top of page

Uma história de pai para filhos... e para as lulas!

Atualizado: 2 de fev. de 2019

Por Felippe Postuma


Minha paixão pela biologia marinha, cefalópodes (que são as lulas, polvos e sépias) e pelo mar começou bem cedo no verão de 1992, na minha segunda viagem à paradisíaca e isolada comunidade da praia do Bonete, localizada no sul da Ilhabela. Lá conheci e aprendi a amar e viver com a natureza mais límpida e lúdica que se possa imaginar. Foi nesse período que conheci a tradicional pesca da lula apresentada pelo  meu eterno amigo “Maurão”. Nessa época,  lulas e  mariscos eram abundantes, passamos praticamente um mês comendo lulas, peixes e farinha de mandioca. 

Fotos: Felippe Postuma

No ano de 1999 surgiu a vontade e a oportunidade de fazer uma faculdade, não pensei duas vezes em estudar a “Biologia Marinha”. Em 2000 passei no vestibular na Universidade Santa-Cecília na cidade de Santos. Já no ano de 2001 iniciei o estágio científico no Instituto de Pesca. Em meio a muitas provas, trabalhos, “forrós”, shows de reggae e “trips-de-surf” pelo litoral de São Paulo, eu conheci a princesa da minha vida, a mulher que iria mudar todo o rumo da minha história de vida,  “gerando” uma linda família e me dando força. Quando conheci era apenas a “Keka”, linda como é até hoje, também se formou em biologia pela Unisanta e hoje é conhecida como a “super-mamãe e esposa Keka”.  Já adianto, o nosso sucesso se deve totalmente a ela. 


Inicialmente tudo foi muito difícil, apenas dois universitários sem nenhuma perspectiva, porém com muita garra, vontade e amor. No terceiro ano de faculdade já morávamos juntos em uma república de estudantes. Foi nessa época então que, “com um piscar de olhos”, nos tornamos pais. Maíra nasceu esperta, linda e sapeca do jeito que é até hoje. Com muitos esforços conseguimos terminar a faculdade. Foi então que aprendi a cuidar da casa, fazer papinha, dar banho, trocar fralda e colocá-la para dormir, enquanto isso, mamãe Keka terminava a faculdade. 


No começo da faculdade nunca deixei de sonhar com a possibilidade de um dia estudar e pesquisar a pesca artesanal de lulas. Ao final da faculdade defendi minha monografia para obter o título de bacharel em Biologia Marinha com o tema ligado a caracterização preliminar da pesca artesanal de lulas no entorno da Ilhabela. Durante o estágio no Instituto de Pesca surgiu a possibilidade de contribuir como co-autor em um artigo científico.  Isso foi um grande incentivo para continuar com a pesquisa. Porém, eu precisava de um trabalho remunerado.


Comecei como observador de bordo da frota arrendada na costa brasileira. Embarques a bordo em navios pesqueiros estrangeiros com duração de 56 a 93 dias de mar, lá se foram dois anos de minha vida. Tive a oportunidade de viver com senegaleses, chineses, japoneses, peruanos e vietnamitas. Participei da pesca do long-line, espinhel japonês, gaiolas para captura de caranguejo, pesca de arrasto de profundidade (800 m) e a pesca do polvo. Passei por grandes tempestades em alto mar, cataloguei e coletei animais marinhos que jamais pudesse imaginar, observei e fotografei albatrozes gigantescos. Era tudo incrível, mas a saudade da família era muito grande.

Fotos: Felippe Postuma.

Nesta época passava pouco tempo com a família, “Mairinha” acabava vendo pouco seu pai, mas os momentos que passávamos juntos eram muito proveitosos e valiosos. Toda vez que chegava dos embarques, ela me estranhava, porque sempre voltava barbudo e cabeludo. No meu quarto, qualquer que fosse o barco, havia um mural de fotos da Keka e Maíra, isso me dava força para aguentar ficar por tanto tempo longe de casa.


Depois de dois anos vivendo idas e vindas do mar, decidimos mudar para Ilhabela, litoral norte de São Paulo. Fomos morar na comunidade da Água Branca, próximo à estrada que leva até a praia dos Castelhanos. Vivíamos com muita simplicidade com um salário de professor eventual da rede de ensino estadual. Maíra cresceu nadando entre as praias de Santos e as cachoeiras de Ilhabela, sempre pedindo para surfar e deslizar sobre as ondas. 


Nesse momento surgia mais um sonho, realizar uma pós-graduação. Depois de três tentativas consegui entrar para o mestrado no Instituto de Pesca de São Paulo. Maíra estava com 5 anos, e quando menos esperávamos, eu estava “grávido” de novo. 

Fotos: Felippe Postuma.

Em 4 de julho de 2008 nasceu Rafael, “O Anjo”. Mudamos radicalmente de estilo de vida, fomos morar na cidade de Bragança Paulista, interior de São Paulo e cidade-natal da Keka. Entrei em uma rotina de viagens diárias entre São Paulo – Bragança Paulista, com viagens que demoravam entre 2 e 3 horas. Foram dois anos de mestrado com disciplinas, apresentações em congressos nacionais e internacionais e duas publicações em revistas internacionais. No mestrado elucidei alguns mistérios sobre a pesca de lula, aquele sonho antigo. 


Ao final do mestrado (2010) Rafael com 2 anos e Maíra com 7, tudo começou a ficar difícil, e a falta de dinheiro me fez voltar ao mar. A investigação da lula ainda não havia terminado, mas a pressão para trabalhar era grande, e me vi obrigado a fazer mais dois embarques durante o segundo semestre de 2010 pelo Instituto de Pesca. Durante os embarques estudei para a prova de seleção para o doutorado do Instituto Oceanográfico da USP. No final a maresia me fez bem, estudei nos intervalos dos trabalhos a bordo e passei por um fio na seleção. Foi então, em 2011, que dei início às atividades do doutorado, reiniciando aquela rotina de viagens Bragança-São Paulo, mas continuando com a pesquisa sobre as lulas. 

Durante esse período chegava em casa e a super-mamãe já havia feito tudo, café da manhã, almoço, levar e buscar na escola, banho e jantar. Rafael sempre esperando ansioso pela minha chegada. Hoje ele tem 7 e ela 12 anos, eles sempre me viram estudando, penso que é um bom exemplo. Todos sabem que não se vive com bolsa de estudos no Brasil, mas sobrevivemos a uma faculdade, um mestrado e um doutorado. Afinal, esse post será publicado horas antes de minha defesa de doutorado (10 de agosto de 2015 às 9:00), onde inúmeros achados sobre lulas da espécie Doryteuthis plei serão desvendados ao público.

Escrever este post me fez refletir que talvez um dos fatores que auxiliam no sucesso da estratégia de vida desse incrível e magnífico cefalópode está baseado na vida em conjunto (em família) e na boa comunicação entre os membros do grupo. Talvez isso também seja o segredo do nosso sucesso. Resumindo, tudo isso só foi possível por causa do respeito, força e apoio da família, em especial da Keka, pois enquanto eu desenvolvia minha pesquisa e fazia coletas, a “mamãe Keka” desenvolvia seu papel de mãe-leoa com muita perspicácia e garra. Ela abriu mão de sua carreira em prol da minha, e a isso sou eternamente grato!  

 

Sobre Felippe Postuma:

Biólogo marinho, mestre em biologia pesqueira e doutorando no Laboratório de Ecossistemas Pesqueiros do Instituto Oceanográfico da Universidade de São Paulo (Labpesq-IOUSP). Nascido em São Paulo, radicado desde 10 anos de idade na praia do Pontal da Cruz, São Sebastião litoral Norte do Estado de São Paulo. Viveu no mar entre os pescadores artesanais e caiçaras de São Sebastião e Ilhabela pescando lula, como também entre os pescadores do mundo na frota industrial estrangeira. Navegou desde Natal(RN) até a elevação do Rio Grande(RS), passando quase 100 dias no mar. Dedicou 10 anos da sua vida à pesquisa da lula Doryteuthis plei. Possui também diploma de técnico em mecânica e carteira de marinheiro auxiliar de máquinas pela Capitania dos Portos de São Sebastião. E ama muito sua família.


Acesse aqui o currículo lattes de Felippe.




74 visualizações0 comentário

Posts recentes

Ver tudo

Comments


bottom of page