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Um mito sobre para onde vai o oxigênio oceânico

Atualizado: 3 de jul. de 2023

Artigo escrito por Placido Benzi, IOC-UNESCO

Traduzido por Malu Abieri



Histórico e contexto


“50% do oxigênio que respiramos vem dos oceanos”

“A cada duas respirações, uma vem do oceano”


Estes mantras estão constantemente ecoando nos principais canais de comunicação geral e científica, pela televisão e mídias sociais, no rastro do que constitui o maior esforço de culturalização do Oceano Global na história da humanidade: a Década das Nações Unidas da Ciência Oceânica para o Desenvolvimento Sustentável. Esta iniciativa global representa uma “onda incrível” que já está inundando um deserto de informações com abordagens multidimensionais para o avanço da Cultura e Ciência Oceânica em todo o mundo. Em paralelo, o público e os governos estão cada vez mais participando de uma infinidade de iniciativas e atividades, gastando uma quantidade considerável de tempo e esforço cognitivo na difusão e consolidação da ciência e conhecimento do Oceano.


Apesar do interesse genuíno demonstrado pelos diferentes tomadores de decisão (“stakeholders”) envolvidos, temos observado a difusão e circulação de diversas afirmações relativas aos oceanos que não são, na verdade, corretas. A rápida propagação de informações por meio de etapas recursivas de relatórios e pequenas modificações, como no caso de tabloides reportando fatos emanados por governos ou agências, poderia de fato gerar incontáveis erros de compreensão. Tal processo é especialmente reforçado por uma “seleção artificial”, na qual uma informação considerada bonita ou dramática é coletivamente estabilizada ou fixada, não importando/apesar de sua autenticidade. Nestes casos, a informação falsa assume a conotação de “mantra” e é perpetuamente circulada e eventualmente se torna integrada ao conhecimento público/comum. Um caminho semelhante caracteriza a história de um determinado micro conhecimento relativo à produção de oxigênio pelo Oceano. Os “mantras” supramencionados são repetidamente propagados nas redes sociais e até mesmo importantes instituições – Organização das Nações Unidas (ONU), União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN) – e, por melhores que possam parecer, permanecem, de fato, incorretos. E podem induzir a falsas suposições de como o Oceano funciona e regula a vida na Terra. São poucos os comentários escritos que abordam esta questão urgente, de C. Duarte e J-P. Gattuso (1), e, apesar da clareza e brilhantismo de tais intervenções, ainda vigora a propagação de sentenças incorretas sobre o assunto.


Abordando o Mito

A narrativa comum estabelecida sobre esses factoides vê o Oceano como exportador de um fluxo considerável de oxigênio para a atmosfera, sendo então prontamente consumido por formas de vida terrestres. Em contrapartida ao Oceano, que sob esta ótica produz cerca de 50% do oxigênio que respiramos, está o compartimento Terrestre, que através das plantas gera a cota remanescente de oxigênio disponível. Embora seja verdade que cerca de 50% do oxigênio atualmente produzido na Terra provenha do Oceano, é na verdade falsa a afirmação de que essa cota está realmente disponível para humanos ou qualquer outra forma de vida terrestre. O que a narrativa acima está ignorando é todo o metabolismo oceânico e o status de suas redes tróficas. Comparando o Oceano a um organismo gigante, poderíamos afirmar que o oxigênio produzido via produção primária é também majoritariamente consumido pela respiração do próprio Oceano. Assim, a atual produção líquida de oxigênio do Oceano é próxima de zero. O pensamento sistêmico vem ao resgate em muitos outros momentos semelhantes, como, por exemplo, no caso da Floresta Amazônica, que “supostamente” produz 20% do oxigênio que respiramos. Se considerarmos novamente todos os processos do ecossistema, devemos destacar que o ecossistema da Floresta Amazônica também consome a maior parte do oxigênio que produz, principalmente via respiração e oxidação de compostos orgânicos por plantas, fungos, animais e micróbios. Portanto, a contribuição em termos de oxigênio que respiramos é novamente próxima a zero. A pergunta natural que surge de tais considerações é a seguinte: “se o oxigênio que respiramos atualmente não vem do Oceano, de onde ele vem?”. De todo o carbono orgânico produzido no Oceano, apenas uma ínfima fração escapa à remineralização no ciclo de carbono, e é assim sequestrada ao longo de importantes escalas de tempo. Embora muito pequena, esta fração tem sido historicamente vital, considerando seu papel no acúmulo de oxigênio na atmosfera ao longo de escalas tempo geológicas. A deposição do carbono orgânico e sua preservação ao longo do tempo, evitam sua oxidação. O que significa que o oxigênio gerado durante o mesmo processo fotossintético, que também gerou o carbono orgânico, foi na verdade poupado. Portanto, podemos imaginar uma ligação invisível entre o carbono depositado no Oceano e seu efeito poupando o oxigênio relativo. Assim, o processo baixo e lento de deposição de carbono no Oceano ao longo do tempo, levou a um acúmulo gradual de oxigênio na atmosfera, partindo de valores inferiores a 0,001% ao atual nível de 21% durante a primeira metade da história do planeta (2).


Resumo

  1. Aproximadamente metade do oxigênio produzido atualmente na Terra é gerado pelo Oceano

  2. O oxigênio atualmente produzido pelo Oceano é majoritariamente consumido pelo próprio Oceano

  3. Atualmente, o Oceano não produz nenhuma fração significativa do oxigênio que respiramos

  4. A deposição e preservação de carbono orgânico no Oceano e parte terrestre ao longo de escalas tempo-geológicas são responsáveis pela atual reserva de oxigênio atmosférico e pela respectiva cota respirada pelos seres humanos.

 

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