A Semana Nacional de Oceanografia (SNO) é o maior evento de caráter anual das Ciências do Mar no Brasil e é tradicionalmente organizada por discentes dos cursos de Oceanografia. O evento tem como objetivo a integração dos 14 cursos de bacharelado em Oceanografia e Oceanologia do Brasil, promovendo encontros acadêmicos-científicos como palestras, minicursos, apresentação de trabalhos, além de atividades culturais e desportivas. A cada ano, há um rodízio de sedes entre as regiões Norte/Nordeste e Sul/Sudeste para que haja maior acessibilidade.
Em outubro de 2023, ocorreu a sua 33a edição, sediada pela Universidade Federal de Pernambuco, que abordou a temática “DA LAMA AO CORAL: desafios socioambientais dos ecossistemas marinhos tropicais”. A comissão organizadora do evento contou com 59 discentes de Oceanografia, sendo 37 mulheres incluindo a mim, Maria Luiza, como presidente. Além disso, organizamo-nos em 11 comissões, sendo nove delas lideradas por mulheres. Contamos, também, com a orientação de três docentes, dentre eles, uma mulher, a Profª Monica da Costa.
Desde a primeira reunião da comissão organizadora, a pauta “acolhimento e diversidade” sempre foi colocada em questão. A nossa meta era transformar a SNO, um evento que ainda é elitizado, quando se analisa a realidade brasileira, em um modelo de como devem ser os eventos científicos: inclusivos, diversos e representativos.
Confesso que não foi nada fácil convencer algumas pessoas do porquê deveríamos ter fraldários nos banheiros ou uma mesa de abertura diversa (saindo daquela tradicional onde só há homens cis, brancos e héteros). Essa parte da mesa de abertura foi super difícil, pois tradicionalmente convidam-se os representantes das instituições para compor a mesa, e como sabemos, estes são todos homens brancos. Mas ao mesmo tempo, muitos vestiram a camisa e apoiaram a causa, o que foi fundamental para a realização de tudo isso.
Mesa de abertura da XXXIII Semana Nacional de Oceanografia. Fonte: Acervo da XXXIII Semana Nacional de Oceanografia com licença CC BY NC-ND.
O nosso ponto de partida para planejar esse acolhimento e diversidade foi o Guia da Diversidade e o Guia de Acolhimento elaborado pela Associação Brasileira de Mulheres nas Geociências (ABMGeo). Montamos uma comissão destinada a lidar somente com essa pauta e, dentro de nossas possibilidades, fomos traçando algumas metas. Além do apoio material, as Geomamas (grupo de trabalho da AMBGeo) foram fundamentais na orientação. Gratidão à Marion Freitas!
Eu havia participado do XXVII Congresso Brasileiro de Paleontologia e conheci uma integrante das Geomamas que estava atuando no evento com o espaço destinado ao cuidado dos filhos de mães/pais congressistas e trabalhadores do evento. Achei aquilo incrível, pois nunca havia ouvido falar na temática, o que leva a não discuti-la também. Durante o evento tive vários insights e o mais forte deles foi perceber que, enquanto um pai ministrava uma palestra sobre dinossauros e colocava a foto dos filhos no final da apresentação (eles estavam em casa sob cuidados da mães #RisosNervosos), congressistas mães precisavam organizar e participar de mesas para discutir sobre SER mãe na Academia além de estarem, em sua maioria, acompanhadas de suas crias (sem mencionar aquelas que não estavam lá pois não tinha com quem deixar seus filhos ou não tinham condições financeiras de trazê-los).
Logo no formulário de inscrição para o evento, incluímos perguntas como “Trarei minha família para o evento?”; “Possuo alguma restrição alimentar?”; “Possuo alguma deficiência física?” para podermos sondar o nosso público e nos preparar para recebê-los da melhor maneira possível. Após alguns meses de inscrições abertas, entramos em contato via e-mail com essas pessoas para que pudéssemos conhecer melhor quais as suas necessidades.
Preparamos um evento acolhedor e isso foi o que mais me motivou a continuar. Contamos com a estrutura de um espaço kids totalmente gratuito tanto para congressistas quanto para prestadores de serviços para o evento (chamado carinhosamente de Espaço Alevinos), que dispunha de 2 pedagogos, 2 integrantes da comissão organizadora, atividades educacionais infantis voltadas para a Oceanografia e funcionava das 8h às 17h30 durante todos os dias do evento. Além de um espaço de amamentação com geladeira e fogão à disposição, intérprete de libras e toda uma estrutura de espaços físicos pensada para recepcionar todas as realidades (felizmente, a UFPE dispõe muito bem de tais).
Atividades educativas desenvolvidas no Espaço Alevinos da XXXIII Semana Nacional de Oceanografia. Fonte: Acervo da XXXIII Semana Nacional de Oceanografia com licença CC BY NC-ND.
Atividades educativas desenvolvidas no Espaço Alevinos da XXXIII Semana Nacional de Oceanografia. Fonte: Acervo da XXXIII Semana Nacional de Oceanografia com licença CC BY NC-ND.
Nos surpreendemos com a representatividade de mulheres no protagonismo não só à frente da organização do evento, mas também, ministrando palestras, minicursos e mesas redondas. Em todas as atividades, o maior número foi de mulheres como ilustra o gráfico abaixo:
Gráfico com a quantidade de mulheres (N=32) e homens (N=13) como ministrantes de palestras, minicursos e integrantes de mesas redondas ocorridas na XXXIII Semana Nacional de Oceanografia. Fonte: Acervo da XXXIII Semana Nacional de Oceanografia.
E como o foco do evento foi discutir a subárea socioambiental, tivemos a oportunidade de dar espaço para que marisqueiras(os), pescadores e líderes sociais integrassem o nosso evento na posição de palestrantes e participantes de mesas redondas.
Comissão organizadora e integrantes da mesa redonda “Oceano que Inspira” na XXXIII Semana Nacional de Oceanografia. Da esquerda para a direita temos: Jaqueline Cassimiro (comissão organizadora da XXXIII SNO), Chef Negralinda (Instituo Negralinda), Lígia Levy (Todas para o Mar-TPM), Edna Dantas (Projeto Casa de Sal), Maria Coutinho (comissão organizadora da XXXIII SNO), Nuala Costa (Todas para o Mar-TPM) e Gabrielly Dantas (Projeto Casa de Sal). Fonte: Acervo da XXXIII Semana Nacional de Oceanografia com licença CC BY NC-ND.
Contamos com uma mesa redonda dentro da programação principal abordando a temática “Acolhimento e inclusão: equidade no cenário da Oceanografia” com a participação de 4 mulheres, sendo 2 mães cientistas e 3 mulheres negras.
Mesa redonda “Acolhimento e inclusão: equidade no cenário da oceanografia”. Da esquerda para direita temos: Mariana Azevedo, Renata Camelo, Gabriela Figueiredo e Bárbara Pinheiro. Fonte: Acervo da XXXIII Semana Nacional de Oceanografia com licença CC BY NC-ND.
Apresentação de Bárbara Pinheiro durante a mesa redonda “Acolhimento e inclusão: equidade no cenário da Oceanografia”. Fonte: Acervo da XXXIII Semana Nacional de Oceanografia com licença CC BY NC-ND.
Além disso, tradicionalmente as edições da SNO contam com uma comissão especial chamada "Comissão das Minas" a qual é formada por mulheres de todo o país com intuito único de garantir a segurança e bem estar das minorias durante toda a programação do evento. Na edição deste ano, contamos com 13 mulheres que atuaram da seguinte maneira: em cada espaço que estava acontecendo alguma atividade do evento, haviam sempre, no mínimo, duas representantes da comissão presente prontas para atuar em quaisquer situação. Logo na abertura do evento, anunciamos a existência da comissão e que as representantes estariam identificadas com uma faixa roxa no braço.
A SNO tem como público alvo discentes de graduação e esse tipo de discussão precisa começar a ocupar todos os espaços. E quanto mais cedo, melhor! A ocupação de mulheres em cargos de liderança é fundamental para a inclusão dessas pautas. O apoio a essas mulheres, também, é imprescindível pois, como já relatado em texto aqui do Bate-Papo com Netuno, cargos de lideranças são máquinas de moer mulheres. Além disso, a presença de discentes de graduação na organização de eventos é uma imensa oportunidade e experiência para suas carreiras acadêmicas, encorajando-os a enfrentar temáticas tão delicadas e importantes, como as abordadas nesta última SNO.
Sobre a autora
Malu está na reta final do bacharelado em Oceanografia pela UFPE. Trabalha com paleoceanografia aplicada à Bacia do Araripe no Laboratório de Paleontologia da UFPE.
O que mais gosta é da multidisciplinaridade da vida, incluindo a própria Oceanografia. Já trabalhou com coleções biológicas de museus e de exposições, comunidades pesqueiras, educação ambiental e extensão universitária. Atualmente seu maior interesse é na divulgação horizontal e democrática da educação.
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Malu é maravilhosa. Que sorte a nossa te ter na equipe <3