Plumas costeiras e o transporte de nutrientes para o oceano profundo
Por Douglas Vieira da Silva
Os rios transportam para o oceano uma série de nutrientes, esse aporte é essencial para manter a produtividade marinha em regiões que carecem de outras fontes de nutrientes. Por isso, é de se esperar que os rios desempenhem um papel importante para o balanço de nutrientes no oceano. A carga de nutriente dos rios se origina de processos de erosão e escoamento pelo continente, que por sua vez, desembocam no mar. Essa descarga de água dos rios, relativamente menos salina, quando se espalha no mar é chamada de pluma costeira. Uma vez que a água doce e os nutrientes chegam à costa, eles são transportados mar à dentro por padrões de circulação regidos pelas plumas costeiras.
O padrão de circulação de cada pluma costeira é determinado pela intensidade da vazão do rio, pelas correntes marinhas locais e pela rotação da Terra associada a latitude em que a pluma se encontra. Dessa forma, a carga de nutrientes do rio se espalha em função do caminho realizado pela pluma e da sua mistura com o oceano aberto, um processo mediado pelas forçantes citadas.
Entretanto, os mares mais rasos da plataforma continental são ambientes bastante dinâmicos e mais produtivos que o oceano profundo. Logo, uma parte dos nutrientes que chega através dos rios já é consumida parcialmente na porção mais costeira pelos organismos do fitoplâncton e uma fração menor restante é exportada para o oceano profundo.
Esquema mostrando a excursão de uma pluma costeira até o oceano profundo. Nota-se que apenas parte do volume da pluma atinge águas oceânicas (em cor azul), o que age como limitador ao aporte de nutrientes (representados por N). Outro fator importante é que os nutrientes são consumidos na plataforma continental, ficando disponível uma fração reduzida para fertilizar as águas do oceano mais profundo (Fonte: feito pelo próprio autor com licença CC BY-SA 4.0).
Considerando que há diferentes tipos de plumas ao redor do mundo, podemos esperar que a contribuição de cada uma delas para a entrada de nutrientes no oceano seja diferente. Para podermos entender o que explica essa diferença, precisamos partir de dois parâmetros principais que atuam sobre as plumas e afetam a travessia dos nutrientes até o oceano profundo: comprimento e latitude.
Como comprimento, consideramos a distância da foz do rio até a borda da pluma, onde a língua de água doce pode ser distinguida por um gradiente abrupto com a água salgada do mar, separando claramente as duas massas de água. O comprimento da pluma depende do volume de descarga do rio (o qual também é dependente da latitude, como veremos a seguir) e da geometria de desembocadura do rio.
A latitude da pluma é importante para a descarga, pois a média de chuva do planeta é maior na região dos trópicos, isto é, nas baixas latitudes. Em média, as plumas de rios dos trópicos apresentam as maiores descargas fluviais. Como por exemplo, o Rio Congo e o Rio Amazonas, que representam as maiores entradas de água doce no oceano Atlântico. Dessa forma, as plumas de regiões tropicais acabam sendo relativamente maiores em comprimento, conforme esquematizado abaixo. Essa maior extensão facilita a travessia pela quebra da plataforma, promovendo maior entrada de nutrientes no oceano profundo. Já as plumas de altas latitudes, localizadas em regiões onde a média de precipitação é menor, apresentam em média descargas fluviais menores e comprimentos reduzidos.
Além da variável climática, nas altas latitudes o efeito da rotação do planeta, via aceleração de Coriolis, que tende a aprisionar as plumas ao longo da costa. A aceleração de Coriolis age sobre o movimento das correntes, causando a sua deflexão. A água das plumas quando defletidas acabam encontrando a linha costa como uma barreira lateral. Assim, a água da pluma e os nutrientes trazidos por ela permanecem por um período maior na região de plataforma, uma vez que a ação do Coriolis impede o espalhamento da pluma em direção ao oceano. Por conta disso, uma fração ainda maior de nutrientes acaba sendo retida e consumida ali mesmo, o que diminui a entrada de nutrientes em águas oceânicas mais profundas.
Exemplo do efeito da rotação da Terra sobre o comprimento das plumas costeiras, que combinado com o padrão de chuvas determina o comprimento da pluma costeira. As plumas com comprimento superior à extensão da plataforma continental são capazes de exportar mais nutrientes para as águas oceânicas mais profundas. (Fonte: feito pelo próprio autor com licença CC BY-SA 4.0).
Vemos então que esses dois parâmetros determinantes (comprimento da pluma e latitude) estão correlacionados. Dessa forma, podemos dividir as plumas em duas classes: as que possuem um comprimento maior do que a extensão da plataforma continental e as que possuem um comprimento menor e não ultrapassam a quebra de plataforma.
Vamos pegar o exemplo da pluma do Rio Amazonas, uma pluma de grande escala com comprimento de 400 km. Esta não sofre o efeito da rotação planetária, já que se encontra em uma região Equatorial, onde a aceleração de Coriolis é muito pequena e portanto as correntes não sofrem deflexão. Dessa forma, a pluma do Rio Amazonas é capaz de atingir águas oceânicas com uma frequência muito maior, e, assim, entregar uma maior fração de nutrientes para o oceano profundo.
Em contrapartida, a pluma do Rio da Prata é relativamente menor, com uma descarga considerável e comprimento de 200 km. Devido à latitude em que se encontra, a deflexão devido ao Coriolis (e condição de ventos apropriadas) tende a aprisionar a sua descarga na plataforma, canalizando seu escoamento ao ponto de apresentar episódios em que a sua pluma atinge a latitude do estado de São Paulo (cerca de 1600 km ao norte da desembocadura do Rio da Prata). Nesse deslocamento paralela à costa, sua carga de nutrientes se mantém predominantemente na plataforma, ao invés de alcançar as águas profundas do oceano Atlântico. Os nutrientes acabam sendo consumidos na própria plataforma, já que ficam por lá durante um longo período. Portanto, neste caso, a contribuição para a entrada de nutrientes na foz é bem menor do que seria se esta pluma estivesse em uma latitude menor.
Essa diferença pode ser observada a partir da pluma de baixa salinidade associada a cada um desses rios, conforme o mapa abaixo.
Mapa de salinidade da superfície do mar para o Atlântico Sul, mostrando os rios com as maiores descargas nessa bacia oceânica. Fica evidente a diferença de escala entre a Pluma do Rio Amazonas, cuja anomalia de salinidade chega a ocupar uma grande extensão do Oceano Equatorial, e a Pluma do Rio da Prata, que fica aprisionada no ambiente de plataforma. (Fonte: www.remss.com - Soil Moisture Active Passive Mission - SMAP, domínio público).
Ao estudar as plumas costeiras podemos traçar a origem dos nutrientes transportados para o mar, uma vez que os nutrientes apresentam proporções de compostos ligados à sua origem continental. Como a proporção de nutrientes pode ser ligada à influência de uma pluma específica, é possível avaliar a contribuição de cada uma delas aos diversos sistemas marinhos que se encontram à margem das plataformas continentais. A quantidade de nutrientes na água do mar é um fator determinante para a produção primária, a qual, além de refletir diretamente nas teias tróficas marinhas, tem papel relevante nos processos climáticos, uma vez que as plumas também alteram a estrutura superficial do oceano que interage com a atmosfera, estabelecendo-se um sistema complicado de interação e feedback positivo entre organismos e processos físicos. Uma vez que as plumas se distribuem pelas bacias oceânicas, não é suficiente apenas saber o quanto entra de nutrientes no mar, mas também é necessário estimar como o comportamento e circulação das plumas costeiras altera a fração de nutrientes que chega ao mar aberto. A maioria das estimativas de produtividade do oceano consideram a entrada de nutrientes dos rios apenas como os valores obtidos na sua foz, sendo que fica evidente a necessidade de considerar as transformações que essa carga de nutrientes passa ao longo da sua travessia junto com as plumas. Afinal, todos os caminhos levam ao mar, mas alguns atalhos fazem a diferença e podemos pensar nas plumas costeiras como atalhos para os nutrientes chegarem mais longe, oceano adentro.
Referências ou sugestões de leitura:
HORNER-DEVINE, Alexander R.; HETLAND, Robert D.; MACDONALD, Daniel G. Mixing and transport in coastal river plumes. Annual Review of Fluid Mechanics, v. 47, p. 569-594, 2015. DOI: https://doi.org/10.1146/annurev-fluid-010313-141408
KJERFVE, Björn; MIRANDA, Luiz Bruner de; CASTRO, Belmiro Mendes. Princípios de oceanografia física de estuários. São Paulo: EDUSP, 2002.
SIMPSON, John H.; SHARPLES, Jonathan. Introduction to the physical and biological oceanography of shelf seas. Cambridge University Press, 2012.
SHARPLES, Jonathan et al. What proportion of riverine nutrients reaches the open ocean?. Global Biogeochemical Cycles, v. 31, n. 1, p. 39-58, 2017. DOI: https://doi.org/10.1002/2016GB005483
Sobre o autor:
Oceanógrafo e mestre em oceanografia física, química e geológica. Meus temas de pesquisa sempre se focaram em regiões de plataforma continental, estuários e lagunas costeiras da região Sul e Sudeste do Brasil. Atualmente sou doutorando em meteorologia no IAG-USP, onde estudo a interação oceano-atmosfera na Pluma do Rio Amazonas.
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