Por Yonara Garcia
Ilustração: Caia Colla
Terminando de escrever minha dissertação comecei a refletir sobre todos os desafios pelos quais eu passei no decorrer dos dois anos do mestrado para eu poder entregar esse trabalho redondinho, como se tudo tivesse sido perfeito e fácil de concluir. É uma mistura de sentimentos, pois ao passo que fiquei feliz por ter conseguido concluir mais uma etapa, percebi que esse documento não contava nem um terço de todas as desventuras que ocorreram. Na minha opinião, um dos capítulos da dissertação deveria ser um making-of da pesquisa, só pra contar tudo que deu errado e que você teve que resolver para entregar um bom trabalho.
Para ingressar no mestrado é necessário que, no dia da matrícula, você entregue uma Plano de Mestrado contando qual será o objetivo de sua pesquisa, qual a hipótese e o que você pretende fazer para responder essa hipótese. Nossa, até aqui foi fácil, é simples! Basta você seguir o método descrito que daí os resultados serão tratados, você discute com base em muita bibliografia estudada sobre o assunto e pronto. Em dois anos é tranquilo terminar isso. Quem dera! Pelo menos no meu caso não foi assim…Então vou contar um pouquinho pra vocês das desventuras que ocorreram durante o meu mestrado.
Meu trabalho de mestrado consistia, basicamente, em um estudo comportamental de determinados organismos do plâncton marinho por meio de filmagens em um sistema óptico tridimensional. Para construir esse sistema, eu e mais uma equipe de alunos da pós que também usariam esse sistema nos reunimos e, com base em estudos anteriores, fizemos o sistema preliminar, achando que já daria certo. Foi aí que a novela começou. Com os primeiros sistemas, percebemos alguns itens que não estavam legais como aumento, a cor do LED e a forma como o sistema estava disposto sobre a mesa. Então desmontamos o sistema e montamos outro sistema com as alterações necessárias. Essa última frase pode ser repetida mais 3 vezes, pois a cada nova montagem notávamos defeitos e tínhamos que repensar uma nova configuração do sistema. Até que depois de muitos arranjos e rearranjos e com a ajuda de pesquisadores especialistas nesta parte óptica, conseguimos chegar no sistema definitivo. Nossa, até aqui já se foram alguns meses.
Enfim consegui fazer meus primeiros experimentos. Agora sim, é gerar os resultados e partir para o abraço. Infelizmente, não. Nesta etapa do trabalho eu precisaria filmar as trajetórias que o meu organismo-alvo realizava na coluna de água. O software que tínhamos para que as duas câmeras filmassem ao mesmo tempo travava após 20 segundos de filmagem, o que não era muito representativo para mim. Achamos que era memória do computador, mas mesmo trocando para um computador mais turbinado o software apresentava o mesmo defeito. E agora? Para nossa sorte, nosso laboratório conta com um aluno da ciência da computação que desempenha um trabalho formidável. Para esse problema das filmagens nós trocamos o programa e começamos a utilizar um software que ele desenvolveu. Apesar de não limitar o tempo, esse software não disparava as duas câmeras ao mesmo tempo, então tivemos que utilizar dois computadores. Mas isso era passível de falha humana, pois mesmo que eu tentasse, não conseguia clicar com o mouse ao mesmo tempo nos dois computadores. A solução que encontramos foi utilizar dois microcontroladores que eram disparados por um potenciômetro e então as duas câmeras começavam a gravar ao mesmo tempo. Em meio a todos os testes que íamos fazendo o programa ia sendo modificando de acordo com as nossas demandas. Mais um problema resolvido!
Agora sim é partir para os experimentos. Mas o desafio de trabalhar com organismos vivos é que você depende que o mesmo esteja presente no ponto da coleta. Para meu trabalho, infelizmente, esses ajustes foram concluídos em uma época em que não tinha tantos exemplares para que eu pudesse realizar os meus experimentos. Enquanto isso o jeito era fazer coletas diárias, até que o organismo surgisse e, então, realizar os experimentos. Até aqui vários meses já se passaram, mas eu consegui realizar os experimentos.
Após as filmagens, os vídeos eram tratados por meio de um programa que nos dava como resultado final a trajetória realizada pelo organismo (além das coordenadas e dados numéricos relevantes para o estudo). Mas como esse texto é para relatar as desventuras que aconteceram, você já pode imaginar que alguma coisa aqui também deu errado. Pois bem, o programa que me forneceria as trajetórias do organismo não comportava vídeos tão longos quanto os nossos. Então mais uma vez fomos atrás de nosso “amigo-luz” e ele desenvolveu um software que nos daria a trajetória dos organismos, independente do tamanho do vídeo. Talvez aqui você esteja achando que é fácil desenvolver um programa, mas não é! Ele desenvolve para o objetivo que precisamos, nós testamos, verificamos o que precisa implementar, o que precisa mudar, e por aí vai, até chegarmos no ponto que precisamos e que talvez para outro trabalho ainda esteja sujeito a alterações. Mais um problema resolvido!
Agora sim, tratar os dados e analisar os resultados. Não que esta etapa seja fácil, mas olha quanta coisa foi feita além do que estava escrito no Plano de Mestrado inicial (isso porque contei resumidamente!). Eu não esperava me deparar com tantos desafios. Sabia que não seria trivial, mas também não esperava que nesse período eu tivesse que resolver tanta coisa. Para o mestrado eu precisei ser mais que uma bióloga...aprendi a soldar, fazer ligações elétricas, entender de física, ser técnica de computador, entender um pouquinho de programação e tudo o que foi necessário para que meu trabalho saísse.
Além de tudo o que vai acontecendo, todos os obstáculos da pesquisa, você ainda tem que lidar com sua vida pessoal. Essa parte é complicada! Muitas vezes, por problemas pessoais me senti empacada diante de um monte de coisas pra resolver. Não importa o tamanho do problema, sei que muitos passaram por coisas piores no decorrer de sua pesquisa, mas sendo ela pequena ou grande, é algo que mexe com você e te faz sentir incapaz de avançar (Veja como exemplo nosso post, O que aprendi sobre saúde mental na pós-graduação).
Bem, mas apesar de tudo o que foi contado aqui, eu cheguei ao final do mestrado com o sentimento de dever cumprido. Para mim, é muito importante compartilhar com vocês todas as minhas desventuras, pois mostra o que envolve fazer uma pesquisa...são muitas tentativas, erros e acertos, para no final publicarmos um trabalho lindo, impecável e redondinho. Mesmo com toda a pressão e obstáculos que tive que passar, eu amo o que eu faço e a cada dia tenho mais certeza que fiz a escolha certa, apesar de todos os desafios para chegar até aqui!
E você, qual foi o desafio que você teve que enfrentar na sua pesquisa? Compartilhe com a gente um pouquinho de sua história!
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