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- A academia me fez dura, mas a docência me devolveu a humanidade…
Por Ju Leonel Ilustração de Joana Ho Entrei na faculdade e, no segundo dia, já sabia que queria seguir a área acadêmica - anos depois, descobri na terapia que na verdade desde a infância queria ser pesquisadora, só nunca tinha visto uma e não sabia nomear essa carreira. Fiz iniciação científica, adorei fazer meu TCC (Trabalho de Conclusão de Curso, para os menos íntimos), fiz doutorado e fui pós-doutoranda duas vezes. Sabia "tudo" sobre fazer pesquisa - ênfase nas aspas, porque se tem uma coisa que aprendemos na ciência é que nunca, jamais sabemos tudo…. Mas tinha pouca experiência na docência. Nos pós-doutorados, tive a oportunidade de ministrar minhas primeiras disciplinas sozinha (na pós-graduação) e algumas experiências compartilhadas na graduação. Mas tudo que eu sabia sobre "dar aula" era a partir da minha experiência como aluna, ou seja, nunca aprendi nada sobre didática de ensino, não sabia nem que precisava (ou como) fazer um plano de ensino - na minha época, professores davam aula sem nos mostrar um cronograma ou objetivos das disciplinas e, algumas semanas antes, avisavam quando seria a prova (geralmente de bastante decoreba e nem um pouco de pensar). Mais do que isso, a ideia que construí ao longo da minha formação é de que precisava ser exigente e cobrar muito. Não podia dar moleza, mudar os combinados ou abrir exceções. Afinal de contas, "se você não dá conta, aqui não é o seu lugar". Como fui ingênua e cega… a vida é tão mais que apenas dois extremos, há tantas nuances, e com elas tantas possibilidades. Apesar disso, posso dizer que sempre tive um bom relacionamento com os estudantes, ou a maioria deles. Apesar de não ter tato para as relações interpessoais, dava uma boa aula, com conteúdos atualizados e nunca me recusava a explicar de novo e de novo a matéria. No entanto, a docência é muito mais do que isso. E foram os estudantes que - felizmente - me ensinaram isso. E o fizeram sem nem eu mesma perceber direito, fizeram mostrando que cada um é único, que as histórias de vida são individuais, que o que carregam juntos de si quando entram na sala de aula é muito mais que apenas o lápis e o caderno e que é impossível - para eles e para mim - ignorar isso. As preocupações, aflições, e até mesmo as alegrias, não ficam do lado de fora da sala esperando a aula acabar: elas vão junto e moldam cada um deles. É isso que os faz tão especiais, tão únicos. E eu, como docente, não posso querer colocar todos na mesma caixa e esperar os mesmos resultados. Além de aprender a respeitar a individualidade de cada um - sem precisar necessariamente saber sobre ela -, eu aprendi que não preciso ser como os professores que tive ou que podia me inspirar naqueles que foram exceção a regra e que saíam da caixinha de "aula - prova". Aprendi que podia mudar também o formato das aulas e das avaliações para que cada um pudesse dar o seu melhor. Aprendi que podia dar liberdade para eles me mostrarem o que aprenderam (ou não aprenderam). Aprendi a ouvir e a observar mais. Não, isso não foi um processo fácil. Precisei encarar que "aquilo tudo" em que acreditava podia não ser a melhor forma de encarar o ensino. Depois de aceitar que uma mudança era necessária, precisei estudar e fui aos poucos aplicando, testando novas formas. Mas mais importante que os novos métodos de ensino, foi me abrir para entender os estudantes para além daquele indivíduo sentado na minha frente segurando um lápis. E a partir daí, novos laços se formaram e a sala de aula - que já era um local em que me sentia bem - fez muito mais sentido. Hoje, a cada semestre, aprendo mais e levo comigo a certeza de que ensinar, além de um processo de duas vias, é também um processo dinâmico e em constante mudança. E como tal, está longe de ser um processo finalizado. Ainda há muito o que aprender. Esse aprendizado foi além da sala de aula, porque me ajudou nos relacionamentos com meus orientandos também. Aliás, eles também tiveram papel importante nessa mudança. Ao me permitir essa aproximação e ao ouvir suas experiências, dores e aflições eu me dei conta que essa relação nunca é somente de sala de aula, de bancada ou de escrever um trabalho em conjunto. Todos deixamos um pouco de nós por onde passamos e levamos um pouco de quem passou pelo nosso caminho. #VidaDeCientista #Docência #JulianaLeonel #Aprendizado
- Gramas Marinhas: Os canários do mar
Por Juliana Imenis, Juliana Nascimento, Larissa de Araujo, Natalia Pirani, Otto Muller and Paula Keshia No início do século XX, era comum encontrar trabalhadores de minas de carvão carregando uma gaiola com um canário para o trabalho. Esta cena era tão frequente que acabou se tornando um clichê. Estas pequenas aves salvaram a vida de muitos mineiros, pois quando silenciavam era um sinal de alerta de um possível vazamento de gás. Um alarme soava e a mina era evacuada. Podemos denominar esses canários levados às minas como bioindicadores, ou seja, organismos que nos indicam um possível problema ambiental, através de seu comportamento ou estado de saúde. O sacrifício dos canários felizmente ficou para trás, e hoje existem muitos outros bioindicadores que não precisam ser sacrificados para nos avisar sobre possíveis desastres. Alguns organismos são extremamente sensíveis à poluição e às alterações do hábitat, e suas populações tendem a diminuir ou mesmo desaparecer assim que ocorrem modificações no ambiente. Outros, no entanto, são bastante tolerantes às más condições ambientais e muitas vezes apresentam um grande crescimento de sua população em locais onde a qualidade ambiental seria inadequada para a maioria das espécies. Um desses indicadores são as fanerógamas marinhas, também conhecidas como gramas marinhas (do inglês seagrass). Ilustração de Joana Ho Este grupo bem particular de plantas cresce no fundo do mar, possui folhas alongadas e eretas e caules subterrâneos denominados rizomas, podendo viver inteiramente imerso na água, e está presente nas águas costeiras de praticamente todos os continentes. Apesar de serem conhecidas como “gramas marinhas”, este grupo está mais próximo dos lírios e gengibres do que das gramíneas (Figura 1). Compõe a dieta de peixes-bois e tartarugas e fornecem habitat para uma grande variedade de animais marinhos (Figura 2), alguns dos quais comercialmente importantes como peixes e crustáceos. Embora seja difícil quantificar, as gramas marinhas possuem um grande valor econômico agregado, estimado em até 2 milhões de doláres por ano. Também possuem a importante função de estocar carbono na sua biomassa e nos sedimentos, contribuindo como depósito de dióxido de carbono (CO2) do planeta, além de promoverem a reciclagem de nutrientes, proteção da costa e a melhoria da qualidade da água. No Brasil, apesar das informações serem controversas e da necessidade de estudos genéticos para se diferenciar corretamente as espécies, são reconhecidas, até o momento, cinco espécies de gramas marinhas (Figura 3): Halodule wrightii Ascherson; Halodule emarginata Hartog; Halophila baillonii Ascherson; Halophila decipiens Ostenfeld e Rupia maritima Linnaeus. As gramas marinhas são consideradas ótimas indicadoras da qualidade ambiental, pois são extremamente sensíveis às variações de luminosidade e disponibilidade de nutrientes. No cenário atual de mudanças climáticas, vários impactos vem ocorrendo sobre o ambiente marinho, como o aumento das temperaturas médias globais da superfície oceânica, o aumento do nível médio do mar, a alteração do pH dos oceanos (acidificação da água) e alterações na circulação de correntes oceânicas. Essas são algumas das rápidas mudanças no ambiente marinho que têm sido evidenciadas pelos cientistas e suas consequências são ainda pouco compreendidas, pois muitos são os fatores envolvidos na interação entre o ambiente, as comunidades biológicas e os organismos que as compõem, sendo difícil a elaboração de previsões (Figura 4). Como as gramas marinhas exigem condições ambientais específicas, como baixa turbidez e alta incidência de luz, estão sofrendo uma redução local ou até mesmo o desaparecimento total em algumas regiões, indicando que as mudanças ambientais globais e os impactos antropogênicos locais estão ocorrendo muito rapidamente e simultaneamente, não havendo tempo hábil para os organismos responderem às novas condições. A essa capacidade dos ecossistemas responderem aos impactos e retornarem as suas condições originais os cientistas denominam de resiliência. Alterações na biodiversidade dos ecossistemas podem reduzir a resiliência dos mesmos. Embora o tipo e o grau do impacto possam variar de acordo com a localização geográfica das gramas marinhas, algumas hipóteses foram levantadas pela Rede de Monitoramento de Habitats Bentônicos Costeiros (ReBentos), sobre como as mudanças climáticas podem afetá-las: (1) o aumento da concentração de nutrientes, devido ao aumento da quantidade de chuvas, pode causar mudanças na composição da comunidade, favorecendo o aparecimento de espécies oportunistas, o que pode ser danoso para as espécies locais; (2) mudanças na temperatura superficial do mar podem afetar espécies tropicais, favorecendo a extensão e o deslocamento de seus limites de ocorrência em direção a latitudes mais elevadas; (3) eventos extremos, como cheias e tempestades, podem causar a redução e o desaparecimento das gramas marinhas de maneira brusca e rápida; (4) o aumento da quantidade de material de origem continental nos estuários pode afetar a abundância e a composição das comunidades, devido ao aumento da turbidez e mudanças na salinidade. Por outro lado, a redução de chuvas e/ou o aumento da penetração da água do mar em direção ao continente pode aumentar ou alterar a área de ocupação das gramas marinhas localizadas em área estuarinas; e finalmente (5) ondas de calor derivadas de eventos extremos por dias ou semanas podem reduzir ou mesmo dizimar bancos em áreas rasas. Como exemplo de evidências que embasam estas hipóteses, podemos citar o estudo publicado na revista científica Journal of Experimental Marine Biology and Ecology pelos biólogos Ricardo Coutinho (Brasileiro) e Ulrich Seeliger, que em 1984 observaram que a espécie R. maritima, embora tolerante a condições eutrofizadas, foi sombreada por epífitas e macroalgas que cresceram devido ao excesso de nutrientes na água. Estes organismos se emaranham nesta espécie de grama marinha, causando redução de sua taxa fotossintética e aumentando o arrasto das mesmas, facilitando seu desprendimento quando sujeitas à ação de ondas e correntes. Outro exemplo, foi o estudo publicado na revista científica Marine Ecology por Frederick T. Short e colaboradores, que em 2006 observaram a redução de H. wrightii por conta do movimento do sedimento, resultado de tempestades mais fortes e frequentes, que provocam o soterramento do banco e o desaparecimento da grama marinha. Assim, como já mencionado por outros autores, podemos considerar as gramas marinhas como os “canários do mar”, em alusão aos canários das minas e à sua importância no diagnóstico da saúde do ambiente em que vivem e também como indicadores das mudanças climáticas que o planeta vem sofrendo. Certamente, a perda destes ecossistemas trará não apenas prejuízos econômicos, mas também a perda de um valor difícil de ser mensurado, que é o da biodiversidade no planeta. Para saber mais: COPERTINO, M.S.; CREED, J.C.; MAGALHÃES, K.M.; BARROS, K.V.S.; LANARI, M.O.; ARÉVALO, P.R.; HORTA, P.A. (2015). Monitoramento dos fundos vegetados submersos (pradarias submersas). IN: TURRA, A.; DENADAI, M. R.. Protocolos de campo para o monitoramento de habitats bentônicos costeiros - ReBentos, cap. 2, p. 17-47. São Paulo: Instituto Oceanográfico da Universidade de São Paulo. Disponível em: . Acesso em: 04 nov. 2015. MARQUES, L. V.; CREED, J. C.(2008). Biologia e ecologia das fanerógamas marinhas do Brasil. Oecologia Brasiliensis, v. 12, n. 2, p. 315 - 331. MCKENZIE, L.(2008). Seagrass Educators Handbook. Cairns: Seagrass Watch-HQ. Disponível em: . Acesso em: 30 out. 2015. MCKENZIE, L (2009). Coastal Canaries. Seagrass Watch, v.39, p. 2-4. Disponível em: . Acesso em: 03 nov. 2015. Sobre os Autores: Juliana Imenis Barradas, CCNH-UFABC, doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Evolução e Diversidade, bióloga, mestre em Zoologia (UFPB). juliana.imenis@ufabc.edu.br, http://lattes.cnpq.br/4843331968538355 Larissa de Araujo Kawabe, CCNH-UFABC, mestranda do Programa de Pós-Graduação em Evolução e Diversidade, bióloga. http://lattes.cnpq.br/7133427266626274 Juliana Nascimento Silva, CECS-UFABC, graduanda em Engenharia Ambiental e Urbana (UFABC) http://lattes.cnpq.br/5975285955317582 Paula Keshia Rosa Silva, CCNH-UFABC, mestranda em Evolução e Diversidade (UFABC) http://lattes.cnpq.br/9557245804556650 Natalia Pirani Ghilardi-Lopes, CCNH-UFABC, professora adjunta, bióloga, doutora em Botânica (USP), http://lattes.cnpq.br/8457066927181345 Otto Müller Patrão de Oliveira, CCNH-UFABC, professor adjunto, biólogo, doutor em Zoologia (USP), http://lattes.cnpq.br/7304237172635774 #biologiamarinha #convidados #gramasmarinhas #joanaho #julianaimenis #juliananascimento #larissadearaujo #nataliapirani #ottomuller #paulakeshia
- Maré vermelha: “nunca vi, nem comi, eu só ouço falar!”
Por Beatriz Figueiredo Sacramento e Juliana Ribeiro de Mesquita Coêlho Ilustração de Luiza Soares Muito se fala sobre a maré vermelha, mas pouco se sabe sobre isso, especialmente na costa do Brasil. No nosso imaginário, conseguimos relacionar a maré vermelha a algo ligado ao oceano, quando a água apresenta mudança de cor ou “mau” cheiro, e quando apresentamos alguns sintomas depois de ir à praia. Além disso, quando ela ocorre, geralmente há a proibição de se comer mariscos, ostras ou peixes por um determinado período de tempo. Mas afinal, o que é maré vermelha? A “maré vermelha” é um fenômeno conhecido pelo crescimento excessivo de microrganismos produtores, que vivem no plâncton ou no bentos, ocasionando uma explosão populacional (também conhecida como floração ou bloom). Embora esses organismos sejam pequenos demais para serem visíveis a olho nu, eles crescem em concentrações tão altas, que mudam até a cor da água, que pode ficar marrom, verde ou vermelha. Mas esse fenômeno não tem nada a ver com a maré! Portanto, o termo correto é “Floração de Algas Nocivas” (FANs), o qual foi mencionado pela primeira vez em 1974, durante a 1ª Conferência Internacional de Florações de Dinoflagelados Tóxicos. Os protagonistas das FANs são organismos que compõem o fitoplâncton ou a comunidade perifítica (organismos que vivem associados a substratos), em sua maioria do grupo dos dinoflagelados e cianobactérias. São microrganismos unicelulares, capazes de realizar fotossíntese, sendo encontrados em meios aquáticos ou úmidos de diversos ecossistemas (Leia mais sobre isso aqui). Ostreopsis cf. ovata (esquerda) – dinoflagelado epibentônico produtor de toxinas coletado em associação com Sargassum sp., no Parque Natural Municipal Marinho do Recife de Fora, Porto Seguro Bahia. Fonte: Laboratório de Estudos Planctônicos e Divulgação científica (LEPLAD/UFSB) com licença CC 4.0 BY SA. Prorocentrum lima explorando o ambiente pelo batimento flagelar (dinoflagelados possuem dois flagelos) e sendo “atropelado” por algum coleguinha apressado. As florações podem ocorrer de forma natural nos mais diversos ambientes aquáticos, sendo essenciais para a produtividade primária desses sistemas. No entanto, são consideradas nocivas (FANs) quando causam impacto ambiental, como formação de manchas, produção de muita espuma na praia, provocam a morte de peixes, aves e baleias ou quando prejudicam a saúde humana, sendo uma ameaça à saúde pública. A temperatura, a luminosidade e os nutrientes disponíveis são fatores que influenciam diretamente no crescimento desses microrganismos. Assim, as condições climáticas e as estações do ano influenciam o desenvolvimento de florações, pois o aumento da incidência de luz solar, a baixa intensidade de ventos e águas quentes e calmas, são usualmente condições favoráveis para o rápido crescimento dessas microalgas. A poluição dos corpos d’água também pode influenciar as FANs, uma vez que o excesso de nutrientes disponíveis (provenientes da agricultura, chuvas, esgoto não tratado, etc.) no meio aquático é um prato cheio para esses organismos. Assim, as condições físico-químicas e biológicas do habitat são alteradas, acarretando em uma série de efeitos negativos em toda a cadeia alimentar. As ficotoxinas, toxinas produzidas por algas e cianobactérias, podem se tornar um problema de saúde pública a partir do contato com a toxina aerolizada durante uma floração ou quando entram na cadeia trófica. Assim, o consumo de mariscos (como ostras e mexilhões) e de peixes que se alimentam desses organismos produtores de toxinas podem causar intoxicação em humanos. As substâncias produzidas pelas cianobactérias são agrupadas em neurotoxinas e hepatotoxinas. Os sintomas das hepatotoxinas incluem fraqueza, náusea, diarreia, vômito e extremidades do corpo frias, enquanto os sintomas das neurotoxinas englobam convulsão, fadiga, tonturas e contrações musculares. A depender da quantidade de toxina ingerida, podem levar à morte por parada respiratória. Já algumas espécies de dinoflagelados, podem produzir toxinas muito potentes, que podem acarretar na morte de peixes e mariscos durante as florações de espécies tóxicas. As principais doenças causadas pelo consumo de dinoflagelados tóxicos (a partir do consumo de mariscos ou peixes contaminados) são o envenenamento diarréico de marisco (vômito, diarreia, náusea, cólicas), ciguatera (náuseas, vômitos, diarreia forte e dor abdominal, mas problemas cardiovasculares e/ou neurológicos também podem aparecer) e envenenamento de marisco paralisante (potencialmente letal, os sintomas incluem náuseas, vômitos, diarreia, dor abdominal, formigamento ou dormência ao redor da boca e lábios, pode espelhar para pescoço e face, ser acompanhado por dor de cabeça, dor abdominal, náusea, vômito, diarréia e uma ampla variedade de sintomas neurológicos). As FANs podem causar uma série de impactos nos ecossistemas aquáticos, tanto marinhos quanto dulcícolas. Pois além da produção de compostos tóxicos, pode ocasionar redução da taxa de oxigênio dissolvido na água - devido à alta taxa de respiração dos organismos fitoplanctônicos e bacterianos (durante o processo de decomposição da floração), entre outros, que afetam diretamente a saúde dos organismos presentes neste ambiente. Consequentemente, os animais dessa região partem em busca de águas com melhores condições ou morrem. Além disso, as FANs atingem diversas atividades comerciais como a aquacultura, as atividades pesqueiras e o turismo. Em regiões que se beneficiam do turismo de “Sol e Mar” e dependem da balneabilidade de suas praias, por exemplo, alterações em relação ao odor e visual do mar podem diminuir a atratividade para os turistas. Agora que você já sabe um pouco mais sobre a maré vermelha, ops, maré vermelha florações de algas nocivas (FANs), se perceber mudanças na coloração ou cheiro da água, evite permanecer no local. E se você sentir sintomas fortes, como os descritos acima, quando estiver na praia, ou logo após consumir peixes ou mariscos, fique em alerta e busque a unidade de saúde mais próxima de você. Referências ou sugestões de leitura: COSTA, Ivaneide Alves Soares et al. Florações de Algas Nocivas: Ameaça às Águas Potiguares. FAPERN, Natal, v. 1, ed. 4, p. 14-16, 2006. LEAL, Ricardo Ferreira; BRAGA, Ana Carolina da Silva. Florações de Algas Nocivas (FANs): Um desafio prático em Oceanografia Costeira. 2013. Disponível em: https://www.researchgate.net/publication/260792836_Floracoes_de_Algas_Nocivas_FANs_Um_desafio_pratico_em_Oceanografia_Costeira . Acesso em: 1 maio 2023. SCHLEMPER, Susana Regina de Mello. As cores das marés: A construção cultural do conhecimento sobre as marés vermelhas. 2002. 245 f. Tese (Doutorado em ciências humanas - sociedade e meio ambiente) - Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2002. SOUZA, Ediane de Carvalho da Silva; MELLO, Sílvia Conceição Reis Pereira; FILHO, José Teixeira de Seixas. A eutrofização das águas causa malefícios à saúde humana e animal. Semioses, [s. l.], v. 8, ed. 1, p. 44-51, 2014. BATISTA, Paulo; LUIZ, José; MUCCI, Negrão; et al. Cianobactérias como indicadoras de poluição nos mananciais abastecedores do Sistema Cantareira. 2010. Dissertação (Mestrado) – Curso em Saúde Pública, Universidade de São Paulo, São Paulo. 116 p. Disponível em: https://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/6/6134/tde-08112010-095522/publico/PauloBatista.pdf. Acesso em: 24 de fev. de 2022. BRASIL. MINISTÉRIO DA SAÚDE. Cianobactérias/Cianotoxinas Procedimentos De Coleta, Preservação E Análise. Brasília, 2015. 106 p. Disponível em: https://cupdf.com/document/cianobacterias-cianotoxinas-procedimentos-de-coleta-preservacao-e-analise.html. Acesso em: 25 jun. 2022. MAGALHÃES, Karoline. (2014). Microalgas: ecologia, biodiversidade e importância. In book: IV Botânica no Inverno. p.35-47. Disponível em: https://www.researchgate.net/publication/313302649_Microalgas_ecologia_biodiversidade_e_importancia. Acesso em: 11 de fev. 2022. Sobre as autoras: Beatriz Figueiredo Sacramento Sou Bacharela Interdisciplinar em Ciências pela Universidade Federal do Sul da Bahia e atualmente faço parte do curso de Oceanologia na mesma Universidade. A Interdisciplinaridade da Oceanologia e a vontade de entender como o oceano funciona foram o que me fizeram escolher o curso. Tenho interesse na área física e biológica da Oceanologia. Juliana Ribeiro de Mesquita Coêlho Graduanda em oceanologia pela Universidade Federal do Sul da Bahia. Apaixonada pelo oceano e com maior afinidade na área física e biológica. Atualmente, sou bolsista de iniciação científica no Laboratório de Ecologia e Conservação Marinha (LECOMAR- UFSB). Estudar oceanologia sempre foi um sonho e estar realizando-o agora, tem sido algo que me deixa muito feliz. #descomplicando #marévermelha #floraçõesdealgasnocivas #convidados #saúdepública
- Peixe-lua: um gigante vagando pelo oceano
Por Camila Tiemi Matino Ilustração de Joana Ho Que tal conhecer um pouco sobre o peixe-lua? Esse peixe elegante, enigmático e estranho ao mesmo tempo. Mas para que falar sobre esse peixe? Ele tem alguma relevância ecológica, importância econômica, ou eles só ficam derivando no oceano? Bom, vamos começar apresentando essas complexas criaturas. Os peixes-lua são espécies da família Molidae, que consiste em três gêneros e cinco espécies. As espécies mais conhecidas pela maioria das pessoas pertencem ao gênero Mola: são grandes, têm o corpo arredondado e coloração acinzentada. Os peixe-lua são encontrados em águas tropicais e temperadas ao redor do mundo e ocupam o posto de maior peixe ósseo sobre o qual existem informações de tamanho. Não é muito difícil de identificar um peixe-lua, já que eles possuem um corpo de formato bem peculiar (difícil mesmo é identificar em nível de espécie!). Esses organismos têm características bem específicas, tanto na fase larval, quanto na fase adulta. As larvas eclodem com menos de 2,0 mm de comprimento, seu corpo é redondo e com vários espinhos (parecido com uma mamona), têm nadadeiras peitorais, dorsal, caudal e anal, e são plânctônicas. Larva de peixe-lua. Foto: Érico S. L. G. dos Santos e Henrique Grande. Todos os direitos reservados. Peixe-lua. Fonte: U.S. National Oceanic and Atmospheric Administration. Domínio Público. Conforme se desenvolve, seu formato muda drasticamente: seus espinhos desaparecem, o corpo ganha uma forma circular e achatada lateralmente, com as nadadeiras dorsal e anal bem proeminentes, e uma estrutura que substitui sua nadadeira caudal, chamado clavus. Quanto ao crescimento, eles podem aumentar em torno de 60 milhões de vezes sua massa corporal inicial, até chegar em sua fase adulta. Em 20 anos o peixe-lua chega a medir 3,0 m de comprimento e pode pesar mais de uma tonelada! No entanto, ser tão grande assim no oceano não é muito vantajoso: além de serem presas de orcas e leões marinhos, muitos peixes-lua são capturados acidentalmente nas redes de pescas. O que acaba sendo o fator que mais impacta na abundância desses peixes. Peixe-lua capturado em Santa Catalina, Califórnia, em abril de 1910. Foto: P.V. Reyes Domínio público. A dificuldade de identificar esses peixes em nível de espécie se mostrou, ao longo dos anos e ainda hoje, que é um grande desafio. Durante o século XIX, a família Molidae tinha mais de 50 espécies com 19 gêneros. Mas, em 1951, o ictiólogo britânico Alec Fraser-Brunner tomou as rédeas da taxonomia dessa família e sugeriu que o gênero Mola teria apenas duas espécies, o famoso Mola mola (encontrado ao redor do mundo) e o Mola alexandrini (que seria a espécie que substituiria a espécie M. mola no oceano Pacífico Sul). Durante 60 anos, essa foi a taxonomia aceita. Porém, sabendo-se de uma possível confusão taxonômica em sua história, muitos cientistas ficaram intrigados com essa família, especificamente com o gênero Mola. Foi aí, que, em 2017, a cientista Marianne Nyegaard descreveu uma nova espécie, a Mola tecta. Em sua tese, Nyegaard revisou alguns indivíduos preservados em museus e identificou uma grande quantidade de espécimes que estavam classificadas erroneamente. Como Mola mola era a mais comum dentre as espécies de peixe-lua, os pescadores não pensavam duas vezes antes de identificá-los como M. mola quando quando eram pescados acidentalmente. Essas pescas se mostraram bastante impactantes na abundância desses peixes, tanto que atualmente M. mola é considerada uma espécie vulnerável. Mas será mesmo que é essa a espécie que está vulnerável? Há a possibilidade de que outra espécie de Mola esteja vulnerável? Como as espécies são muito parecidas morfologicamente, elas requerem um procedimento mais detalhado para identificá-las, tais como a contagem de raios das nadadeiras peitorais, dorsal e anal, e, principalmente, a contagem dos ossículos do clavus (aquela estrutura que substitui sua nadadeira caudal, lembra?), e, para aperfeiçoar ainda mais a identificação, é necessária uma análise genética. Assim, é comum que as pessoas se confundam e acabem identificando as diversas espécies como Mola mola, a espécie mais conhecida, inclusive em diários de bordo. Se a identificação dos adultos já é difícil, imaginem quão difícil é a identificação das larvas tão diminutas de peixe-lua. Atualmente, não existem trabalhos publicados para que haja uma distinção morfológica das larvas do gênero Mola. Peixe-lua e seu esqueleto, observe a modificação das nadadeiras dorsal e anal, formando o clavus. Fonte: Nol Aders, com modificações por PaladinWhite. Essas criaturas enigmáticas, apesar de grandes quando adultas, não representam nenhum perigo aos humanos, que, muitas vezes, confundem suas nadadeiras dorsais com as de um tubarão, quando eles vão à superfície. Os peixe-lua até permitem uma grande aproximação de outras espécies, inclusive a espécie humana. E por serem tão grandes, acabam virando hospedeiros de muitos parasitas externos (o que pode vir a incomodar em um certo ponto). Para se livrarem desse incômodo utilizam-se de dois métodos conhecidos: o primeiro é ir a locais mais rasos, como recifes, que abrigam uma infinidade de espécies que os ajudam na remoção dos parasitas. E o outro, é de ir à superfície, onde acontece uma interação com as aves marinhas, que se alimentam desses organismos parasitas incrustados ao longo de seu corpo. Peixe-lua na superfície do mar na baía de Walvis (Namibia). Foto: H.-U. Küenle/CC-BY-SA-4.0 Ao contrário do que muitos pensam, seu modo de vida é bem ativo. Eles são organismos predadores, que se alimentam de zooplâncton e, principalmente, de águas-vivas. Para ir atrás de sua presa, eles se locomovem através de um movimento sincronizado de suas nadadeiras dorsal e anal, e seu clavus é utilizado como um leme. Eles podem atingir altas profundidades, em águas bem geladas, em busca de seus alimentos. Aqui no Brasil, o peixe-lua não tem importância econômica e nem turística, diferentemente de alguns países asiáticos, como Japão e Taiwan, onde possuem muito valor turístico, o que agrega mais valor econômico. Apesar de seus aparecimentos serem esporádicos e incertos, eles são avistados durante mergulhos recreacionais e em avistamentos de cetáceos, trazendo uma grande excitação para os turistas, já que eles são considerados peixes raros. Sabendo-se da grande importância ecológica e turística, e da sua possível vulnerabilidade, é interessante aprofundarmos os estudos sobre as espécies de peixe-lua para tentarmos protegê-los da melhor forma possível. E a melhor proteção, acaba sendo invariavelmente o conhecimento. Se entendemos mais sobre as diferentes espécies de peixe-lua, seus modos de vida e reprodução, conseguimos adequar as medidas de proteção para cada espécie. Referências Bibliográficas Australian Museum’s Fish Site; . Acesso disponível em 10 de Junho de 2020. Nyegaard, M. 2018. The importance of taxonomic clarity of the large ocean sunfish (genus Mola, Family Molidae) for assessing sunfish vulnerability to anthropogenic pressures. - Murdoch University, 2018. Sobre a autora: Camila Matino é oceanógrafa formada pela Universidade de São Paulo. Amante dos oceanos, se apaixonou pelo microscópico mundo do ictioplâncton ao trabalhar na Coleção Biológica Prof. Edmundo Nonato (ColBIO), onde estudou a fundo a distribuição das larvas e adultos do peixe lua ao longo da costa brasileira. #peixelua #descomplicando #Actinopterigios #peixes #NatashaHoff #JoanaDiasHo
- Muito além de um rostinho bonito…
Por Andressa Elias de Matos e Ju Leonel Ilustração: Natasha T. Hoff É difícil encontrar alguém que não tenha um certo apreço por algum mamífero marinho. Quantos não querem abraçar um golfinho ou fazer um cafuné em uma foca. Mas eles são muito mais do que fofinhos! Além da função ecológica que desempenham no ecossistema do qual fazem parte, eles também são importantes para estudos de contaminação ambiental. A maioria dos mamíferos marinhos são organismos de topo de teia trófica (pois não tem muitos predadores naturais na fase adulta), vivem muitos anos, gestam e amamentam seus filhotes (como os demais mamíferos) e possuem uma camada de gordura subcutânea - principalmente as baleias e golfinhos - que ajuda na flutuabilidade, a manter a tempera corpórea, além de ser reserva de energia. Algumas espécies são cosmopolitas e outras ocorrem em apenas algumas regiões. Há, ainda, espécies que vivem em diversas regiões, mas se subdividem em populações e estas ocupam uma região bem determinada. Por exemplo, as populações de botos da Lagoa dos Patos/RS e de Laguna/SC: apesar de serem da mesma espécie, estão isoladas e não interagem entre si. Mas o que todas essas características têm a ver com estudos de contaminação? Muitos contaminantes ambientais são lipofílicos, ou seja, tem afinidade por lipídios. Por isso, a camada de gordura subcutânea dos mamíferos marinhos é um local preferencial de acúmulo dessas substâncias. Isso faz deles uma excelente matriz para estudar a presença e distribuição desses compostos. A alta longevidade dos mamíferos marinhos também faz com que, ao longo da sua vida, eles acumulem diversos contaminantes persistentes (aqueles que não são metabolizáveis) nos seus tecidos. Esse processo é chamado de bioacumulação. Fonte: Juliana Leonel com Licença CC 4.0 BY Dessa forma, quanto mais velho for o organismo, maiores serão as concentrações desses contaminantes. No entanto, devido a gestação e lactação, isso não é igual para machos e fêmeas. Durante a gestação e, principalmente, durante a lactação, as fêmeas excretam parte desses contaminantes (principalmente os que têm afinidade a lipídios) através da placenta e do leite. Por isso, as fêmeas adultas costumam ter níveis de contaminação menores que os machos adultos. Por serem organismos de topo de teia trófica, através da alimentação, eles são expostos a todos os contaminantes presentes nas suas presas. Dessa forma, acumulam níveis maiores que os organismos de menor nível trófico. Esse processo de aumento da concentração de um contaminante ao longo da teia trófica é a biomagnificação. Fonte: Juliana Leonel com Licença CC 4.0 BY Outra vantagem desse grupo de organismos, é que eles podem ajudar a elucidar a exposição humana aos contaminantes através da ingestão de peixes e frutos do mar, assim como também a exposição de filhotes durante a gestação e lactação. Além disso, diferentemente do que acontece com peixes, crustáceos e moluscos, que precisam ser mortos para que os tecidos a serem analisados sejam retirados, para as espécies maiores (como as baleias não dentadas) é possível amostrar pequenos pedaços de pele e gordura subcutânea dos animais vivos, sem causar danos neles, através dos uso de dardos. No entanto, vale ressaltar que esse tipo de procedimento tem um alto custo financeiro e exige pessoal treinado (e com autorização) para executá-lo. No Brasil, apesar da ampla extensão litorânea e da ocorrência de dezenas de espécies de mamíferos marinhos, os estudos de poluição se concentram em poucas espécies coletadas principalmente na costa sul e sudeste do Brasil. Para os Poluentes Orgânicos Persistentes, as espécies mais estudadas são o boto-cinza (Sotalia guianensis), a toninha (Pontoporia blainvillei) e o golfinho-pintado-do-Atlântico (Stenella frontalis). De uma forma geral, os organismos de regiões altamente urbanizadas e industrializadas, como da Baixada Santista e da Baía de Guanabara, apresentam os valores mais altos - e mais preocupantes - desses compostos. Sobre Andressa Matos: Me chamo Andressa, tenho 28 anos e sou bióloga por formação, mas foi na oceanografia que encontrei minha verdadeira paixão, os mamíferos marinhos! Faço parte do Laboratório de Poluição e Geoquímica Marinha da UFSC, onde desenvolvi minha pesquisa de mestrado investigando a contaminação de mamíferos marinhos ao longo da costa brasileira por poluentes orgânicos persistentes organoclorados. Atualmente, resido em Curitiba-PR, onde atuo como docente do ensino fundamental e médio e em projetos de educação ambiental. #CiênciasDoMar #Convidadas #MamíferosMarinhos #Poluição #JulianaLeonel #NatashaHoff
- Plastic and COVID-19: results of a crisis caused by excess
By Marina T. Botana English edit by Malu Abieri and Katyanne Shoemaker *post originally published in Portuguese on November 10, 2020 Historically, we have observed that the great crises of humanity were commonly generated by scarcity (lack of water, lack of food, lack of energy resources). However, today, in the middle of the year 2020, we are witnessing a crisis caused by excess and by a disconnect between human beings and their fellow humans in society as well as with nature. Excessive resource exploitation, excessive consumption, excessive waste, excessive pollution and selfishness... Illustration by Yonara Garcia. The COVID-19 pandemic caught everyone by surprise. Overnight, hygiene and cleanliness efforts doubled. The use of disposable products, mostly made of plastic, such as masks and gloves, grew. The investments made at the beginning of the production chain for these inputs were immeasurable, after all, the new needs were health and humanitarian emergencies. We are aware of the importance of these products in containing the coronavirus, however, nothing has been done to improve the final destination of all this new waste. Unfortunately, not only in Brazil, but also in other parts of the world, we observe the absence or extreme inefficiency of public policies for the management and disposal of common and hospital solid waste. This problem has plagued the ocean for many decades now, as the final destination of most of our garbage, whether directly or indirectly, ends up being the sea. Personal protective equipment (PPE) discarded in recent years is no exception: beaches, bays, reefs - all increasingly filled with masks, gloves and other disposable objects made of plastic. Glove and mask found on the coast of Rio Grande do Sul, Brazil. (Photos by Gerson Fernandino, license CC-AS-BY 4.0.). The decrease in demand for oil and gas during the pandemic has reduced global recycling rates, and producing new plastics has become cheaper than buying recycled products. The oil and gas companies themselves released a note saying that the production of plastics could be the salvation to maintain profits and offset the losses generated by the decrease in demand for fuels (Source: OilPrice.com). A study released in June of 2020, estimated that since March 2020, 129 billion masks and 65 billion gloves had been discarded into the ocean each month. When we think about the total amount of plastic, the number becomes even more absurd: 8 million tons per day, the equivalent of dumping a truck full of garbage into the ocean every minute, every day! Can you imagine? In Singapore, since the beginning of the pandemic, an additional 1,400 tonnes of plastic only from take-out food deliveries have been dumped into the oceans every week. In Brazil, this information wasn’t estimated. If we estimate proportionally to the number of people, whereas consumption habits in large cities tend to be similar, São Paulo alone with 44 million inhabitants may produce around 11 thousand extra tons of plastic waste every week! The lack of public monitoring policies makes data surveys more difficult. Little can be said about what we don't know. How can we persuade others to preserve what they don’t know? Luckily, non-governmental organizations have been disclosing what was happening on the southeastern coast over the last few months. The Instituto Mar Urbano, which monitors Guanabara Bay in Rio de Janeiro, revealed shocking images showing terrifying amounts of PPE floating in the bay. In São Paulo, the Instituto Argonauta found a dead Magellanic penguin with an N-95 mask in its stomach and highlighted that the animal's death was linked to the accidental ingestion of the PPE. Another concern about the interaction of marine and coastal masks and organisms, is the danger of entanglement. As shown by the NGO Australian Seabird Rescue, the simple action of cutting the mask straps before discarding them can prevent deaths. “Masks in the Sea” (free translation of the documentary entitled “Máscaras ao Mar”) produced by Instituto Mar Urbano. Necropsy carried out by Instituto Argonauta of the body of a Magellanic penguin found on the coast of São Paulo. In the lower image we see the N-95 mask found in the penguin's stomach. Ingestion may have caused the animal’s death (Photo by: Communication department of Instituto Argonauta license CC-AS-BY 4.0.). It is sad to believe that in a country with immeasurable biodiversity like ours, with more than 8 thousand kilometers of coastline, there are almost no programs for monitoring garbage in the sea or on the beaches and that there are still no effective policies in place regarding waste disposal. Even worse is to think it’s normalized that this responsibility is transferred to civil society. The entire budget of the Ministry of the Environment (MMA) represents only 0.06% of public spending in Brazil. This year, we are already in November and only 55% of the budget approved for the entire year has been spent (Source: http://www.portaltransparencia.gov.br/). When called negligent, the representatives allege that they “have no funds” for the implementation of monitoring programs. The scarcity of funds is a reality, now the negligence of not using what little has been approved is a pure sign of dystopia, that is, of camouflaged authoritarianism. All of this makes it impossible to create solutions for the real problems we face now and which will be even worse for future generations. These are alarming problems for Brazilian reality, but they are also pervasive throughout the world due to the development model. If we can even call all of this development, since the main pillars of development are economic growth, consumption, and enrichment to the detriment of quality of life, environmental health and resource sharing. “A system in which the motivation axis is limited to profit, without having to get involved in environmental and social impacts, is trapped in its own logic. Everything has to gain with the maximum extraction of natural resources and externalization of costs”, said economist Ladislau Dowbor. The environmental and health crises caused by COVID-19 are, first and foremost, a crisis of the model of excess itself. The wheel of production and consumption must turn at any cost, obeying the cycle of capital reproduction, regardless of the environmental impacts and social inequalities aggravated by this process. In this system, “the more, the better.” That said, I wonder to what extent the implementation of plastic waste monitoring and disposal programs, even if global, would be really effective within these guidelines of excess and unbridled consumption. This and any other environmental and social revolutions must be followed by a break in the logic of these dystopias rooted in the system. There is no point in thinking about sustainability policies that are not accompanied by curbing the logic of consumption. Rethink, reduce and reuse before recycling... COVID-19 and all the environmental and socioeconomic crises that were linked and/or aggravated by it are a consequence of the ills intrinsically linked to the logic of excess of our current model of “development.” The health crisis will pass, but the PPE and plastics discarded in nature will survive for hundreds of years. As long as the system logic is not changed, it will be a simple matter of time before new viruses appear. The environment will continue to be exploited in an unsustainable way and global inequalities will only become more and more serious. As an environmental scientist, I believe I have little ability to discuss social, economic, and political issues in more depth. However, the pandemic sparked my interest in other areas of knowledge. This outdated “development” model fulfills its role very well in training excellent professionals who are exceptionally technical in their respective areas, but who often fall short in social, ethical and moral issues. Taking part in this whole is the duty and responsibility of every human being living in society. If there is another plausible development model and/or a solution to mitigate excess and develop more effective public policies for the real problems we face, at this moment I don't know. But I believe that the integration of different views and broad discussion on the subject is essential for us to develop new perspectives and not lose hope in building a better world… For those who enjoyed the text, here are some reading suggestions: A. Kimini, “How the COVID-19 plastic boom could save the oil industry,” OilPrice.com (2020). Adyel, Tanveer M. "Accumulation of plastic waste during COVID-19." Science 369, no. 6509 (2020): 1314-1315. https://science.sciencemag.org/content/369/6509/1314 Livro “A era do capital improdutivo” – Ladislau Dowbor, 2 ͣedição – dowbor.org #MarineLitter #PlasticInTheOcean #PlasticPollution #COVID19 #PPEwaste #ScienceAndCitizenship #EnvironmentalResponsibility #Rethink #Reuse #MarinaTBotanaChat #MarineScience
- Doutorado no exterior em tempos de pandemia
Por MARina T. Botana Ilustração de Alexya Queiroz Desde muito nova o desejo de estudar e explorar os oceanos transborda pelas minhas veias. Isso talvez seja por influência dos meus pais, ou pelo motivo que mais tarde me disseram “Está no seu nome. Já estava escrito…”. Seja pelo que for, sinto que essa vontade é tão latente, porque, de alguma forma, ela está alinhada com o meu propósito de vida. Sempre, independente das dificuldades e dos tropeços pelo caminho, tudo achou um jeito de dar certo para que eu pudesse construir uma carreira de pesquisadora do oceano. Quando fui aprovada para fazer o doutorado na Nova Zelândia em março de 2020, uma semana antes do primeiro lockdown da pandemia, eu mal imaginava que águas adversas estariam por vir. Afinal, ser escolhida para integrar um projeto lindo em um dos laboratórios mais reconhecidos na minha linha de pesquisa já não tinha sido difícil o suficiente, agora chegar até a Nova Zelândia para iniciar o projeto seria uma aventura ainda mais árdua. Logo após conseguir a vaga já enviei todos os documentos necessários para o visto (felizmente, tanto para Austrália como para a Nova Zelândia as solicitações são todas feitas online), pois, segundo acordado com meu novo supervisor, eu deveria iniciar o projeto antes de agosto daquele mesmo ano. Foi aí que, na semana seguinte, o mundo todo virou de cabeça para baixo. Lockdown em diferentes lugares e a fronteira da Nova Zelândia fechada para estrangeiros por tempo indeterminado. Chegou agosto e lá estava eu ainda “presa” no Brasil. Sem emprego na minha área, com uma série de indefinições e inseguranças que, por algum tempo, foram até mais latentes do que a minha paixão e certeza de construir uma carreira acadêmica. Comecei a dar aulas de inglês, fazer comida para vender, tudo o que aparecesse. E continuei fazendo parte do Bate-Papo com Netuno também, é claro. Já que eu ainda não poderia gerar novos conhecimentos, ao menos poderia auxiliar no processo de comunicação das ciências marinhas. Parte da minha motivação para não desistir da academia devo ao meu querido mentor, o prof. Ray Valentine da Universidade de Davis na Califórnia, que fez questão de me dar várias tarefas de criação de conteúdo para o site da sua nova empresa de biotecnologia, BST, Inc. A realidade que eu pensei que duraria pouco acabou se estendendo por muitos longos meses. O mundo parou. Uma crise sanitária e econômica virou realidade. Por conta dela, muitos outros além de mim foram impedidos de sair do país. Enquanto alguns eram impedidos de ir realizar seus sonhos, outros eram levados pela COVID em poucos dias ou semanas. Eu não podia ir, mas estava ali, com saúde e cheia de pessoas queridas à minha volta. Ao invés de me lamentar, percebi que deveria agradecer pelo “hoje” e confiar para entregar o futuro ao futuro. Hoje entendo que eu não poderia mesmo ter saído naquele momento. Ainda tinha coisas para finalizar e aprender ali que iam muito além da minha vida profissional. Antes de ser cientista, a gente é ser humano e nunca pode deixar de ouvir este lado humano, pois ele é o que traz sentido a todos os outros âmbitos da nossa vida. Apesar de tudo, felizmente o meu supervisor não desistiu de mim. No final de 2020 ele conseguiu um requerimento de visto emergencial para que eu pudesse entrar na Nova Zelândia. Pouco tempo depois saiu a liberação, porém eu só poderia ir em julho, já que seria obrigada a fazer quarentena em um local determinado pelo governo e lá só havia disponibilidade para a segunda quinzena de julho. Em meados de abril consegui comprar a passagem aérea e, não obstante, acabei tendo mais uma surpresa: mesmo com o visto emergencial as fronteiras da Nova Zelândia estavam fechadas para pessoas vindas do Brasil, por conta das novas variantes da COVID e do grande número de pessoas infectadas. Naquele momento o meu mundo desabou. E agora? Mandei mensagens para amigos na Europa e Estados Unidos perguntando se poderiam me acolher para uma quarentena de 15 dias, já que bancar esse período no exterior em um hotel estava completamente fora do meu orçamento possível e planejado. O maior problema era que os brasileiros estavam proibidos de entrar em quase todos os países. Os poucos países sem restrições eram o México, Dubai, Egito e Costa Rica. Neles eu não conhecia ninguém. Não tinha escolha, a não ser continuar procurando uma alternativa sem perder a esperança. Às vezes, a única coisa que podemos fazer é confiar no destino e deixar a vida fazer dar certo. Uma amiga portuguesa muito querida que eu conheci pedalando foi a minha luz diante das incertezas. Ela me ofereceu um trabalho temporário em Portugal. Ainda que os brasileiros estivessem com entrada proibida na União Europeia, trabalhos e negócios eram considerados motivos essenciais. Além do trabalho, a Teresa me ofereceu casa, comida, amigos, uma família e amor. No fim, aquilo que era um problema se transformou em mais uma oportunidade para conhecer um lugar novo, ensinar e aprender. Foram dias incríveis e um gesto tão bonito que eu jamais irei esquecer. Uma das praias na região de Ericeira em Portugal, onde encontrei um trabalho temporário e consegui fazer a quarentena após sair do Brasil antes de entrar na Nova Zelândia. (Foto: MARina com licença CC SA 4.0). Com o coração transbordando de alegria e gratidão, finalmente, depois de 18 meses de espera, cheguei na Nova Zelândia. Passei 14 dias dentro de um quarto de hotel em quarentena com direito a 30 minutos de sol por dia, os quais ainda eram supervisionados por dois militares. Fiz muitos testes de COVID e, finalmente, me liberaram para começar o doutorado. Naquele momento eu pensei, “estou livre!”, talvez mais do que livre, agora sim, “estou pronta!”. O frio na barriga só não era maior do que a minha fascinação de estar em um país tão diferente, cheio de pessoas novas e iniciar um projeto de pesquisa tão esperado. E, ainda, num país onde a COVID foi erradicada! Amadurecer, explorar, crescer... Uma das minhas vistas preferidas da cidade de Wellington, NZ.(Foto: MARina com licença CC SA 4.0). Dois dias após a minha libertação, já fui para a universidade. Meu supervisor, o pesquisador Simon Davy parecia estar tão animado quanto eu para finalmente me conhecer “ao vivo e em cores”. Eu sou a primeira brasileira a trabalhar no laboratório dele e, pelo que pude perceber, a única dentro da escola de ciências biológicas da Victoria University of Wellington. Diferente de outros lugares onde já trabalhei, aqui as ciências biológicas ficam todas em um único prédio e todos os alunos de doutorado de diferentes campi compartilham um mesmo andar. Biólogos marinhos, botânicos, farmacêuticos e bioquímicos, todos em um ambiente compartilhado, assim como os laboratórios onde acontecem os experimentos e a parte prática das análises. Achei a organização bastante interessante para promover integração e diversidade, porém as pessoas são um pouco mais frias, ainda que bastante solícitas e educadas. Entrada principal da Victoria University of Wellington (VUW). O campus principal da universidade fica no topo de uma montanha e cada área fica em um prédio diferente.(Foto: MARina com licença CC SA 4.0). Dois dos organismos modelo para estudar a simbiose entre dinoflagelados e cnidários, que vou utilizar no meu projeto de doutorado. A esquerda a anêmona conhecida como Aiptasia que é facilmente cultivada em tanques e a direita o coral da espécie Acropora tenuis em Okinawa no Japão, onde farei a validação dos dados experimentais também no campo. (Foto: Simon Davy lab group com licença CC SA 4.0). Escrevi esse texto para partilhar a minha história e tentar trazer um pouco de esperança para aqueles que ainda estão aguardando para realizar os seus sonhos. A COVID veio para estarrecer o fato de que na verdade a gente tem é bem pouco, ou quase nenhum controle do mundo à nossa volta. Não precisamos pirar por conta disso, melhor respirar fundo e buscar desvendar aqui qual o nosso verdadeiro propósito e deixar ele nos guiar até a próxima aventura, ainda que ela não aconteça imediatamente. Não existe “perder tempo”, essa ideia de cobrança de produtividade é só uma falácia colocada pela sociedade nas nossas mentes para nos adequarmos a um sistema que se mostra cada vez mais doente e ineficiente. Hoje sou grata por todas as outras coisas que realizei enquanto aguardava. Me reinventei milhares de vezes, conheci pessoas novas, aprendi novos esportes e pude ficar mais tempo ao lado daqueles que tanto amo. Ganhei amor, cumplicidade, compaixão, estrutura e resiliência. Mal posso esperar para escrever os próximos capítulos desta história. Por enquanto, me basta viver o hoje. Aqui e agora. #VidaDeCientista #MARinaTBotana #PhdNoExterior #Covid19 #NovaZelandia #VictoriaUniversityOfWellington #Resiliência #Doutorado #BiologiaMarinha
- A saúde dos corais brasileiros
Por MARina Ilustração: Joana Ho Obs: para a confecção dessa arte foi utilizada uma espécie de coral que não ocorre no Brasil. Quando pensamos em recifes de coral, a primeira imagem que nos vêm geralmente é a de um recife todo colorido e águas extremamente cristalinas. Embora seja uma imagem clássica, isso é uma realidade parcialmente restrita às águas do Caribe ou às ilhas do Oceano Pacífico. O Brasil, com seus mais de 8 mil km de linha de costa, também apresenta grande diversidade de corais, ainda que eles não estejam em águas peculiarmente caribenhas. O Nordeste é, sem dúvida, a região mais rica, conhecida e turisticamente explorada no quesito recifes de coral, devido à latitude e a outras características geomorfológicas que atribuem condições mais favoráveis para o desenvolvimento desse ecossistema. Porém, os corais estão presentes em quase todas as regiões costeiras do nosso litoral, se estendendo até as águas de Santa Catarina (apesar de lá não formarem recifes)! Infelizmente, poucas pessoas sabem disso e sabem, ainda menos, o quão importantes os corais são para garantir a saúde das outras espécies e de todo o ecossistema. É impossível preservar o que não se conhece. E para conhecer precisamos caracterizar, monitorar e comunicar sobre estes frágeis e tão importantes organismos. Fotos: Algumas das espécies de corais encontradas no Brasil. (Mussismilia hispida - endêmica; Porites sp. e Siderastrea stellata). Fotos por MARina T. Botana com licença CC BY-SA 4.0. Os corais sempre foram meu objeto de estudo e tenho fascinação pelas espécies encontradas no Brasil, principalmente as endêmicas, isto é, as que ocorrem somente aqui. Um trabalho recente feito por pesquisadores brasileiros revelou diversas características que tornam os nossos corais menos suscetíveis ao aquecimento global, que vem causando o aumento da temperatura do oceano nas últimas décadas e de forma ainda mais aguda nos últimos anos. Para explicar como o aumento da temperatura da água do mar afeta os corais, podemos fazer uma analogia com o que acontece com nós humanos quando estamos com febre. A temperatura do corpo sobe e isso prejudica diferentes funções fisiológicas, causando problemas à nossa saúde (a famosa febre). Com os corais acontece o equivalente, só que não existe a possibilidade de abaixar a temperatura com um antitérmico ou remédio, então eles ficam o tempo todo “com febre”. Aos poucos, a sobrevivência e o crescimento dos corais vão sendo afetados, eles perdem a coloração e podem até morrer. Esse processo é conhecido como branqueamento de corais e foi tema de um post publicado aqui no final do ano de 2020. Apesar de termos diversas evidências de que os nossos corais são mais resistentes às alterações climáticas, o que sabemos sobre eles ainda é muito pouco, se comparado com o que se sabe sobre os recifes de corais de outras regiões do mundo. Buscando criar um banco de dados integrado e aprimorar os estudos já existentes, diferentes grupos de pesquisa do Brasil, incluindo o Instituto Oceanográfico da USP, do qual faço parte, estão atuando na caracterização e monitoramento do branqueamento dos corais em diferentes regiões da nossa costa: Atol das Rocas, Fernando de Noronha, Rio Grande do Norte, Porto de Galinhas, Coroa Grande, Alagoas, Bahia, Abrolhos, Espírito Santo, Rio de Janeiro, Arquipélago dos Alcatrazes, Ubatuba e Santa Catarina, todos em parceria com o Instituto Coral Vivo. Foto: Colônias de Mussismilia hispida (Ubatuba, SP) em Dezembro de 2020. A escala de cor na parte de baixo do quadrado também é um indicador do estado de saúde dos corais. Para esta espécie, quanto mais próximo do amarelo escuro/bege, mais saudável. - foto por MARina T. Botana com licença CC BY-SA 4.0. Foto: Colônia de Mussismilia hispida branqueada (Ubatuba, SP) em Fevereiro de 2020. Foto por MARina T. Botana com licença CC BY-SA 4.0. Como já mencionado, o branqueamento dos corais está associado principalmente ao aumento da temperatura da água do mar. Então, para melhor compreender o processo e a variação da saúde dos corais, o monitoramento das colônias nas distintas regiões precisa ser feito ao longo do tempo. Idealmente, em três momentos: antes do pico de maior temperatura (pré-branqueamento); durante o pico de maior temperatura (quando os maiores índices de branqueamento são esperados) e após aumento de temperatura entre outono/inverno (pós-branqueamento). Recuperação e mortalidade após branqueamento são os principais indicadores da dinâmica de resiliência e saúde dos corais e do quanto eles estão sendo impactados pelas variações de temperatura. Além disso, estas regiões devem ser monitoradas ao longo dos anos para que também possamos compreender a dinâmica de resposta das diferentes espécies presentes nos diferentes pontos. Outros estressores como turismo descontrolado, sobrepesca e eutrofização/poluição também atuam de forma local e não podem ser desprezados. Ao gerar este banco de dados podemos criar modelos de distribuição e resposta para prever como os corais irão responder às mudanças climáticas previstas nos próximos anos, além de revelar possíveis regiões e espécies menos suscetíveis ao aumento da temperatura e desenhar melhores planos de manejo e conservação. Outros programas de monitoramento regionais já acontecem há alguns anos no Brasil. Porém, em escala nacional, ainda estamos engatinhando e este programa de agora, o qual só teve início no verão de 2020, será o primeiro a envolver pontos diversos em diferentes localidades. Nossa costa apresenta corais desde o extremo nordeste até o sudeste. Dá pra imaginar as dificuldades e complexidades de execução deste programa de forma integrada ? Desde o ano passado, ainda enfrentamos a pandemia da COVID-19 que prejudica a organização logística das viagens de campo nos diferentes pontos. Apesar de todos os pesares, estamos executando o monitoramento sempre que possível. Já vimos, por exemplo, que algumas regiões do Nordeste estão apresentando maiores índices de branqueamento e mortalidade em relação ao Sudeste brasileiro. Temos que lembrar que nestas localidades também tivemos um grave acidente de derramamento de óleo que ocorreu no início de 2019. Das espécies monitoradas, Mussismilia braziliensis, Mussismilia harttii e Millepora alcicornis têm se mostrado como as mais susceptíveis ao branqueamento. Em alguns locais específicos, como em Abrolhos, por exemplo, ainda vemos o enriquecimento de ferro na água do mar devido ao descarte inapropriado de dejetos da empresa Samarco… Desta forma, infelizmente, juntando tantos estressores que se agravam ainda mais com o aumento da temperatura, é improvável esperarmos que o ambiente seja saudável. Ao executar o monitoramento dos corais ao longo do tempo e ainda em uma escala espacial bem grande, teremos mais dados concretos para dizer com mais propriedade o que está de fato acontecendo com estes organismos. Poderemos integrar estes dados observacionais com outros dados de variação de correntes costeiras e oceânicas, temperatura, aporte de nutrientes e outros para melhor compreender os processos oceanográficos e não somente registrar um evento biológico. Seria ilusão pensar que poderemos salvar todos os corais, porém, ainda que algumas áreas sejam irreversivelmente prejudicadas, ao entender esta dinâmica de processos, estressores e impactos ambientais através dos estudos científicos poderemos impedir que outras áreas sejam igualmente devastadas. Ao comunicar sobre este estudo e projeto, podemos engajar mais pessoas na preservação dos recifes de coral do Brasil e do mundo inteiro. Ensinar, aprender, dividir, monitorar, preservar. Afinal, só cuidamos daquilo que amamos e só amamos aquilo que temos a chance de conhecer! #CiênciasDoMar #MarinaTBotana #RecifesDeCoral #Corais #Monitoramento #Branqueamento #MergulhoCientífico #MudançasClimáticas
- Plástico e COVID-19: resultados de uma crise gerada por excessos
Por MARina T. Botana Historicamente observamos que as grandes crises da humanidade foram comumente geradas por escassez (falta de água, falta de comida, falta de recursos energéticos). Porém, hoje em pleno ano 2020, presenciamos uma crise provocada por excessos e pela disparidade da relação do ser humano com os seus semelhantes na vida em sociedade e também com a natureza. Excesso de exploração de recursos, excesso de consumo, excesso de lixo, excesso de poluição e egoísmo... Ilustração por Yonara Garcia. A pandemia da COVID-19 pegou todo mundo de surpresa. Do dia para a noite os cuidados com higiene e limpeza tiveram que ser redobrados. O uso de produtos descartáveis, em sua grande maioria feitos de plástico, como máscaras e luvas cresceu. Imensuráveis foram os investimentos feitos no início da cadeia produtiva destes insumos, afinal as novas necessidades eram urgências sanitárias e humanitárias. Sabemos da importância desses produtos na contenção do coronavírus, porém, nada se fez para melhorar a destinação final de todo esse novo lixo produzido. Infelizmente, não só no Brasil, mas também em outros lugares do mundo observamos a ausência ou extrema ineficiência nas políticas públicas de manejo e descarte de resíduos sólidos comuns e hospitalares. Este problema assombra o oceano já há muitas décadas, pois o destino final da maioria do nosso lixo, seja de maneira direta ou indireta, acaba sendo o mar. Os equipamentos de proteção individual (EPIs) descartados nos últimos meses estão obedecendo a regra: praias, baías, recifes, todos cada vez mais repletos de máscaras, luvas e outros objetos descartáveis, tudo feito de plástico. Luva e máscara encontradas no litoral de Santa Catarina, Brasil. (Foto por Gerson Fernandino com licença CC-AS-BY 4.0.). A diminuição na demanda por óleo e gás durante a pandemia reduziu as taxas de reciclagem globais e, a produção de novos plásticos ficou ainda mais barata do que comprar os produtos reciclados. As próprias empresas de óleo e gás divulgaram uma nota dizendo que a produção de plásticos poderia ser a salvação para manter os lucros e compensar as perdas geradas pela diminuição da demanda de combustíveis (Fonte: OilPrice.com). Um estudo lançado em junho deste ano estimou que desde março 129 bilhões de máscaras e 65 bilhões de luvas estejam sendo descartadas no oceano todos os meses. Quando pensamos nas quantidades totais de plástico então, este número é ainda mais absurdo: 8 milhões de toneladas por dia, o equivalente a despejar um caminhão cheio de lixo por minuto, todos os dias! Dá pra imaginar? Em Singapura, desde o início da pandemia 1.400 toneladas de plástico adicionais provenientes somente das entregas de comida por delivery são despejadas nos oceanos todas as semanas. Esta quantidade absurda de lixo foi produzida pelos seus 5.7 milhões de residentes. No Brasil, essas informações sequer foram estimadas. Se fizermos uma estimativa proporcional à quantidade de pessoas considerando que os hábitos de consumo nas grandes metrópoles tendem a ser semelhantes, só em São Paulo com 44 milhões de habitantes podemos estar produzindo por volta de 11 mil toneladas extras de lixo plástico todas as semanas! A falta de políticas públicas de monitoramento dificulta o levantamento dos dados. Pouco podemos falar sobre aquilo que não sabemos. Como podemos convencer os outros a preservar o que não se conhece? Felizmente, instituições não governamentais têm feito a divulgação do que vem acontecendo no litoral do sudeste nos últimos meses. O Instituto Mar Urbano, que faz o monitoramento da baía de Guanabara no Rio de Janeiro revelou imagens impactantes mostrando quantidades absurda de EPIs flutuando na baía. Em São Paulo, o Instituto Argonauta encontrou um pinguim de Magalhães morto com uma máscara N-95 em seu estômago e ressaltou que a morte do animal foi atrelada à ingestão acidental do EPI. Outra preocupação sobre a interação de máscaras e organismos marinhos e costeiros é o perigo de emaranhamento. Como mostrado pela ONG Australian Seabird Rescue, a simples ação de cortar as tiras das máscaras antes de descartá-las pode evitar mortes. “Máscaras ao Mar” produzido pelo Instituto Mar Urbano Necrópsia feita pelo Instituto Argonauta do corpo de um pinguim de Magalhães encontrado no litoral paulista. Na imagem inferior vemos uma máscara N-95 no estômago do pinguim. A ingestão acidental levou a morte do animal (Fonte: Comunicação Instituto Argonauta com licença CC-AS-BY 4.0.). Triste acreditar que em um país com imensurável biodiversidade como o nosso, com mais de 8 mil quilômetros de linha de costa, quase não tenha programas de monitoramento de lixo no mar e nas praias e que também não tenha ainda políticas efetivas em prática sobre o descarte de resíduos sólidos. Pior ainda é achar normal que esta responsabilidade seja transferida para a sociedade civil. Toda a verba de orçamento do Ministério Meio Ambiente (MMA) representa somente 0.06% dos gastos públicos no Brasil. Neste ano, já estamos em novembro e somente 55% do orçamento aprovado para o ano inteiro foi gasto (Fonte: http://www.portaltransparencia.gov.br/). Quando chamados de negligentes, os representantes alegam “não ter verba” para a implementação dos programas de monitoramento. A escassez de verba é uma realidade, agora a negligência de não utilizar o que já está aprovado é puro sinal de distopia, ou seja, de autoritarismo camuflado. Tudo isso inviabiliza a criação de soluções para os problemas reais que enfrentamos agora e que serão ainda piores para as gerações futuras. Problemas alarmantes para a realidade brasileira, mas que também estão impregnados em todo o mundo por conta do modelo de desenvolvimento. Se é que podemos mesmo chamar tudo isso de desenvolvimento, uma vez que os principais pilares de sustentação são o crescimento econômico, consumo e enriquecimento em detrimento de qualidade de vida, saúde do meio ambiente e repartição de recursos. “Um sistema em que o eixo de motivação se limita ao lucro, sem precisar se envolver nos impactos ambientais e sociais, fica preso na sua própria lógica. Tudo tem a ganhar com a extração máxima de recursos naturais e externalização de custos”, já dizia o economista Ladislau Dowbor. As crises ambiental e sanitária causadas pela COVID-19 são primeiramente, uma crise do próprio modelo de excessos. A roda de produção e consumo precisa girar a qualquer custo obedecendo ao ciclo de reprodução do capital, independente dos impactos ambientais e desigualdades sociais agravadas por este processo. Neste sistema, “quanto mais, melhor”. Dito isso, eu me pergunto até que ponto a implementação de programas de monitoramento e descarte de lixo plástico, ainda que globais, seriam realmente efetivos dentro dessa diretriz de excessos e de consumo desenfreado. Esta e quaisquer outras revoluções ambientais e sociais precisam vir acompanhadas da quebra na lógica dessas distopias enraizadas no sistema. Pouco adianta pensar em políticas de sustentabilidade que não venham acompanhadas em frear a lógica de consumo. Repensar, reduzir e reutilizar antes de reciclar... A COVID-19 e todas as crises ambientais e socioeconômicas que vieram atreladas e/ou foram agravadas por ela são consequência das mazelas intrinsecamente atreladas à lógica de excessos do nosso atual modelo de “desenvolvimento”. A crise sanitária vai passar, porém os EPIs e plásticos descartados na natureza se perpetuarão por centenas de anos. Enquanto a lógica do sistema não for alterada será uma simples questão de tempo até novos vírus aparecerem. O meio ambiente vai continuar sendo explorado de forma insustentável e as desigualdades globais só ficarão cada vez mais graves. Como cientista da área ambiental, acredito que tenho pouca propriedade para discutir com mais profundidade questões sociais, econômicas e políticas. Entretanto, a pandemia despertou meu interesse em outras áreas do conhecimento. Esse modelo de “desenvolvimento” defasado cumpre muito bem o seu papel em formar excelentes profissionais excepcionalmente técnicos em suas respectivas áreas, mas que, muitas vezes, deixam a desejar em questões sociais, éticas e morais. Participar deste todo é dever e responsabilidade de qualquer ser humano que viva em sociedade. Se existe um outro modelo plausível de desenvolvimento e/ou uma solução para mitigar os excessos e desenvolver políticas públicas mais efetivas para os problemas reais que enfrentamos, hoje eu não sei. Mas acredito que a integração de diferentes visões e ampla discussão sobre o assunto é fundamental para desenvolvermos novas perspectivas e não perdermos a esperança de construir um mundo melhor... Para quem gostou do texto, seguem algumas sugestões de leitura: A. Kimini, “How the COVID-19 plastic boom could save the oil industry,” OilPrice.com (2020). Adyel, Tanveer M. "Accumulation of plastic waste during COVID-19." Science 369, no. 6509 (2020): 1314-1315. https://science.sciencemag.org/content/369/6509/1314 Livro “A era do capital improdutivo” – Ladislau Dowbor, 2 ͣedição – dowbor.org #LixoMarinho #PlásticoNosOceanos #PoluiçãoPorPlástico #COVID19 #DescarteDeEPIs #CiênciaECidadania #ResponsabilidadeAmbiental #Repense #Reduza #MarinaTBotana
- Arte, conservação e ciência na formação de pequenos-grandes humanos!
Por Bárbara Ramos Pinheiro e MAR ina T. Botana Ilustração: Time LACOSKIDS com licença CC-AS-BY 4.0. Nos últimos meses de quarentena vimos não somente adultos, mas também crianças passando por um processo intenso de adaptação de rotina. O mundo virtual ganhou mais espaço, todos passamos a ficar muitíssimas mais horas por dia “conectados”. Se não bastassem todos os desafios naturalmente atrelados ao isolamento social e à pandemia, ainda observamos o questionamento das ciências e da importância da educação feitos por diferentes frentes. Como cientistas e pesquisadores, uma de nossas atividades fundamentais, tão importante quanto escrever artigos e descobrir coisas novas, é a nossa atuação social na contribuição para a formação de pessoas. Afinal, já dizia Paulo Freire que a educação sozinha não transforma o mundo, mas ela pode transformar as pessoas e “as pessoas transformam o mundo”. Educação é aprendizado sobre o mundo, mas também é o despertar de senso crítico e consciência para dentro de nós mesmos, para entender os nossos direitos e deveres como seres humanos. É realizar o quanto sociedade e meio ambiente são intrinsecamente dependentes um do outro. É desenvolvimento intelectual, pessoal, ético e moral para perceber o quanto tudo à nossa volta está conectado. O confinamento nos trouxe a necessidade de transformar tudo, inclusive as diferentes formas e ferramentas de aprendizado. Foi daí que nasceram dois lindos projetos que gostaríamos de apresentar hoje na comemoração do Dia das Crianças! – o desenho animado “Mar à vista” e a série de vídeos “Criança com ciência” desenvolvidos pela equipe de voluntários, bolsistas e parceiros do Laboratório de Conservação do Século 21 (@lacos21) da Universidade Federal de Alagoas (UFAL). Série de episódios "Mar à vista" Unindo arte, conservação e ciência o “Mar à Vista” tem como objetivo promover a fauna e a flora da Área de Proteção Ambiental da Costa dos Corais (APACC). O projeto também conta com a parceria do ICMBio, Instituto Ayni, pesquisadores do PELD CCAL/UFAL, e de alguns convidados especiais, incluindo apoio da Fapeal, CNPq, e do Fundo Newton para a criação das animações. As produções audiovisuais apresentam ao público infantil a APACC e compartilharam conhecimento sobre ecologia, conservação, e impactos ambientais, de maneira lúdica. Além de educação ambiental, trazem conhecimentos diversos sobre a cultura alagoana e nordestina através de músicas autorais e dos sotaques dos personagens. Os diferentes episódios focaram em dar vida aos manguezais, mostrar a importância dos recifes de corais, ensinar sobre desova de tartarugas, e apresentar outros projetos e iniciativas que ocorrem na unidade de conservação. Fantoches que inspiraram os personagens do projeto “Mar à Vista”- Doutor Dan (coral cérebro), Dona Nise (peixe-boi mãe), Graci (tartaruga marinha, verde), Tutuca (peixe-boi filho) e a pescadora Linda Os nomes foram inspirados nas personalidades alagoanas - Graciliano Ramos, Dandara dos Palmares, Arthur Ramos,Nise da Silveira e Linda Mascarenhas. Antes da pandemia, a idéia inicial do projeto era levar o tema presencialmente para as escolas e fazer apresentações no Museu de História Natural da Universidade Federal de Alagoas e outros espaços públicos. (Fonte: Time LACOSKIDS com licença CC-AS-BY 4.0.) A equipe do LACOS21 resolveu focar em divulgação científica para o público infantil também através da comunicação livre entre pequenos cientistas e grandes pesquisadores nacionais. O “Criança com ciência” traz um quadro de perguntas e respostas com curiosidades de deixar os cabelos em pé! Os pais ou responsáveis encaminham os vídeos com dúvidas das crianças e, periodicamente, uma nova curiosidade vinda de diferentes lugares do país é ilustrada por um especialista do assunto e divulgada nas redes sociais. Time LACOSKIDS (Licença CC-AS-BY 4.0.) Série de episódios "Criança com ciência" O sucesso dessa iniciativa de divulgação científica do LACOS21 e colaboradores mostra o quão importante e efetivo pode ser o nosso papel como cientistas na formação das crianças e o quanto somos capazes de diversificar as ferramentas de comunicação para expor e discutir questões tão importantes. Não buscamos que todos os pequenos fãs destes projetos escolham um dia se tornar cientistas, mas acreditamos que ao despertar para a conservação da natureza, através do entretenimento e aprendizado, possamos construir pequenos-grandes seres humanos que irão lutar por um mundo melhor! Feliz dia das crianças! Para novidades sigam as páginas no Instagram, Facebook e canal do youtube! @lacos21, @maravistaprojeto (instagram) https://www.youtube.com/c/Lacos21/featured https://www.facebook.com/maravistaprojeto https://www.facebook.com/lacos21 https://lacos21.com/ --------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------- Sobre a autora: Bárbara Ramos Pinheiro (@barbara.pin) Bióloga, Mergulhadora, Mestre e Doutora em Oceanografia pela Universidade Federal de Pernambuco. Bárbara é especialista na gestão de ambientes costeiros. Já atuou em projetos de conservação e monitoramento ambiental em diferentes áreas de proteção ambiental no Brasil, como na APA Costa dos Corais em Alagoas e na Reserva Biológica do Atol das Rocas. Hoje é diretora executiva do Instituto Ayni de conservação ambiental e desenvolvimento social (@institutoayni). Também é pós doutoranda no Laboratório de Conservação do Século 21 (@lacos21), onde supervisionou a criação dos projetos “Mar à vista” e “Criança com ciência”. Contato: barbara.pinheiro@gmail.com #DiaDasCrianças #CiênciasDoMar #Oceanografia #VidaDeCientista #BatePapoComNetuno #CriançaComCiência #QuarentenaComCriança #QuarentenaCriativa #DivulgaçãoCientífica #ScienceKids #Educação #EducaçãoAmbiental #marinatbotana #Convidados
- Cem dias entre céu, lixo e mar
Por Marina Tonetti Botana Ilustração: Caia Colla. Foi durante a minha busca por nadadores de longa distância que descobri Ben Lecomte. Ben é um atleta de endurance (modalidades de esportes aeróbicos de intensidade média ou baixa e longa duração, como maratonas) que, em 1998, cruzou o Atlântico Norte em uma campanha que subsidiava a luta contra o câncer. Para minha surpresa, depois de muito planejamento, este ano ele estava atravessando o Oceano Pacífico. Porém, dessa vez, em uma campanha de conscientização sobre a questão da poluição marinha por plásticos e com a missão de chamar atenção sobre a importância da preservação dos oceanos. O projeto já contava com parcerias de grupos de pesquisa de importantes universidades de estudos oceanográficos, como o Scripps Institution of Oceanography e a Universidade do Havaí (UH). Além disso, a iniciativa já tinha 14 episódios filmados e buscava produzir mais conteúdo para que, no fim, tudo virasse um documentário. Os organizadores também haviam conseguido patrocínio de marcas de produtos sustentáveis, como a icebreaker, que confecciona roupas exclusivamente com fibras de origem vegetal. Naquele momento, devido a problemas na embarcação, eles se encontravam no Havaí e seguiriam, dentro de poucas semanas, até a Califórnia. A nova rota pelo Pacífico Norte estava traçada para atravessar a maior ilha de lixo do mundo, estimado em cerca de 1,6 milhões de km2. Ben faria novamente esta travessia a nado, na companhia de uma equipe de cientistas e ativistas responsáveis pelo levantamento de dados e coleta de material. Surpreendentemente, havia duas vagas abertas para cientistas a bordo nesta nova etapa. A tripulação seria composta por somente 10 pessoas, das quais quatro eram da equipe pessoal de Ben. As outras 6 vagas eram rotativas para profissionais da ciência, educação e produção de mídia. Na época eu estava prestes a terminar o meu mestrado e vi a vaga de cientista como uma oportunidade única de vivenciar uma experiência fora da academia em nome de uma causa com os propósitos ambiental e social. Acredito que a única forma de transformar efetivamente a mentalidade e os costumes do ser humano é através da educação. Não adianta simplesmente “proibir” jogar lixo, ou “obrigar” a reciclar e fazer uso mais sustentável dos produtos. É preciso que as pessoas entendam os porquês dessas questões serem tão relevantes e que, a partir daí, contribuam para fazer a diferença. Submeti uma carta de intenção, juntamente com o meu CV para a vaga. Apesar de ainda estar há um tempo relativamente curto na academia, acreditei que os meus princípios, junto às experiências na USP e fora do país em outros projetos, seriam bem vistos. Ademais, sou triatleta de provas longas como ironman (3,8 km natação, 180 km ciclismo e 42 km corrida) e, também tenho experiência em apoiar outros atletas em ultra distâncias. Acreditei que estas questões extracurriculares poderiam ser um diferencial importante. No mundo do esporte e da ciência estamos muito sujeitos a falhas e fracassos, talvez muito mais do que em quaisquer outras profissões. Viver um pouco das duas realidades me obrigou a desenvolver muito foco e determinação para buscar meus objetivos e a enxergar a execução de todos eles como parte do meu propósito de vida. Na carta de intenção levantei todas estas questões e discorri cada frase com cérebro, corpo e alma. Acreditei que a causa de Ben também poderia ser minha. Os dias foram se passando e, quando menos esperei, eu estava na seletiva final para as entrevistas. Fui testada e avaliada em diferentes âmbitos nas conversas com Ben e os tripulantes da equipe. Além dos questionamentos acadêmicos, testaram meu psicológico fazendo uma série de outras perguntas. Ficaríamos por volta de 100 dias no mar, confinados no espaço do veleiro, sem água doce para tomar banho e com quase nenhuma comunicação. Fui alertada que, muito provavelmente, poderia ser a única mulher a bordo, junto com um grupo de 9 homens. Felizmente, nenhuma destas questões me intimidou e fui selecionada. A rota da expedição foi traçada pelo Prof. Oceanógrafo Físico Nikolai Maximenko (UH) em seu projeto de monitoramento de lixo/plástico marinho via satélite. Cruzaremos o maior número possível de ilhas de lixo durante a expedição. Faremos observações visuais, junto com coleta de diferentes tamanhos de partículas de plástico com redes de nêuston. Além das partículas, coletaremos os organismos que crescem e povoam os diferentes tipos de plástico, contribuindo na disseminação de espécies no giro subtropical do Pacífico Norte. Microplásticos e rede de nêuston. Créditos: Hannah Altschwager, The Vortex Swim (C). Os projetos parceiros visam entender melhor a conectividade da bioinvasão de espécies que povoam as ilhas de lixo. Eu serei responsável pela coordenação e registro das coletas a bordo. Além disso, nadarei ao lado de Ben sempre que possível. Ele nadará por volta de 8 horas/dia, distribuídas em 2 períodos de 4 horas cada. Nas entrevistas ele me disse que fui a única pessoa que ele havia entrevistado que se ofereceu para acompanhá-lo… Chegarei no Havaí dentro dos próximos dias e zarpamos até o final do mês de maio. Mal posso esperar para conhecer pessoalmente toda a tripulação! Também fiquei feliz em descobrir que o outro cargo de cientista será preenchido por uma mulher, Juliette (bióloga marinha e americana). Me sinto extremamente feliz e grata por representar, primeiramente, as mulheres cientistas, e, depois, o Brasil em um projeto com uma causa tão nobre e atual. Vivemos tempos difíceis na ciência brasileira, de certa forma ainda mais desafiadores para as mulheres. Todavia, creio que são nos tempos de dificuldades em que devemos ousar criar nossas próprias oportunidades. Nessa expedição, de alguma forma, ciência e esporte se uniram na busca do meu propósito, refletindo diretamente o meu estilo de vida. Espero que outras meninas e cientistas possam se aventurar a arriscar mais em busca de seus sonhos em um oceano vasto de mistérios e oportunidades. Glossário: Ilha de lixo: regiões nos oceanos que favorecem a concentração de lixo na superfície da água por causa dos giros oceânicos, que são grandes sistemas de circulação de correntes oceânicas. Nêuston: organismos aquáticos que vivem em águas superficiais, nos primeiros 10 cm da coluna de água. As redes de nêuston são utilizadas para capturar estes organismos. Para saber mais: https://www.seeker.com/the-swim - site oficial. https://www.youtube.com/playlist?list=PL6uC-XGZC7X7iQ31AN0hszm5a3RCosk00 - canal no youtube com os episódios que já foram feitos . #vidadecientista #lixomarinho #preservacaodosoceanos #endurance #ironman #caiacolla #marinatbotana
- Ilhas de Plástico
Por Juliana Bomjardim Imagem: Artem Podrez - Pexels - (CC0 1.0) Os materiais plásticos, quando descartados incorretamente, causam grandes impactos no meio ambiente, especialmente no ambiente marinho. Um produto plástico demora em média 450 anos para se decompor de forma natural e completa; nesse meio tempo o plástico produzido e usado no continente acaba “encontrando o caminho” até os rios e oceano, cerca de 8 milhões de toneladas de plástico entram no oceano todos os anos. O problema é tão grave que, segundo um estudo chamado The New Plastics Economy: Rethinking the future of plastics, divulgado no início de 2016 pelo Fórum Econômico Mundial e produzido pela Fundação Ellen MacArthur, se continuarmos a produzir materiais plásticos no ritmo atual, em 2050 haverá mais plástico nos oceanos do que peixes. Lixo descartado irregularmente em zona costeira (Fonte: U.S. Fish and Wildlife Service Headquarters, CC.BY 2.0). Não é surpresa que todo esse plástico ameace o equilíbrio de ecossistemas e a sobrevivência de animais marinhos. Albatrozes, tartarugas, baleias e peixes, por exemplo, consomem produtos plásticos, pois os confundem com alimentos; esses produtos não são digeridos e acumulam-se no estômago. O acúmulo pode ser tão grave ao ponto de impedir a ingestão de comida ou perfurar a parede estomacal desses animais. Adicionalmente, além de ingeri-los, os animais também podem ficar presos e/ou se ferir com os resíduos plásticos. Tartaruga com resíduo plástico preso na região da face (Fonte: Domínio Público). Carcaça de albatroz mostrando o acúmulo de plásticos no estômago (Fonte: Chris Jordan, via U.S. Fish and Wildlife Service Headquarters, CC.BY 2.0). Foca presa em rede de pesca (Fonte: NOOA, CC.BY 2.0). A quantidade de plástico nos oceanos é tamanha que temos regiões chamadas de “ilhas de plástico”. Nelas, o plástico, especialmente microplásticos, acumula-se em determinados pontos do oceano e mares devido à ação das correntes marítimas, resultantes dos ventos e do movimento de rotação da Terra. Esses pontos estão espalhados pelos mares e bacias oceânicas de todo o planeta, porém, atualmente, existem cinco principais pontos onde ocorre o acúmulo de plástico, estes pontos são os maiores e mais preocupantes e coincidem com os principais giros oceânicos: Atlântico Norte; Atlântico Sul; Índico; Pacífico Norte e Pacífico Sul. Principais giros oceânicos. 1: Giro do Pacífico Norte. 2:Giro do Oceano Índico. 3: Giro do Pacífico Sul. 4: Giro do Atlântico Sul. 5: Giro do Atlântico Norte. (Fonte: The Ocean CleanUp, Editorial Use Only) As correntes marinhas nas regiões dos giros arrastam parte dos produtos plásticos - que boiam - para seu interior. Esse padrão de movimentação foi observado em um experimento da NASA divulgado em 2015. Nele, a movimentação de bóias lançadas no oceano - usadas para rastrear correntes, temperatura e salinidade - foi acompanhada e um modelo de migração foi criado. Nele podemos observar que as bóias lançadas, com o tempo tendem a migrar para os cincos giros oceânicos. Veja no vídeo abaixo a movimentação das bóias e o modelo criado. Experimento de visualização do acúmulo de materiais nos giros oceânicos (Fonte:Scientific Visualization Studio - NASA). O giro do Pacífico Norte detém a maior concentração de plástico no oceano e recebe o nome de Grande Porção de Lixo do Pacífico (Great Pacific Garbage Patch). São cerca de 79 mil toneladas de lixo, cerca de 1 milhão e seiscentos mil metros quadrados de detritos boiando e sendo movimentados pelo giro. Nele, há duas zonas principais de concentração, ou duas “ilhas”, uma na região leste do giro e outra na região oeste. Grande Porção de Lixo do Pacífico (Fonte: NOAA, Domínio Público - Tradução livre). Engana-se quem acha que as ilhas de plástico podem sempre ser observadas facilmente, elas são formadas especialmente por micropartículas de plástico (pedaços menores que 5 mm), conhecidas como microplásticos, distribuídas de forma desigual na superfície, na coluna d’água e até no sedimento marinho, sendo que apenas os resíduos maiores, na superfície, podem ser encontrados e removidos com maior facilidade. À esquerda: região do oceano que faz parte de ilha de plástico. À direita: partícula de microplástico. (Fonte: NOAA, Domínio Público) Os desafios para limpeza deste tipo de região são grandes devido à imensa extensão do giro e aos movimentos das correntes. O acúmulo de plásticos, microplásticos e outros materiais particulados estende-se verticalmente e horizontalmente na coluna d'água. Como a maioria do lixo é composto por microplásticos seria necessário filtrar grandes porções de água para a remoção dessas partículas, além de ser uma tarefa que exige um esforço hercúleo os riscos podem ser maiores que os benefícios, pois ao filtrar a água estaríamos filtrando parte da vida marinha ali existente. Os pedaços maiores podem ser visualizados e removidos com mais facilidade e algumas empresas e organizações, como a The Ocean Cleanup, participam desse processo de limpeza. Sistema de limpeza de lixo marinho acumulado (Fonte:The Ocean CleanUp, Editorial Use Only). A remediação in situ, mesmo de pedaços maiores, é algo de difícil realização e também pode ter impactos negativos na fauna local, sendo que a melhor forma para diminuir o problema é a adoção de ações preventivas, como a redução do consumo de produtos plásticos e a reciclagem. No Brasil, a responsabilidade pela destinação correta de resíduos sólidos deve ser compartilhada entre indústria, comércio, cidadãos e prefeitura, sendo regulamentada pela Política Nacional de Resíduos Sólidos e contando com instrumentos importantes, como a Logística Reversa. Além disso, é possível apoiar organizações que trabalham para limpar nossos oceanos, como a já mencionada, The Ocean Cleanup e a Exxpedition, uma organização composta por mulheres que realizam expedições para explorar a poluição plástica nos oceanos, ajudando a investigar as causas e propor soluções para o problema. No verão de 2020, o projeto Kaisei, liderado por Mary T. Crowley, presidente e fundadora do Ocean Voyage Institute, removeu 170 toneladas de redes de pesca e plástico do Giro do Pacífico Norte, demonstrando a importância desse tipo de organização para a limpeza dos oceanos. Apoie uma organização, compartilhe informações nas redes sociais, vamos juntos cuidar dos nossos oceanos. Bibliografia: AGENDA, Industry. The New Plastics Economy Rethinking the future of plastics. 2016. Disponível em: http://www.alternativasostenibile.it/sites/default/files/WEF_The_New_Plastics_Economy.pdf. Acesso em: 12 ago. 2021. BRASIL. Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS) - Lei nº 12.305/2010. IBAMA, 2021. Disponível em: http://www.ibama.gov.br/residuos/controle-de-residuos/politica-nacional-de-residuos-solidos-pnrs. Acesso em: 12 ago. 2021. MARINE Debris Program. Garbage Patches. NOAA, 2021. Disponível em: https://marinedebris.noaa.gov/info/patch.html. Acesso em: 12 ago. 2021. MARINE Debris Program. The Truth About Garbage Patches. NOAA, 2016. Disponível em: https://blog.marinedebris.noaa.gov/truth-about-garbage-patches. Acesso em 12 ago. 2021. SCIENTIFIC Visualization Studio. Garbage Patch Visualization Experiment. NASA, 2015. Disponível em: https://svs.gsfc.nasa.gov/4375. Acesso em: 12 ago. 2021. WHAT is The Great Pacific Garbage Patch? The Ocean CleanUp, c2021. Disponível em: https://theoceancleanup.com/great-pacific-garbage-patch/. Acesso em: 12 ago. 2021. #descomplicando #plástico #ilhasdeplástico #reciclagem #correntesoceânicas #poluiçãomarinha