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Quem estuda o feio, bonito lhe parece



Ilustração: Joana Ho


Você sabe o que o golfinho-rotador, a tartaruga marinha e o urso panda têm em comum? Todos são considerados espécies-bandeira, ou seja, espécies carismáticas que conseguem chamar a atenção do público para uma causa conservacionista. Esse conceito surgiu na década de 80, pois como não era possível financiar projetos de proteção para todas as espécies de uma área, ao elevar o status de uma espécie carismática era possível assegurar a conservação da biodiversidade em geral. Lembro-me que quando estagiei no Projeto Tamar ao receber turistas na base de Ubatuba e falar sobre as tartarugas marinhas, eu acabava falando também sobre os peixes que elas consumiam, os danos que o lixo e o uso do carro em áreas de desova causavam e assim ia passando várias outras mensagens junto com o recado principal... Ou seja, ao falar da importância de se preservar a espécie-bandeira em questão, falava também da importância de se preservar todo o ecossistema.


Embora seja um conceito eficiente (quem não pensa no mico-leão-dourado ao lembrar da preservação da Mata Atlântica?), é preciso cautela ao aplicá-lo. Ao priorizar as espécies-bandeiras, corre-se o risco de não preservar quem mais precisa, quem está mais em risco de extinção. E diversas são as espécies ameaçadas de extinção. Alguns cientistas até defendem que estamos passando pela sexta grande extinção da Terra (episódios no qual grandes números de espécies foram extintas em um curto período de tempo). Veja na figura abaixo quais foram as grandes extinções e suas causas.


Conforme mostrado na figura acima, todas as extinções em massa foram causadas por catástrofes naturais, como a queda de um meteorito. Agora pasmem, a sexta extinção está sendo causada por NÓS! Paradoxalmente, os causadores da sexta extinção são também os que podem evitar que ela seja mais trágica.


Pois bem, foi pensando em proteger um grupo de animais ameaçados de extinção e “desfavorecidos” que o biólogo Simon Watt criou a “Sociedade de Preservação dos Animais Feios” (Ugly Animal Preservation Society). Sim, eu não escrevi errado, a ideia desse biólogo foi justamente contrária ao uso das tradicionais espécies-bandeira. Segundo o criador, não é justo que o panda fique com toda a atenção.


A ideia inovadora do Simon Watt não parou ao criar a sociedade e divulgar espécies feias e ameaçadas. Para levantar fundos e salvar as espécies esteticamente não privilegiadas, ele e um grupo de artistas se aventuraram pelo Reino Unido apresentando noites teatrais, como um stand up comedy, no qual cada artista apresentava um animal feio e no fim de cada noite as pessoas podiam votar qual seria o mascote da sociedade.


E no meio do mais esquisito sapo, salamandra, lesma ou inseto, o grande mascote vencedor foi um peixe marinho, o blobfish ou peixe-bolha ou peixe-gota. Este peixe, cientificamente chamado de Psychrolutes marcidus, além de ser feio, habita as águas profundas (entre 600 e 1200 metros de profundidade) do sul da Austrália, incluindo a Tasmânia. Eles não possuem bexiga natatória, têm o mínimo de ossos necessário, e o corpo com consistência gelatinosa, conseguindo, deste modo, combater a alta pressão do ambiente em que vivem ao terem a água ao seu redor como seu principal mecanismo estrutural.


Mas confesso que achei a votação um tanto injusta, pois sabendo que a cada 10 metros que mergulhássemos para encontrar o blobfish a pressão aumentaria 1 atm, encontraríamos a feia criatura em um ambiente com mais de 60 atm e provavelmente nossos órgãos se esmagariam e nós pareceríamos uma pasta (na verdade já íamos ter morrido bem antes!), enquanto o blobfish estaria parecendo um peixe “comum” e não aquela criatura gelatinosa que julgamos tão feia ao analisá-la na superfície terrestre, em apenas 1 atm.

Capa do livro escrito por Simom Watt com uma imagem do mascote da “Sociedade de Preservação dos Animais Feios”, o blobfish.

Outro peixe marinho que concorria como o animal mais feio era a enguia europeia (nome científico: Anguilla anguilla). Apesar de criticamente ameaçada e de parecer mais uma cobra do que um peixe, acredito que essa espécie nem devia estar nesta competição. A enguia europeia é uma espécie de peixe eurialino, que aguenta grande variação de salinidade, e catadrómico, que cresce em rios e desovam do mar. Além do mais, possui larvas do tipo leptocéfalas, que são lindas, duram cerca de 3 anos e chegam a atingir 8 cm de comprimento.

European eel: adult (left) and larva (right)

E agora, consegui convencer que a enguia europeia e o blobfish não são feios, mas que sim, precisam da nossa atenção e proteção?!


E para você, qual animal ameaçado de extinção é feio de dar dó e deveria ser preservado?

 

Saiba mais:


Sobre a Ugly Animal Preservation Society (entre e ria muito vendo os vídeos):

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