Ao escrever um projeto de pesquisa é necessário elaborar um cronograma, detalhando as atividades que serão executadas a cada período do tempo total do projeto. A minha pergunta, e sei que de muitas outras mulheres, consiste em saber em qual momento devemos encaixar uma gravidez e como conciliá-la com a vida acadêmica.
Durante a graduação somos jovens demais, temos um mundo pela frente; o mestrado é curto, são aproximadamente dois anos em que é impossível pensar em qualquer outra coisa além das disciplinas e da dissertação. Então vem o doutorado, já somos maduras, muitas já estão casadas, mas mesmo assim só pensamos em pesquisar e publicar pois sabemos que ao final dos quatro anos de doutoramento vamos nos deparar com a concorrência do mercado de trabalho ou precisamos estar aptas para fazer um pós-doutorado de impacto. Portanto, o melhor seria aguardar tudo isso acabar e só engravidar quando já estiver contratada, com alguma estabilidade profissional, financeira e pessoal garantida. Porém, tal estabilidade geralmente ocorre quando a mulher tem em torno de 37 anos, bem depois do seu pico de fertilidade (figura 1).
Apesar de não ser difícil citar pesquisadoras/professoras de sucesso com filhos, o cenário de pós-graduandas que desistiram da carreira acadêmica após engravidar é bem mais comum. Conforme ilustrado na figura 2, a porcentagem de desistência da carreira acadêmica entre homens e mulheres sem filhos e sem planos de engravidar é praticamente a mesma entre os pós-doutorandos. Porém, ter um filho depois do começo do pós-doutorado duplica a porcentagem de desistência entre as mulheres, e permanece inalterado entre os homens.
É claro que um filho pode alterar o rumo da vida das mulheres, alterando também sua produtividade. Um estudo realizado por Leslie (2007) mostra que quanto mais filhos a mulher tem, menos tempo ela gasta em atividades profissionais (figura 3). Agora pasmem, apesar de não discutir as razões, o mesmo estudo mostrou que o contrário ocorre com os homens: mais filhos = mais horas trabalhadas! Não me atrevo a aprofundar a discussão do porquê dessa diferença, mas vejo duas possibilidades: ou o homem encara como um aumento de responsabilidade e, como se enxerga como o provedor financeiro da família, passa a trabalhar mais (o que não é necessariamente culpa dele, afinal de contas assim como mulheres são tradicionalmente ensinadas a cuidar do seu lar, homens são tradicionalmente ensinados a prover financeiramente esse mesmo lar); ou fogem das responsabilidades domésticas por motivos diversos. Tenho um amigo que me disse que quando seu filho era bebê e requeria toda a atenção e cuidados da mãe, ele preferia trabalhar até mais tarde e só ir pra casa quando já se aproximava a hora do filho dormir, alegando que tinha ciúmes de todo o carinho que a mulher prestava ao bebê e que não estava se encaixando em sua própria casa.
Uma das maneiras de aumentar a representatividade feminina nas universidades e diminuir a desistência de seguir uma carreira acadêmica, consiste em focar nos problemas enfrentados pelas mães que lutam para cuidar da família enquanto realizam estudos e pesquisas. Uma lista de estratégias que poderiam ser adotadas para amenizar problemas e ajudar as famílias é citada por Willians e Ceci (2012). Como exemplo: as universidades poderiam oferecer berçários e creches de qualidade, ter licença maternidade para o cuidador primário, independente do sexo, poderiam instruir comitês de seleção para ignorar lacunas no currículo devido à vazios relacionados ao tempo desprendido para cuidar da família (por exemplo entender porque a candidata ficou um prazo sem publicar caso tenha sido para cuidar do filho recém- nascido), entre outros. Um fato que não consta na lista do estudo apresentado e que considero de fundamental importância é uma mudança na mentalidade das pessoas. Já ouvi que para ser aceita em um laboratório numa faculdade espanhola, o professor responsável solicita que as mulheres assinem um termo se comprometendo a não engravidar durante o doutorado? Difícil de acreditar que algumas mentes ainda funcionem assim!
E no Brasil, como estamos? A USP, umas das maiores universidades brasileiras, possui uma creche muito elogiada pelos pais usuários, porém suspendeu ao menos 117 vagas no começo de 2015 por falta de verba (Acesse a matéria aqui). Nem todas as agências de fomento concedem licença maternidade remunerada aos seus bolsistas. Ou seja, por mais que às vezes aconteça um progresso, muitos retrocessos ainda são notados... Por mais que diversas universidades tenham adotado medidas que auxiliem a vida das famílias, muito ainda precisa ser feito e melhorado.
Não conseguirei trazer uma resposta à pergunta realizado no título do texto com esse post, até porque acredito que seja uma decisão pessoal e não uma receita de bolo. Eu mesma, casada há 3 anos, vou terminar meu doutorado no começo de 2016, sem pretensões de aumentar a família até lá.
Entretanto, não finalizarei esse assunto com essa publicação. Traremos no blog depoimentos de “mulheres guerreiras”, que conciliaram estudos e filhos; “mulheres altruístas”, que desistiram da carreira acadêmica para se dedicar à família e se sentem realizadas com a decisão tomada; “mulheres batalhadoras”, que se afastaram da universidade um período para cuidar dos filhos, e sofrem diversos entraves ao tentar retornar. O meu depoimento, de uma “mulher indecisa”, vocês já têm.
E você, tem um depoimento que queira compartilhar? Sinta-se bem-vinda para comentar abaixo ou nos enviar mensagens.
Referências
Goulden, M.; Frasch, K.; Mason, M. 2009. Staying competitive: Patching America's leaky pipeline in the sciences. Center for American Progress, https://www.americanprogress.org/issues/technology/report/2009/11/10/6979/staying-competitive/
Leslie, D.W. 2007. The reshaping of America's academic workforce. Research Dialogue 87. https://www.tiaa-crefinstitute.org/public/pdf/institute/research/dialogue/87.pdf
Willians, W.M.; Ceci, S.J. 2012. When Scientists Choose Motherhood. American Scientist, Volume 100. http://www.americanscientist.org/issues/pub/when-scientists-choose-motherhood/1
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