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Uma gringa fazendo pesquisa no Brasil

Atualizado: 2 de fev. de 2019

Por Sabine Schultes, convidada da semana. 


Ao escrever este post, estou na minha mesa de trabalho na faculdade de biologia de Munique. Da janela vejo campos verdes, e a única água salgada num raio de 600 km são 20 litros de água do mar artificial no laboratório, num balde com copépodes da espécie Acartia tonsa. Só isso me conecta com minha grande paixão, os estudos da oceanografia biológica. 

Copépodes são minúsculos crustáceos, de 1 milímetro mais ou menos. A olho nu, parecem uma poeirinha pulando na água. Vivem em todos os ecossistemas aquáticos: lagos, rios, águas subterrâneas e oceanos. São numerosos “como as estrelas no universo” e tem um papel importante na ecologia do mar. São eles que consomem a biomassa que as micro-algas criam da energia solar – num processo chamado produção primária – e o transferem para os peixes porque peixe gosta de comer copépodes (Saiba mais aqui). 

Copépodes

Já trabalhei com copépodes das águas temperadas do Atlântico Norte, das águas frias do Oceano Antárctico, e em 2007 eu vim trabalhar como pesquisadora pós-doc  no Instituto Oceanográfico da USP para conhecer os copépodes tropicais. Que alegria! ...e ao mesmo tempo que aventura de viver num país a 12 000 km da Alemanha, na cidade de São Paulo. Pulei na agua fria sem pensar duas vezes e, num taxi na “Marginal Tietê” entre Guarulhos e a Cidade Universitária, senti de repente que estava realmente longe de casa. São momentos de transição entre um mundo e um outro, quando cada detalhe fica gravado na memoria. Fui muito bem recebida pelos Paulistanos e, contrariamente à noção que no Brasil tudo é praia, samba e caipirinha, tive a oportunidade de trabalhar com tecnologia de ponta da minha área científica. 

O famoso LOPC é um contador de partículas, que consegue detectar, contar e medir o plâncton com alta resolução espacial. Foto: Catarina Marcolin

Foram colocados nas minhas mãos dois instrumentos sofisticados para análise de copépodes. Minha tarefa era de estabelecer protocolos de medida e de calibração. Nada de machismo, de “mulher não sabe nada de tecnologia”... Cada dia o aprendizado era enorme: vida na grande cidade e em um país tropical, língua portuguesa, técnicas de análise de imagem e de transmissão de dados eletrônicos. Enorme também era a ajuda que recebi dos meus colegas cientistas Brasileiros, Canadenses e Franceses. Em pouco tempo foi possível fazer o batismo de fogo (de água!...quis dizer) do equipamento na base oceanográfica de Ubatuba. Isso sim, era um sonho de pesquisadora nas ciências marinhas se realizando. 


Mais um sonho se realizava com a expedição do projeto PROABROLHOS para estudar com o tal equipamento a distribuição do zooplâncton (copépodes e outros bichinhos do mesmo tamanho) no Banco de Abrolhos. Lá tem bastante peixe, e lembra-se que peixe gosta de comer copépodes?! Neste projeto, pesquisadores de várias universidades do Brasil e do mundo juntaram as forças para melhorar o entendimento sobre como este ecossistema marinho funciona, para poder proteger a grande biodiversidade de Abrolhos e seu valor para a sociedade.

Passar um mês embarcada no antigo navio oceanográfico Prof. Besnard foi um pouco de aventura – ele finalmente se aposentou ☺ e agora o IO tem um navio novo  – mas tudo deu certo. Nossos resultados foram publicados nos anos seguintes ao projeto (entre 2009 e 2013), mas já bem antes resolvi voltar para Europa. - Como assim?! Não era um sonho se realizando???


Pois é, olhando para trás sinto que me faltava um pouco de fé. Mas talvez eu também precisasse do meu próprio povo, da minha própria cultura e da minha família para ter fé e continuar pesquisando os mares do mundo. Infelizmente, a realidade de vida nas ciências está cheia de incertezas, de contratos de trabalho curtos (1 ano).  Ao mesmo tempo as realizações científicas levam anos. Escrever um projeto, conseguir verba, executar um projeto, analisar os resultados e comunicar os novos conhecimentos acontece em prazos de 5 a 10 anos. 


Voltando do Brasil eu demorei mais 4 anos de idas e vindas entre França, Brasil (me apaixonei...) e Alemanha para finalmente conseguir uma vaga de docente na Faculdade de Biologia de Munique em 2012, com 40 anos de idade. Vivo perto da casa dos pais, e estou dando aula de zoologia, ecologia e iniciação científica para alunos do bacharelado e mestrado. Pela primeira vez, eu sei onde eu posso ganhar a minha vida, viver e realizar estudos científicos sobre o mar, até pelo menos 2020, quando então o caminho talvez me levará para mais um lugar no futuro. 


Não tinha muita ideia pré-concebida antes de vir para Brasil.  Gosto muito de viver em outros países. Geralmente passo um primeiro tempo observando e ouvindo e tento seguir na onda. Descobri o jeitinho Brasileiro, o frio de São Paulo e aprendi a dançar forró. Achava – ainda acho – que as todas pessoas à minha volta eram dedicadas ao trabalho, aos amigos e a família. A maior aprendizagem que levei de volta do Brasil? Que às vezes as coisas demoram, mas no final tudo dá certo!

 

Sobre a autora:

Em Rio Grande, RS, Brasil.

Sabine Schultes gosta de se ver como bióloga e oceanógrafa. Ela estudou biologia e hidrobiologia na faculdade de Hamburgo, fez mestrado em oceanografia na Université du Québec Rimouski, no Canadá e doutorado em oceanografia biológica no Alfred-Wegener-Institut em Bremerhaven. Depois de vários contratos de pós-doc na França e no Brasil, ela é agora docente na faculdade de Munique (LMU) para dar aula de zoologia e ecologia. Ela conta que seus pais lhe ensinaram a procurar caminhos novos e a se relacionar com as pessoas e culturas do mundo. Ela está convencida de que hoje, mais do que nunca, precisamos cuidar de nossos oceanos.


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