As unidades de Conservação (UCs) são áreas naturais protegidas por lei, essenciais para a conservação da biodiversidade. Além de abrigar os mais diferentes ecossistemas, elas desempenham um importante papel para o bem-estar da sociedade pois em seu espaço podem ser desenvolvidas atividades controladas de uso público, sejam de cunho científico, educativo ou recreativo.
Contudo, somente a criação de unidades de conservação não é suficiente para assegurar um patrimônio natural. É necessário geri-las de modo eficaz para conservação dos recursos nelas existentes (Faria, 2004), o que seria mais ou menos equivalente a manter a sua casa arrumada, limpa e funcional. Criar unidades de conservação sem a perspectiva de implantá-las provoca inúmeros problemas regionais, prejudicando a relação das instituições mantenedoras (por exemplo o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade – ICMBio e Fundação Florestal - FF) e da unidade propriamente dita com as comunidades locais, resultando na insatisfação regional e no desgaste do nome e imagem institucionais (Artaza-Barrios, 2007).
Segundo Terborgh e Schaik (2002), uma grande fração das unidades de conservação no mundo representa os chamados “parques de papel”, ou seja, nunca foram realmente implementantadas e não há sequer diretrizes que auxiliem na gestão e manejo adequados. Visando eliminar os riscos da criação de "parques de papel" no Brasil, criou-se o Sistema Nacional de Unidades de Conservação – SNUC, um conjunto de diretrizes e procedimentos oficiais onde foram estabelecidas as categorias de manejo e suas respectivas características (detalhes sobre essas categorias aqui).
De acordo com o Panorama da conservação dos ecossistemas costeiros e marinhos no Brasil (disponível aqui), no ano de 2010 foram contabilizados 222 UCs criadas nas zonas costeiras e marinhas, sendo 102 federais e 120 estaduais. Apenas 1,57% dos 3,5 milhões de quilômetros quadrados de mar sob jurisdição brasileira está sob proteção em unidades de conservação. Se aos valores estimados para a Zona Marinha forem adicionadas às estimativas para a Zona Costeira, o percentual sobe para 3,14%, que corresponde a pouco mais de 31% da meta fixada pela Comissão Nacional de Biodiversidade (Conabio), que é uma comissão criada com objetivo de proteger ao menos 10% de sua área marinha e costeira.
Dentre toda a costa brasileira, a região do Estado de São Paulo é a que mais sofre ações antrópicas (alterações realizadas pelo ser humano), principalmente por causa da pressão imobiliária. Além disso, o litoral de SP está cada vez mais visado devido à sua localização estratégica em relação aos grandes polos industriais do país e à conexão com sistemas portuários para importação e exportação. Destaca-se ainda o fato das descobertas de petróleo na Região do Pré-sal na Bacia de Santos atraírem não só profissionais da indústria de exploração de óleo e gás, mas também indústrias e empreendimentos rodoviários, ferroviários etc.
Já dentro do Estado de São Paulo, o município de Bertioga é uma das poucas áreas ainda preservadas, mesmo estando localizado próximo a centros urbanos e no movimentado eixo Rio - São Paulo. Esta região constitui um importante corredor biológico entre ambientes marinho-costeiros, representados pela restinga e pela Serra do Mar, formando assim uma área contínua cuja proteção é fundamental para garantir a preservação dos processos ecológicos e fluxos gênicos. Assim, baseando-se na relevância biológica da área e buscando, principalmente, a preservação da mesma, em outubro de 2010 o Conselho Estadual do Meio Ambiente – Consema, após anos de discussão e de análises das diferentes propostas apresentadas por órgãos distintos, aprovou a criação de um mosaico constituído em sua maioria pelo Parque Estadual Restinga de Bertioga - PERB e por uma Área de Relevante Interesse Ecológico - ARIE. O PERB foi oficialmente criado pelo Decreto Estadual nº 56.500, de 9 de dezembro de 2010 (mais informações sobre o PERB aqui).
E foi exatamente neste mesmo ano, em 2010, que eu estava cursando uma especialização em Gestão Ambiental no Senac e precisava fazer o trabalho de conclusão de curso (TCC). Me juntei com um grupo de mais 3 pessoas de diferentes áreas: a Bárbara Banzato - oceanógrafa, o José Augusto Auroca - sociólogo, e a Juliana Carbonari - turismóloga, e não tivemos dúvidas sobre qual área estudar, o PERB!
Na época fazia-se necessária a implantação urgente de programas de gestão ambiental integrada que garantissem o pronto estabelecimento do PERB e a participação popular ativa nas questões ambientais, evitando assim a criação de mais um parque de papel. Deste modo, para contribuir com a elaboração do plano de manejo da UC em questão, realizamos um diagnóstico ambiental da área do PERB e seu entorno através de uma análise crítica do cenário atual do parque, identificando os pontos fortes e fracos da área e as possíveis ameaças e oportunidades para o parque.
Utilizamos dois métodos, SWOT (sigla em inglês para Pontos Fortes, Pontos Fracos, Oportunidades e Ameaças – Strengths, Weaknesses, Opportunities and Threats) e GUT (sigla para Gravidade, Urgência e Tendência), para analisar 18 questionários obtidos através de entrevistas com pessoas-chave ligadas à criação do PERB. As principais potencialidades apontadas pelos métodos foram: abundância dos recursos naturais, localização estratégica do PERB, mosaico com diferentes UCs, bom estado de conservação de diferentes ecossistemas, preservação da área, desenvolvimento de pesquisas e potencial ecoturístico. Já as ameaças mais importantes foram: proximidade com centros urbanos, inexistência de infraestrutura, influência de rodovia federal, caça, pesca, ocupação irregular e turismo desordenado.
Esquerda: Foz do rio Itaguaré / Direita: Vista aérea da região.
Fotos: Adriana Mattoso. Fonte
Esquerda: Foz do rio Itaguaré - Direita: Colhereiros em manguezal da região
Fotos: Adriana Mattoso. Fonte
O trabalho foi relevante em dois aspectos: ao representar a primeira iniciativa de análise do PERB apontando suas forças restritivas e propulsoras mais críticas que podem vir a auxiliar na gestão efetiva do parque e ao utilizar metodologias de fácil uso para analisar UCs, mostrando que elas podem auxiliar em sua gestão efetiva (o trabalho publicado pode ser obtido aqui).
Hoje, fazendo uma pesquisa rápida sobre o PERB, vi que eles abriram no começo deste ano (2015) duas novas trilhas, desenvolvendo práticas do ecoturismo para fins de recreação e educação ambiental (informações aqui). Me alegrei ao ver que, ao que me parece, o PERB não será apenas mais um “parque de papel”.
Bibliografias citadas:
ARTAZA-BARRIOS, O.H. Análise da Efetividade do Manejo de duas Áreas de Proteção Ambiental do Litoral Sul da Bahia. Revista de Gestão Costeira Integrada, v. 7, n.2, p. 117-128. 2007.
BANZATO, B. M. ; FAVERO, J. M. ; AROUCA, J. A. C. ; CARBONARI, J. H. B. . Análise ambiental de unidades de conservação através dos métodos SWOT e GUT: O caso do Parque Estadual Restinga de Bertioga. Revista Brasileira de Gestão Ambiental, v. 6, p. 38-49, 2012.
FARIA, H.H. Eficácia de gestão de unidades de conservação gerenciadas pelo Instituto Florestal de São Paulo, Brasil. 2004. 401f. Dissertação (Doutorado em Geografia) – Universidade Estadual de São Paulo, 2004.
TERBORGH, J.; SCHAIK, C. V. Por que o mundo necessita de parques? In: Tornando os parques eficientes: estratégias para conservação da natureza nos trópicos. Curitiba: Universidade Federal do Paraná, 2002.
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