Entre o fim do mestrado e o começo do doutorado fiz uma pausa de um ano e meio na qual participei da montagem da Coleção Biológica Prof. Edmundo F. Nonato - ColBio, do Instituto Oceanográfico da Universidade de São Paulo. Foram meses verificando frascos com algum tipo de material biológico, entre peixes, zooplâncton, otólitos, e digitando todas as informações sobre os mesmos no computador, como datas de coleta, locais, profundidades de coleta, o tipo de amostrador usado, a embarcação etc. Foi durante esse período que percebi a importância das coleções científicas, que preservam materiais cuidadosamente coletados para diversos fins, possibilitando inúmeras pesquisas.
Sou suspeita para falar, pois foi durante esse período trabalhando na coleção que observei que havia amostras de ovos e larvas de uma espécie de peixe (Engraulis anchoita) durante vários anos, desde 1974 até 2010, o que me possibilitaria uma análise da distribuição e abundância desses organismos em um longo período de tempo, verificando a influência de fatores ambientais que não podemos analisar com poucos meses de coleta. Citando o que a Silvia Gonsales (nossa ilustradora) me disse, “as coleções armazenam peças com informações relevantes de um quebra-cabeça a ser montado e desvendado pelos pesquisadores”. É por isso que quando ocorre algum acidente, como o incêndio do Instituto Butantã em 2010, não são apenas cobras já mortas que se perdem, mas sim informações relevantes, insubstituíveis, que deixarão buracos nesses quebra-cabeças, que podem se tornar impossíveis de serem montados.
Outra grande importância das coleções biológicas é a economia financeira que podem proporcionar. Muitas vezes não nos damos conta do alto custo de uma saída de campo para uma instituição ou para uma agência financiadora do projeto. A saída fica ainda mais cara se para a realização da mesma for necessário o uso de algum navio de pesquisa, principalmente se a área estudada for muito afastada da costa ou muito grande! Eu mesma, no meu projeto de doutorado não gastei um real com coletas, graças ao material guardado no ColBio.
Agora suponhamos que você faz um trabalho no qual quer saber quais espécies de peixes ocorrem em uma certa região. Você identifica as espécies e na hora da publicação, ou em algum outro momento, algum pesquisador o questiona se você identificou corretamente a espécie X. Se a sua espécie X tiver ao menos um indivíduo depositado (guardado) em alguma coleção biológica, o pesquisador questionador pode analisar por si mesmo o “espécime-testemunho”, ou seja, o indivíduo por você depositado, e comprovar a identificação daquela espécie.
Ou até mesmo quando você está identificando um indivíduo coletado e tem dúvidas quanto à sua classificação. Nessa hora não há nada melhor do que consultar uma coleção científica e analisar as possíveis espécies que seu indivíduo parece pertencer. Incontáveis vezes fui ao Museu de Zoologia da Universidade de São Paulo-MUZUSP durante o meu mestrado para ver indivíduos depositados na coleção ictiológica (de peixes). Se vocês achavam que o museu de uma universidade ou de ciências só tem aquela parte de exposição onde os visitantes circulam livremente, engana-se! Muito maior, e na minha opinião mais importante, são as coleções científicas.
Ah, e se esse museu arquivar o holótipo então, a coleção torna-se ainda mais preciosa. Holótipo ou espécime-tipo é o indivíduo que o pesquisador designou como base no momento da descrição de uma nova espécie. E sim, estamos constantemente descobrindo novas espécies e designando novos holótipos, principalmente no oceano, ainda tão pouco explorado!
Explorando o banco de dados do Museu de História Natural de Londres, achei diversos holótipos do Brasil, dentre os quais citarei um que me chamou a atenção: uma espécie de esponja (leia mais sobre esponjas aqui) coletada em 1996 na região de São Sebastião, SP. Aos curiosos de plantão aqui está o link da coleção científica do Museu de História Natural de Londres. Eu particularmente achei demais ficar pesquisando espécimes coletados por Darwin, Linnaeus, de exemplares coletados no Brasil, que hoje estão guardados em outro continente!
É importante esclarecer que o holótipo nem sempre precisa ser o indivíduo inteiro, principalmente no caso de espécies extintas, cuja descrição é muitas vezes baseada em fósseis (por exemplo, um holótipo de um dinossauro descrito pode ser o fêmur do mesmo). Em alguns casos o holótipo pode até ser uma ilustração!
E por falar em ilustração, a Silvia Gonsales fala rapidamente em seu perfil aqui do blog sobre a importância das ilustrações científicas: “o desenho ajuda os pesquisadores a representarem e/ou explicarem suas ideias com algo além de palavras. Por exemplo, quando uma espécie nova é descoberta, alguém precisa descrevê-la, ou seja, fazer um registro exato de como ela é. O desenho científico complementa e sintetiza esse registro, mostrando todas as suas características importantes que, muitas vezes, não aparecem claramente em fotografias”. Assim, o desenho da espécie descrita auxilia, e muito, os pesquisadores na identificação de uma espécie ou até mesmo do estágio de desenvolvimento no qual ela se encontra. No seu Trabalho de Conclusão de Curso, Silvia Gonsales utilizou desenhos científicos para descrever e caracterizar as fases larvais de uma espécie de peixe (vejam o desenho abaixo como exemplo de 3 estágios). E no post da Claudia Namiki ela mostra como o desenho científico foi utilizado para descrever otólitos (veja aqui). Os originais dos desenhos científicos também ficam depositados em coleções científicas, disponibilizados para consulta de pesquisadores.
O desenho é fácil de ser arquivado e guardado por muito tempo, mas como são guardados os outros materiais? Bem, tudo depende do que está sendo depositado. Os otólitos e ossos apenas precisam estar limpos e etiquetados para serem depositados, as amostras de plâncton normalmente encontram-se em frascos de vidro preservadas em formaldeído 4% e peixes em álcool 70%. Plantas são prensadas, secas em estufas e fixadas em cartolina, chamadas exsicatas, como as da coleção que há no Jardim Botânico de São Paulo e no do Rio de Janeiro. Há também a taxidermia, conhecida popularmente como a atividade de “empalhar”, pois antigamente se utilizava palha para preencher a pele do animal que estava sendo montado. Hoje em dia, usa-se um material semelhante às fraldas, como os animais taxidermizados do Museu de Pesca de Santos. Aposto que muitos aqui nunca pensaram que o animal “empalhado” poderia também ser usado a favor da ciência, não somente utilizado por caçadores para ficar expondo animais em sua sala de estar (credo!).
Fig. 4: Exemplo de peixes fixados em álcool 70%, de aves marinhas taxidermizadas, do esqueleto de uma ave montado (Fotos: Jana M. del Favero) e de uma exsicata (Foto: Richieri Sartori).
Uma das coleções que conheci que mais me fez brilhar os olhos foi a coleção de vidro de flores e de invertebrados marinhos da Universidade de Harvard, parte exposta no Museu de História Natural e no Museu de Zoologia Comparada, da própria universidade. Ambas as coleções foram inicialmente criadas para serem utilizadas em salas de aula, uma vez que nem a planta prensada e nem o animal fixado mostram como o organismo realmente é (na fixação, principalmente de invertebrados, o animal perde a cor e pode deformar). No caso do organismo de vidro, mesmo estando muito perto, eu juraria que era de verdade, e olha que os modelos foram feitos entre 1887 e 1936. Uma obra de arte a favor da academia! Mais informações sobre a coleção de flores de vidro podem ser obtidas aqui e sobre os invertebrados marinhos aqui. No final de ambas as páginas há um filminho com imagens belíssimas, contando a história e como foram feitos esses organismos de vidro.
Fig. 5. Organismos de vidro da coleção do Museu de História Natural da Universidade de Harvard. Foto: Jana M. del Favero.
Os museus podem guardar ainda preciosidades bibliográficas em suas coleções, como por exemplo, livros com as descrições de Carolus Linnaeus, um dos pesquisadores pioneiros na identificação de animais, considerado o “pai da taxonomia”, mantidas pelo Museu de Zoologia da Universidade de São Paulo.. Este material é tão raro e de grande relevância que é preciso ser manuseado com luvas.
Uma pesquisa recente relatou que apenas 12% dos entrevistados visitaram um museu de ciência e tecnologia nos últimos 12 meses. Apesar de baixo, essa porcentagem aumentou se comparado com a mesma pesquisa em 2006, na qual apenas 4% afirmaram terem visitado um museu no último ano, e 8% em 2010. Entre os que não foram à nenhum museu, apenas 14,2% justificaram com a falta de interesse, sendo que 32,2% não tiveram tempo e 31,1% afirmaram que só não foram pois não existe nenhum em sua região. Segundo o site que divulgou a pesquisa, o fato demostra muito mais a falta de acesso ao museu, ou de conhecimento sobre o mesmo, do que a falta de interesse, mostrando que a oferta é restrita e a informação é esparsa (Fonte).
Então, após as curiosidades apresentadas aqui, que tal planejar uma ida ao museu e tentar enxergá-lo de um modo diferente?!
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