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Sorria recife, você está sendo fotografado!

Por Carolina D. Teixeira


Muitos aqui já devem ter ouvido falar que os recifes são ecossistemas com rica biodiversidade e que prestam serviços ecossistêmicos da mais alta relevância, tais como a mineralização do carbonato de cálcio, o provimento de recursos pesqueiros e a proteção das linhas de costa. Sem falar no imenso potencial turístico! Os maiores e mais ricos recifes do Atlântico Sul, Abrolhos, estão localizados no sul da Bahia e no norte do Espírito Santo. São os únicos, em todo o mundo, que formam os chamados “chapeirões”, que consistem em estruturas recifais cogumelares com paredes íngremes sombreadas e topos expandidos lateralmente e bem iluminados. Essas colunas recifais enormes são construídas por algas coralináceas, briozoários e corais, podendo chegar a mais de 20 metros de profundidade e 50 metros de diâmetro.


Visando conservar uma parte desse ecossistema único foi criado, em 1983, o Parque Nacional Marinho dos Abrolhos, o primeiro dessa categoria no Brasil. No entanto, a região como um todo sofre constantemente com o mal uso da zona costeira, incluindo dragagens próximas aos recifes, desmatamento e urbanização descontrolada. Os recifes de Abrolhos também têm sido profundamente impactados pelas mudanças climáticas, como mostrei no meu trabalho de iniciação científica, e sofrem com a má gestão da pesca. O Parque Nacional, apesar de muito importante, não é suficiente para controlar essa enxurrada de ameaças!


Diante desse contexto, estudos de longo prazo são essenciais para orientar os gestores e demais atores responsáveis pelo manejo dos recursos do mar. Desde 2006, cientistas de diferentes universidades do Brasil, reunidos na Rede Abrolhos, monitoram a região através de amostragens dentro e fora do Parque Nacional, e em locais mais ou menos impactados pelas atividades na zona costeira. O meu trabalho de mestrado envolveu a análise de dados do esforço empreendido entre 2006 e 2018, como parte do Programa de Pesquisas Ecológicas de Longa Duração do CNPq. A partir dessa base de dados, procurei responder três questões centrais: 1) como a cobertura bentônica mudou ao longo dos anos?; 2) houve mudança de dominância em algum sítio e/ou habitat específico?; 3) como as histórias de vida das espécies mais abundantes influenciam na dinâmica da comunidade?


Para responder essas questões, escolhemos 5 recifes, 3 deles próximos a costa (recifes costeiros) e 2 mais afastados (recifes externos). Os sítios costeiros incluíram os recifes Pedra de Leste e Sebastião Gomes, onde as águas são naturalmente mais turvas, sendo que Sebastião Gomes também recebe sedimentos de uma operação de dragagem de um canal de navegação usado para escoar toras de madeira. O Recife das Timbebas, também costeiro, ocorre numa área costeira menos sujeita à sedimentação e parcialmente protegida pelo Parque Nacional. Os dois recifes monitorados no Parcel dos Abrolhos, a mais de 60 km da costa (veja o mapa a seguir para se localizar na área), estão localizados na área menos turva e mais emblemática e protegida do Parque Nacional.

Mapa do Banco de Abrolhos localizado no Brasil com os quatro pontos de coleta marcado em vermelho. Do lado direito superior tem uma foto área dos recifes externos onde se vê, ao fundo, um barquinho de 15 metros. Do lado esquerdo inferior tem uma foto área dos recifes costeiros onde se vê, ao fundo, um barquinho de 15 metros.

(A): Mapa da área de estudo e os pontos amostrais localizados nos diferentes recifes (TIMB = Timbebas, PLES = Pedra de Leste, SGOM = Sebastião Gomes, PAB = Parcel dos Abrolhos). Os valores de turbidez (Kd490) se referem as médias de inverno de 2018; (B) e (C): vista aérea dos recifes externos e costeiros, respectivamente. O barco presente em B e C mede 15 metros. Fonte: Rede Abrolhos, licença CC BY SA 4.0.



No primeiro ano (2006), quando eu ainda estava no 6º ano do ensino fundamental II e meu orientador era um jovem recém-doutor, foram colocados pinos metálicos nos recifes, de forma a permitir que as exatas mesmas parcelas fossem re-amostradas ao longo do tempo. E assim o foram nos últimos 15 anos! Nesses pinos são encaixadas estruturas de PVC com 15 subdivisões, as quais são fotografadas individualmente. Esse método é conhecido como foto-quadrado, e cada recife conta com 20 pontos fixos que nos permitem gerar 300 fotos padronizadas a cada ano. Ao final do trabalho, analisei cerca de 16 mil imagens!


na foto da esquerda há um fotoquadrado posicionado sobre o recife. Na foto da direita há um mergulhador tirando uma foto do fotoquadrado.

(A): quantificação do bentos utilizando o método do foto-quadrado no topo (B): quantificação do bentos utilizando o método do foto-quadrado na parede (C). Fonte: Rede Abrolhos, licença CC BY SA 4.0.


Em geral, os recifes de Abrolhos mantiveram a cobertura de corais relativamente estável, sem um declínio regional que pudesse caracterizar o processo conhecido como “mudança de fase”, ou seja, sem a substituição maciça de corais por outros organismos que não constroem recifes, como as macroalgas. As flutuações na cobertura de corais foram ligadas principalmente aos eventos de anomalias térmicas positivas, quando a temperatura medida é superior à temperatura média da região ao longo dos anos. No entanto, em Sebastião Gomes, o sítio mais próximo da área de descarte da dragagem, organismos não-construtores de crescimento rápido se sobrepuseram aos corais, com destaque para o zoantídeo Palythoa caribaeorum, popularmente conhecido como “baba-de-boi”. A menor variação temporal foi observada nos topos dos chapeirões do Parque Nacional e nas paredes dos recifes costeiros, uma tendência que pode estar relacionada à história de vida dos organismos dominantes desses locais, que incluem corais conhecidos por serem mais tolerantes a flutuações ambientais, tais como a Montastraea cavernosa.


uma foto de um coral chamado Monstatrea cavernosa de cor lilás

Montastraea cavernosa, coral mais abundante dos recifes de Abrolhos. Fonte: Rede Abrolhos, licença CC BY SA 4.0.


Apesar de não termos identificado um declínio da cobertura coralínea na escala regional, temos evidências suficientes para supor que a cobertura dos recifes não continuará estável por muito mais tempo. Os estressores não param de se intensificar e as anomalias térmicas estão ficando cada vez mais frequentes. O nosso trabalho, realizado a muitas mãos (são 14 co-autores de 5 universidades diferentes), mostra claramente que o controle dos estressores locais que contribuem para a deterioração dos recifes deve ser priorizado, inclusive porque a reversão e a restauração tendem a se tornar cada vez mais difíceis e caras na medida que a degradação se amplia.

 

Leitura sugerida:


Nossa pesquisa já foi publicada e pode ser acessada em: https://doi.org/10.1371/journal.pone.0247111.


O histórico da degradação da região de Abrolhos pode ser encontrado em: https://doi.org/10.1371/journal.pone.0247111.s002.


Para conhecer os demais trabalhos da Rede Abrolhos, nos siga nas redes sociais ou visite nosso site: http://abrolhos.org/.

 

Sobre a autora:

Carolina D’Ornellas Teixeira é carioca, formada em Biologia Marinha pela UFRJ e mestre em Ecologia, também pela UFRJ. Se interessou pelo mundo dos corais ainda na graduação quando estudou o branqueamento em massa causado pelas anomalias térmicas de 2015-2017. Atualmente trabalha no Laboratório de Avaliação e Monitoramento da Biodiversidade (SAGE-COPPE), na UFRJ, onde atua no âmbito do PELD Abrolhos.




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Demais este post...Ficou bem ilustrado e com uma linguagem bem acessível a diversos públicos..

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