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Uma veterinária, as tartarugas marinhas, e a oceanografia

Atualizado: 5 de set. de 2020

Pela convidada Melissa Marcon


Fui convidada para fazer esse post e falar a respeito do meu mestrado. Eu não vou necessariamente falar sobre a minha dissertação (Quem sabe em outro post?), mas sim como eu, uma veterinária formada em uma faculdade no interior de São Paulo, fui parar no Instituto Oceanográfico da Universidade de São Paulo. 


Vou voltar muitos anos atrás para contar bem esta história. Desde que me conheço por gente, sempre quis ser veterinária. Eu não fui o tipo de criança que brincava com Barbies, eu tinha fazendas de minhocas e vivia colando band aids nos meus cachorros. Mas claro, eu era iniciante! 


Bom, para o alívio dos meus animais de estimação, eu entrei na faculdade de veterinária aos 17 anos. Durante a faculdade fiz diversos estágios e em diferentes áreas da medicina veterinária, porém, um estágio realizado no Projeto TAMAR em Ubatuba, foi decisivo para eu escolher a área que seguiria depois de formada. Neste estágio tive a oportunidade de conhecer melhor o Projeto, assim como suas ações direcionadas à conservação das tartarugas marinhas. O ponto chave foi ter permanecido na reabilitação e quarentena. Lá recebíamos animais encalhados nas praias vivos ou mortos e também os animais que interagiam com a pesca artesanal local. Tive a oportunidade de realizar diversos procedimentos veterinários, assim como, cuidar do manejo alimentar e limpeza dos tanques dos animais internados. 

Foto: Melissa Marcon.

Após esse estágio e mais alguns que se seguiram, eu estava decidida a seguir na área e trabalhar com reabilitação de animais marinhos, assim como no desenvolvimento de pesquisa visando à produção de conhecimento para a conservação. 


Para saber como conseguiria me inserir no mercado de trabalho realizei diversas pesquisas e conversei com profissionais da área. Decidi então fazer um mestrado em oceanografia. Entrei em contato com alguns professores do Instituto Oceanográfico para saber quais passos deveria seguir e principalmente qual deles poderia me orientar. 


No começo eu estava muito empolgada e decidida, mas com o início do processo seletivo eu me questionei! Como uma veterinária conseguiria passar em uma prova de conhecimentos gerais de oceanografia? E o inglês? Bom, foram longos quatro meses de muito estudo. Livros e mais livros. E claro, nunca poderia deixar de mencionar as pessoas maravilhosas que encontrei dentro do Instituto Oceanográfico da USP que me ofereceram diariamente apoio, paciência e muito conhecimento.


Foi então que em fevereiro de 2011 eu finalmente fui aprovada em todos os processos seletivos e poderia dar início ao meu tão sonhado mestrado em oceanografia biológica. O tema? Claro, as tartarugas marinhas! Por meio de uma parceria estabelecida com o Projeto TAMAR eu tive acesso aos dados da pesca de espinhel pelágico nas regiões sudeste e sul do Brasil e desenvolvi minha dissertação neste tema. 


A interação das tartarugas marinhas com a pesca, seja ela artesanal ou comercial, é um dos fatores que mais causa a mortalidade destes animais. Estudos vêm crescendo com o intuito de quantificar esta interação, bem como os fatores que influenciam a mesma. Para isso, é necessária uma ênfase particular no conhecimento ecológico sobre as populações, a relação entre sua distribuição e as feições oceanográficas (principalmente parâmetros biológicos e físico-químicos da coluna de água), sua biologia populacional e análises quantitativas da interação das tartarugas marinhas com as artes de pesca. Enfim, minha dissertação foi ganhando formato e eu fui compreendendo cada vez mais a importância deste tipo de estudo. 

Foto: Melissa Marcon.

Meu principal foco durante a dissertação foi buscar quais fatores operacionais da frota comercial (tipo de isca, profundidade de operação das embarcações, tipo de anzol, etc) e ambientais (características oceanográficas) influenciavam a captura acidental de tartarugas marinhas por essa arte de pesca. Com o conhecimento destas características poderíamos desenvolver trabalhos propondo manejos e adequações para as frotas pesqueiras para diminuir a captura acidental de tartarugas marinhas, e consequentemente, o óbito e diminuição das populações.


Foram meses de muito aprendizado. Não foi fácil! Eu não estava tecnicamente preparada para o meio científico. Analise estatística, softwares estatísticos, assim como tabelas do Excel, tiraram o meu sono e em troca me deram uma gastrite. A leitura de artigos, parte fundamental de uma pesquisa, inicialmente foi um desafio. Como eu poderia compreender metodologias em outros idiomas sem ao menos dominá-las no meu idioma? Mais uma vez, noites em claro e muito estudo foram fundamentais. 


Muitas vezes eu me perguntei se estava no caminho certo. Lembro-me de não apenas uma vez, mas diversas vezes ouvir perguntas como: Por que uma veterinária está no Instituto Oceanográfico? Por que você não foi fazer mestrado na veterinária?


Mas a resposta foi aparecendo ao longo da jornada. Hoje me sinto muito satisfeita e competente com o conhecimento de oceanografia que adquiri ao longo do meu mestrado. Como não poderia? A interdisciplinaridade é fundamental para que se construa um bom trabalho em qualquer área. Nada melhor para um médico veterinário do que conhecer intimamente o ambiente e os processos ocorridos para uma espécie estudada. 


Com o final do mestrado as oportunidades apareceram. Fui trabalhar em um Projeto de monitoramento de tartarugas marinhas. Meu trabalho consistia em realizar um levantamento de dados sobre as tartarugas marinhas, inédito para a área estudada. 


Realizávamos resgate e reabilitação das tartarugas e trabalho de campo. O campo se dava por campanhas de mergulho mensais, nos quais, coletávamos dados biológicos (espécie, peso e tamanho, por exemplo) das tartarugas marinhas capturadas intencionalmente, um exame clínico geral era realizado, assim como, uma amostra de sangue era coletada. Os exames hematológicos nos ajudaram a conhecer o estado de saúde dos animais da região, como também, a definir padrões hematológicos locais das tartarugas marinhas.


Apesar de me sentir um peixe fora d’água durante certo tempo, hoje, depois de realizar trabalhos com animais marinhos, sejam eles de reabilitação, assim como produção de conhecimento através de pesquisa, estou certa de que o envolvimento entre veterinária, oceanografia, biologia e, porque não matemática, se completam, fazendo do trabalho interdisciplinar o mais adequado para a conservação de qualquer espécie.


Hoje, muito feliz e apaixonada pelas escolhas que fiz e todo o conhecimento adquirido durante a caminhada, continuo trabalhando com pesquisa e lógico, pensando no meu doutorado que logo se seguirá.

 

Sobre Melissa Marcon:

Médica veterinária formada pela Faculdade de Jaguariúna (2009). Apaixonada pelo mar e seus habitantes finalizei meu mestrado em Oceanografia Biológica pelo Instituto Oceanográfico da Universidade de São Paulo em 2013. Atuo na área clínica médica e cirúrgica de pequenos animais e animais silvestres. Possuo experiência na área de coleta de material biológico, monitoramento de praia, necropsia, resgate e reabilitação de animais marinhos, em especial, quelônios marinhos.


Melissa já publicou outro post com a gente, acesse "Tartarugas marinhas e a pesca nos oceanos"


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