca dos EUA e se dedicar à carreira de escritora em tempo integral. A partir daí ela voltou a sua atenção, principalmente, para o tópico de conservação ambiental.


Aqui novamente, Rachel precisou mudar de cidade e assumir os trabalhos de cuidado do filho de uma sobrinha que morreu e da mãe que necessitava de mais atenção devido à idade avançada. Quem mais se perguntou “cadê o pai da criança?”? Mas se hoje ainda tratamos o cuidado familiar como talento nato das mulheres, imagina há 70-80 anos? -  novamente, cadê o irmão da Rachel e o pai da criança?


O foco de Rachel nos praguicidas começou na década de 1940 - muitos deles desenvolvidos graças aos fundos de guerra. Ela tentou publicar um texto em jornal sobre o DDTs, mas foi rejeitado por ser “desagradável”. Porém, isso não a deteve e, após muita pesquisa, ela publicou o livro Primavera Silenciosa em 1962. 


Seu texto e seu posicionamento geraram muita polêmica e tentaram de todas as formas atacá-la e invalidá-la. E adivinhem… é claro que os ataques vieram de homens. Alguns atacaram suas credenciais científicas: diziam que por ser uma bióloga marinha e não uma bioquímica, ela não tinha propriedade para falar sobre os problemas do uso do DDT. Ela também foi chamada de amadora, afinal não trabalhava em uma instituição de pesquisa. Ela foi chamada de “... uma defensora fanática do culto ao balanço da natureza”. Aparentemente, buscar a conservação da natureza - e todos os benefícios que trazem para nós - era um problema. O Secretário de Agricultura Americana disse que o fato dela “não ser casada (embora fosse fisicamente atrativa) fazia dela uma “provável comunista””. E claro que não podia faltar, a sua escrita foi chamada de  muito “emotiva”. As indústrias químicas responsáveis pela produção/venda de praguicidas (tanto o DDT como alguns outros) ameaçaram abrir processos judiciais contra a disseminação das informações contidas no livro. 


Como Rachel e seu editor já previam estes ataques, eles se precaveram de todas as formas possíveis: buscaram o maior número de apoiadores antes mesmo do livro ser publicado, pediram para pesquisadores renomados revisarem os capítulos e Rachel participou de uma Conferência de Conservação na Casa Branca, quando distribuiu cópias do livro para os delegados que ali estavam. 


Rachel escreveu o livro e passou por tudo isso enquanto era submetida ao tratamento de radioterapia para combater o espalhamento de umo câncer (em 1950 ela havia removido um câncer de mama e em 1960 ela passou por um mastectomia total). Logo ela que lutava tão bravamente pela regulação de praguicidas cancerígenos. Em abril de 1964, aos 58 anos,  Rachel Carson morreu e parte das suas cinzas foram espalhadas ao longo da costa de Sheepscot Bay, no Maine. Mas antes que isso acontecesse, seu irmão - que aparentemente nunca se importou com ela - tentou decidir para onde iriam suas cinzas sem respeitar os últimos desejos dela. 


Enquanto Rachel foi perseguida e atacada por querer regular o uso irresponsável de praguicidas, o químico suíço Paul Hermann Müller, que descobriu as propriedades praguicidas do DDT, recebeu o prêmio Nobel da Medicina em 1948; além de muitos outros prêmios e honrarias. 

Ilustração: Caia Colla
Ilustração: Caia Colla

É, minha gente, o patriarcado não pega leve não. Quantas de vocês lendo este texto não se reconheceram na vida da Rachel, tendo que conciliar trabalho e cuidados de filhos e familiares? Quantas de vocês não tiveram de mudar os planos por questões financeiras? Quantas de vocês tiveram de adiar sonhos enquanto viam homens ao seu redor seguirem plenos e serenos em suas carreiras? Quantas foram atacadas, descredibilizadas, ridicularizadas e assediadas quando se posicionaram? Quantas ouviram seus argumentos serem refutados simplesmente por serem mulheres? 






Sugestões de leitura:


MLA - Michals, Debra.  "Rachel Carson." National Women's History Museum.  National Women's History Museum, 2015.  22 Jan 2025. Chicago - Michals, Debra.  "Rachel Carson."  National Women's History Museum.  2015.  www.womenshistory.org/education-resources/biographies/rachel-carson.


Linha do tempo interativa sobre a vida de Rachela Carson: https://www.rachelcarson.org/interactive-timeline 



The Life and Legacy of Rachel Carson - https://www.rachelcarson.org/ 


 

Sobre a autora:


Formada em Oceanologia na FURG com doutorado em Oceanografia Química pela USP. Entre um trabalho, uma bolsa e um intercâmbio passou também pela Unimonte, UFPR e UFBA, Texas A&M University, Health Department of New York, Heriot-Watt University e da Stockholm University. Atualmente é professora adjunta na UFSC. ​Trabalha com poluição marinha, principalmente contaminantes sintéticos e resíduos sólidos. Mas também atua na geoquímica estudando o ciclo do carbono no ambiente marinho. Desde abril/20 tem se aventurado como mãe do Ian. Não abre mão de cozinhar e experimentar novos sabores, mas não sem antes estudar os processos/química que tornam um prato possível. Também gosta de viajar, ler, fazer trilha e tomar um banho de mar (ou cachoeira). 


2 Kommentare


Marian Fennell
Marian Fennell
há 2 horas

Rachel's journey demonstrates how gender effects academic recognition. Her transition from Literature to Biology, despite being one of the few women, demonstrates tenacity. Pursuing her master's degree at Johns Hopkins pushed her closer to her affinity for the ocean. For individuals having similar issues, dissertation help in london might be a beneficial academic resource.

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marinareback
marinareback
há 5 dias

Nossa Ju, parabéns pelo texto. Mostra um lado da vida da Rachel que eu não conhecia. E me dá um aperto no coração, saber de tanta coisa contra ela, que estava lutando pela vida. Parece que o capEtalismo não gosta da vida, que é de graça. A morte é que dá lucro, a tristeza, a doença... Viva Rachel, obrigada por seu legado.

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