top of page

Resultados da Busca

512 resultados encontrados com uma busca vazia

  • Sobre mudar a rota de navegação

    Por Raquel Moreira Saraiva Ilustração: Joana Ho Mudar de carreira não é fácil - bom, pelo menos assim eu pensava quando resolvi abandonar minha carreira na fisiologia animal para encarar uma nova graduação em jornalismo. Grandes mudanças são sempre muito difíceis de encarar. E se elas não nos são impostas pelas circunstâncias da vida, mas partem de uma insatisfação nossa, acho que são ainda mais complicadas. Quem nunca pensou em como seria se tivesse escolhido outra carreira? Passei muitos anos refletindo sobre isso - eventualmente e sem compromisso. Tomar a decisão de mudar foi, para mim, a parte mais difícil da mudança. Encarar o medo de voltar para os estudos de pré-vestibular, de falhar no Enem e medo de estar tomando a decisão errada custou muitas noites insone, muito choro e ansiedade. Decidi pela biologia aos 17 anos. Gostava de embriologia e fisiologia, fantasiava uma carreira na ciência ou no jornalismo científico. Decidi, assim, optar pela área de saúde. Ingressei no curso e descobri aos poucos como era na realidade aquela vida que eu tinha idealizado. Eu poderia listar os problemas da academia e da vida de professor e assim justificar minha mudança. Mas seria injusto. Todos sabemos que qualquer profissão tem seus louros e agruras. Se você gosta do que faz, os louros pesam mais na balança. Eu via muitos profissionais, alguns passando por mais dificuldades que eu, super felizes nos seus laboratórios e no campo - e não entendia como aquilo era possível. Tentei ‘resolver’ minha insatisfação várias vezes. Foram anos de conversas com amigos, com meus pais, procurei ajuda na psicologia e na religião. No mestrado, escolhi trabalhar na área que sempre gostei e com uma orientadora que, além de super competente, era educada, prestativa e gentil. E sou muito feliz pelo trabalho que desenvolvemos juntas. Também fui muito, muito feliz no ano que fui monitora e, anos depois, professora substituta de Fisiologia Animal na UFBA. O Facebook me lembrou essa semana uma publicação que fiz nesse período, quando lecionava. “Minha profissão é a melhor do mundo”, eu escrevi. Foi bom para lembrar dos momentos que curti minha profissão de bióloga. E eu estive feliz em muitos momentos, principalmente na sala de aula. Mas no restante do tempo eu estava insegura e detestava minha rotina. Lembro de um pensamento que era recorrente "vou ser feliz quando eu estiver no mestrado" ou "vou ser feliz quando eu publicar meu artigo do mestrado"... bom, a “felicidade plena” que eu tanto esperei nunca veio - na verdade, ela se limitava a pequenas alegrias com as vitórias que eu tinha. Hoje, mesmo quando estou chateada com algo no curso ou em relação à profissão, eu estou feliz e tenho consciência disso em todos os momentos.  Achei que o recomeço seria difícil - e está sendo. Mas é muito mais gostoso que difícil. Levei muito tempo para me convencer que eu não estava satisfeita e que jamais seria naquela carreira - insight óbvio que só veio com a maturidade. Eu aprendi que a gente tem que ser feliz agora - fazemos planos futuros para a vida pessoal, para a carreira, mas a felicidade deve ser vivida diariamente. Uma frase que não sai da minha cabeça é um verso da música Beautiful Boy, de John Lennon: “Life is what happens to you while you’re busy making other plans” (A vida é o que acontece enquanto você está ocupado fazendo outros planos). Eu ouvi meu coração. Mas não só isso. Tenho muitos amigos próximos que são jornalistas, então conhecia relativamente bem a rotina da profissão. Também procurei ajuda com uma psicóloga que, por sinal, tinha se graduado e feito mestrado em veterinária antes de estudar psicologia, e ela também foi muito importante para me ajudar a enfrentar a mudança. Assumir que jornalismo era mesmo o amor da minha vida foi fácil. Mesmo a área sendo complicada (vide as dezenas de passaralhos [demissões em massa] nas redações nos últimos meses). Sabendo que seria complicado lidar com as opiniões de pessoas próximas ("por que não faz medicina?", "acho que relações internacionais é melhor", “tem que ser forte para aguentar a carreira acadêmica”), compartilhei a novidade apenas depois da minha aprovação na UFBA. Sei que sou privilegiada por ter tido a possibilidade de mudar - por uma série de fatores, muitos não podem fazer isso. Um fator importante foi me sentir amparada e acolhida. Eu contei com apoio da minha família, de meu marido e de poucos amigos mais íntimos. Pessoas que não questionaram minha escolha ao ver meus olhos brilharem e não mediram esforços para me ajudar. Isso foi fundamental para me dar forças para prosseguir na busca do meu sonho. Não me arrependo de ter feito a mudança beirando os 30. Começar um outro curso com mais maturidade é maravilhoso, sinto que estou aproveitando muito mais a nova graduação, com menos medo e fazendo escolhas mais conscientes. A graduação em biologia e o mestrado com toxinologia me ajudaram a escrever de forma mais objetiva e clara, além de terem me dado uma boa bagagem para discutir temas ligados à saúde - como tenho feito aqui no blog com a divulgação científica. Por isso, sinto que estou fazendo o curso de jornalismo na hora certa. E quem sabe não enveredo pelo jornalismo científico um dia? Hoje eu faço planos e penso nas mil (maravilhosas) possibilidades que a carreira me oferece, não me esquivo de falar sobre o jornalismo em qualquer lugar que esteja, não reclamo de ter que fazer coisas do trabalho ou da faculdade tarde da noite ou de madrugada nos finais de semana… pela primeira vez eu estou amando fazer o que faço. O jornalismo é parte da minha vida e não apenas uma profissão. E eu amo viver isso. É bom realizar sonhos e também ter consciência de estar realizando-os. Desfrutar de cada momento, por mais irrelevante que pareça - para os outros. Porque eu sei o quanto sonhei em estar aqui, e não quero deixar nada passar em vão. Sobre Raquel: Estudante de jornalismo, bióloga (2010) e mestre em Zoologia (2014). Trabalhou com neurociências, fisiologia animal e toxinologia. Hoje realiza o sonho de estudar jornalismo, é apaixonada por todas as áreas da comunicação, está no quarto semestre do curso na UFBA e feliz da vida se dedicando ao estágio na redação de um jornal. É editora do blog Bate-Papo com Netuno desde 2016. #carreira #jornalismocientifico #raquelmoreirasaraiva #vidadecientista

  • Discussão científica na mesa do bar

    Por Raquel Moreira Saraiva Quem imaginaria um bar lotado para ouvir palestra de um pesquisador numa noite de segunda-feira? Isso aconteceu em várias cidades dos 11 países que sediaram o Pint of Science em 2017, ocorrido nos dias 15, 16 e 17 de maio. O festival, que começou na Inglaterra em 2013, acontece no Brasil desde 2015 e chegou a Salvador (BA) este ano. No dia da estréia, a conversa sobre “História Ambiental da Baía de Todos os Santos” foi comandada pelo professor Eduardo Mendes, do Instituto de Biologia da UFBA, no Caranguejo do Porto, bar localizado na Barra. O pesquisador abordou aspectos econômicos, históricos e naturais de Salvador para explicar a trajetória da Baía de Todos os Santos (BTS), desde a chegada dos portugueses à região, no ano de 1.501, até os dias atuais. A BTS é a segunda maior baía do litoral brasileiro, com 1.233 km², e a única a possuir uma extensão expressiva de recifes de coral, além de estuários e manguezais. As características geológicas da BTS a tornam de fácil navegação, o que facilitou o desenvolvimento econômico da região através do acesso de embarcações de médio e grande porte. Por outro lado, a atividade portuária intensa é um dos principais fatores causadores de impacto ambiental na BTS, como ressaltou o professor no Pint of Science. O acidente geográfico que caracteriza a BTS resulta principalmente de atividade tectônica e confere à região uma paisagem encantadora. Além disso, o clima tropical e a grande diversidade natural que compõe o sistema bentônico costeiro fazem de Salvador um importante pólo turístico e atrai cada vez mais o turismo de natureza, ou “ecoturismo”. A atividade humana, entretanto, tem gerado poluição e invasão de espécies exóticas, dois dos maiores problemas ambientais que a BTS tem enfrentado. Eduardo Mendes ressaltou a falta de atuação do poder público para reverter ou mesmo amenizar o quadro. Francisco Barros, professor do Instituto de Biologia da UFBA, prestigiou o evento e ressaltou que a popularização da ciência através de iniciativas como o Pint of Science é de extrema importância para conscientizar a população e para que medidas profícuas sejam tomadas em relação à preservação ambiental “O poder público quer o que a população quer. Se nós não estivermos bem informados, não temos muita chance de pressionar o poder público”. No Brasil, a comunicação científica ainda se concentra nos periódicos acadêmicos, que disseminam os resultados das pesquisas para os pares. As iniciativas de popularização da ciência, por sua vez, em geral se restringem a museus e estão atreladas a incentivos governamentais. Nesse cenário, o Pint of Science inova ao levar o conhecimento gerado na academia a um ambiente informal em um evento aberto ao público. Em 2017, o Pint of Science aconteceu em 22 cidades brasileiras, incluindo Salvador (BA), Teresina (PI) e Goiás (GO). Um evento como este tem grande importância e significado, especialmente nas regiões cientificamente menos tradicionais. Embora tanto o número de publicações quanto as redes colaborativas venham aumentando nos últimos anos, a hegemonia da produção científica nacional está longe de ser reduzida. O pesquisador Otávio Sidone, da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da USP, mostrou em um trabalho publicado no ano passado que, no período entre 2007 e 2009, sete universidades das regiões sul e sudeste foram responsáveis por mais da metade dos produtos científicos do Brasil. Essas regiões concentram não só universidades e institutos de pesquisa consolidados, mas também recursos humanos e financeiros. De acordo com Lima e colaboradores, em trabalho publicado em 2008, a descentralização do conhecimento gerado nas universidades e centros de pesquisa contribui inclusive para criar condição de ascensão social através da apropriação de conhecimento pela população, o que tem significado ainda mais importante no contexto de desigualdade social que o país apresenta. A linguagem acessível permitiu a compreensão da fala do professor Eduardo Mendes até para quem não é da área de biológicas. Cleiton Lima, servidor público da área de tecnologia e mestrando em Ciências da Computação, foi convidado para a palestra sobre a Baía de Todos os Santos por amigos, e avaliou a experiência como muito positiva “Eu acho que a relação da academia com a sociedade é muito distante, e eventos como esse fazem com que as pessoas despertem para temas que são importantes de discutir mas que estão enclausurados na universidade”. O evento parece ter cumprido seu papel. O garçom Vinícius de Lima se surpreendeu com o comportamento do público “Normalmente o salão é bem barulhento, e hoje, mesmo cheio, tava silencioso”. Vinícius disse que, por causa do trabalho, ouviu muito pouco da palestra, “mas gostei bastante do que ouvi, amanhã vou tentar prestar mais atenção”. Ana Leonor, professora da Faculdade de Farmácia da UFBA, participou da produção do evento e ressalta que basta estar no local para participar do Pint of Science “Mesmo o cara que tava em uma mesa no cantinho e nem sabia do evento, escuta e se interessa. Assim o senso crítico da população é estimulado”. Não só a comunidade não-acadêmica ganha com o evento. Antônio Dórea, estudante de mestrado de ecologia na UFBA, destaca que eventos como esse enriquecem também quem faz a ciência “A discussão que surge nesses ambientes, com pessoas diferentes, de outras áreas e com pontos de vista diferentes, pode abrir nossas mentes inclusive para a prática científica”. Cleiton Lima já faz planos de assistir nos próximos anos e até de participar como palestrante “A partir de hoje me considero parte do evento. Eu gostaria de trazer o conceito de inteligência natural para o público entender como a matemática pode participar do dia a dia”. O professor Francisco Barros faz uma ressalva: “Vou fazer de tudo para participar nos próximos dias, mas não sei se consigo tomar outra cerveja durante a semana”. A produção do evento também avaliou a estreia como um sucesso. “O público aderiu e a discussão fluiu bem, a tendência é isso aumentar cada vez mais”, disse Ana Leonor. Um brinde ao sucesso da ciência no bar! Para saber mais: Baía de todos os santos Aspectos oceanográficos Vanessa Hatje Jailson B. de Andrade Brasil turbina produção de mestres e doutores fora do eixo Rio-São Paulo Ensino, pesquisa e extensão universitária Popularization of Science in Brazil: getting onto the public agenda, but how? Márcia Tait Lima, Ednalva Felix das Neves, Renato Dagnino Pint of Science #bahia #baiadetodosossantos #mesadebar #pintofscience #raquelmoreirasaraiva #salvador #ufba #vidadecientista

  • 10 animais marinhos que inspiraram pokémons

    Por Raquel Moreira Saraiva Já perceberam que a realidade sempre é utilizada como referência para a representação de seres da ficção? Seja em filmes, games ou em desenhos-animados, parece que a natureza já é criativa de tal forma que é mais fácil para os desenhistas ou roteiristas modificarem aquele modelo que conhecemos. A figura exótica da tela (ou dos quadrinhos) pode ter sido inspirada em um animal trivial. Em alguns casos, o modelo assustador da realidade é transformado em uma figura fofa na ficção. Em outros, até as relações ecológicas existentes no mar são mantidas na fantasia. Com a febre que o jogo Pokémon Go se tornou em 2016, nós pensamos em mostrar como seriam alguns pokémons na vida real. Conheça agora 10 animais marinhos que inspiraram pokémons! 1. Mantine > Raia Manta Cara de um, focinho do outro. Assim como as raias, o Mantine é um pokémon com corpo achatado dorsoventralmente e nadadeiras  longas que parecem continuar o corpo. Até as antenas do Mantine se assemelham aos lobos cefálicos da raia Manta! As raias são muito próximas filogeneticamente dos tubarões - ambos são da subclasse Elasmobranchii; mas as fendas branquiais, que são laterais nos tubarões, são localizadas no ventre das raias devido ao seu formato achatado. A água que entra pela boca da raia sai através das fendas branquiais, passando antes pelas brânquias, onde ocorre a troca gasosa. Além das semelhanças morfológicas, o comportamento das raias mantas e do Mantine é bem parecido: mesmo pelágicos, ambos conseguem “voar”! Mais precisamente, as raias manta conseguem executar saltos de quase 3 metros de altura sobre a coluna d’água! As razões para esses saltos não são bem compreendidas - os pesquisadores sugerem que as raias mantas saltam para realizar o parto, como parte do comportamento de corte, para se divertir ou retirar as rêmoras (veja o próximo pokémon, digo, o próximo animal da lista) do dorso. Embora a acrobacia dos saltos seja encantadora (veja neste link as raias mantas saltando), os “pousos” são mais desajeitados - a “barrigada” que as raias mantas dão no mar criam um barulho tão alto que pode ser percebido a longas distâncias por outros indivíduos - e assim elas se comunicam umas com as outras. 2. Remoraid > Rêmora O Mantine tem uma relação interessante de comensalismo com outro pokémon: o Remoraid. A mesma relação que a rêmora possui com diversos organismos marinhos, dentre eles (advinhem) a raia manta! O Remoraid, assim como a rêmora (será que os nomes parecidos são coincidência?), pegava carona nas nadadeiras do Mantine, bem como a rêmora nas raias, tubarões e tartarugas. As nadadeiras do Remoraid e sua relação simbiótica com o Mantine são suas únicas características que remetem à rêmora. Diferentemente do pokémon, a rêmora tem a nadadeira dorsal modificada em uma ventosa. Assim o animal consegue se aderir aos outros animais, viajar por longas distâncias sem mover um músculo e ainda aproveita as sobras da alimentação do hospedeiro. 3. Octillery > Polvo O Remoraid, quando evolui, dá origem ao Octillery (haja mutação para gerar tantas modificações anatômicas, hein?). Tanto o pokemón quanto o cefalópode têm o corpo constituído por uma cabeça de onde partem oito tentáculos. Diversas ventosas são distribuídas ventralmente em ambos. Enquanto a boca do Octillery é localizada frontalmente na cabeça do pokémon, a boca dos polvos é localizada ventralmente, no meio da coroa de tentáculos. Além disso, os polvos têm na boca um bico rígido, diferente da boca em formato de sifão do Octillery. Ambos são marinhos e, quando em perigo, soltam tinta para confundir o predador. 4. Horsea > Cavalo-marinho O Horsea e suas formas evoluídas (Seadra e Kingdra) são pokémons de água que são a cara - e o corpo - dos cavalos-marinhos. Cabeça alongada com filamentos (lembrando a crina de um cavalo), boca localizada na extremidade do focinho tubular, natação com o corpo na vertical e até o cuidado dos ovos é igual - diferente do usual no reino animal e pokémônico, os machos que os carregam, não as fêmeas. A diferença entre eles está na velocidade de locomoção: os cavalos-marinhos são considerados um dos peixes mais lentos dos oceanos, enquanto o Horsea e suas evoluções nadam super rápido (para saber mais sobre cavalos-marinhos leia nosso post “Querida, estou grávido!”). 5. Gyarados e Dratini > Peixe-remo O peixe-remo (Regalecus glesne) pode chegar a mais de 10 m de comprimento, tem corpo serpentiforme e se move como uma cobra. Ele nada verticalmente, diferente dos pokémons Gyarados e Dratini - a não ser quando se encontra em águas rasas. O peixe-remo assusta pelo seu tamanho, e deu origem a várias lendas antigas sobre serpentes marinhas que afundavam embarcações. Aparentemente, as lendas sobre o peixe-remo inspiraram o Gyarados: este pokémon com cara de mau tem temperamento feroz e tendência a destruição desenfreada. No entanto,  o peixe-remo é inofensivo e raramente visto  - além de bons camufladores, eles vivem entre 150 e 300 m de profundidade. Até o ano passado, haviam sido registradas apenas cerca de 500 observações deste animal. Assim, o peixe-remo se assemelha mais ao Dratini: inicialmente, pensava-se que era um mito, mas o Dratini foi encontrado vivendo em águas profundas. E aí, qual dos dois você acha que se assemelha mais ao peixe-remo? 6. Parasect > Caranguejo-eremita Os caranguejos-eremitas são bastante conhecidos por andarem carregando uma concha de molusco abandonada ou outras estruturas semelhantes. Além de servir de abrigo, isso possibilita que estes animais protejam seu abdômen que é bastante mole. Para aumentar a proteção contra predadores, alguns membros do táxon Paguroidea, ao qual os caranguejos-eremitas pertencem, transportam anêmonas. Assim, além da proteção física da concha, eles ganham a proteção química das toxinas dos tentáculos da anêmona! O pokémon Parasect, por sua vez, carrega um cogumelo que também produz toxinas. Entretanto, o Parasect é parasitado pelo fungo, enquanto os Paguroidea têm relação de protocooperação com as anêmonas que carregam sobre a concha. 7. Gorebyss > Rhinochimaeridae O nome Rhinochimaera vem do grego rhinos = nariz e do latim chimaera = monstro marinho. Os peixes desse gênero possuem um focinho estreito e pontiagudo e um corpo alongado, muito semelhante ao Gorebyss. A diferença é a fofura: enquanto o peixe, como outros animais de zonas abissais (peixes do gênero Rhinochimaera vivem entre 300 e 1500 m de profundidade), têm uma aparência singular, o Gorebyss poderia facilmente pertencer ao que chamamos de fauna carismática (leia mais sobre isso no nosso post “Quem estuda o feio, bonito lhe parece”) - note que o espinho do peixe foi transformado em uma delicada e flexível projeção na cabeça do pokémon. 8. Staryu > Estrelas-do-mar Tanto o pokémon Staryu quanto as estrelas-do-mar possuem cinco braços. Se o animal ou o pokémon, que também é marinho, perdem um dos apêndices, outro cresce a partir do disco central - e, no caso das estrelas-do-mar, uma nova estrela pode se desenvolver a partir do braço cortado, processo chamado de reprodução assexuada. Neste disco há um núcleo que parece uma jóia vermelha no Staryu. Analogamente, as estrelas-do-mar possuem em sua superfície aboral o madreporito, uma abertura calcárea por onde passa a água para o sistema ambulacral dos echinodermatas. O núcleo do Staryu pode piscar, o que indica uma ligação do pokémon com as estrelas do céu. Então será que podemos fazer um paralelo com o madreporito das estrelas-do-mar e afirmar que ele indica uma ligação íntima do interior do animal com os oceanos? 9. Shellos > Nudibrânquios Os nudibrânquios são moluscos que possuem uma riqueza de cores no corpo incrível! Isso lhes permite uma camuflagem eficiente nos recifes de coral, onde eles vivem. O pokémon Shellos é idêntico ao Chromodoris lochi, uma espécie de nudibrânquio que ocorre no Indo-Pacifíco. Além do formato achatado e ondulado e da cor do corpo, ambos possuem um par de “antenas” (rinóforos), que são estruturas sensoriais que ajudam a guiar este molusco através da percepção química do ambiente. As “asinhas” do Shellos são na verdade brânquias que ficam “desprotegidas” no dorso dos nudibrânquios - daí o nome do grupo. 10. Stunfisk > Peixe stargazer O peixe stargazer é um dos animais com aparência mais exótica do fundo do mar! Normalmente ele fica escondido na areia - mas fica observando tudo com seus olhos que são localizados no topo da cabeça do animal, e não lateralmente, como na maioria dos peixes. O Stunfisk , com seu corpo largo, achatado e marrom, é o próprio stargazer - no entanto, suas nadadeiras podem bater como asas para fazer o pokemón se locomover pelo ar, coisa que esse peixe não faz, e sua boca é uma espécie de bico. O Stunfisk também gosta de se enterrar, mas mais perto da praia, e não em águas profundas como o peixe. Quando desavisados pisam no pokémon, são eletrocutados por ele, que sorri enquanto dispara a carga elétrica. Bastante semelhante ao peixe, que além de espinhos venenosos perto das suas nadadeiras, consegue dar choques de até 50 volts. Mas ele não sorri enquanto o faz. A natureza serve de inspiração para a arte. Muitos elementos da ficção baseiam-se na vida real. É interessante observar que, ainda mais encantadores que os pokémons, os organismos que vivem ao nosso redor têm uma riqueza incrível de formas e comportamentos! Nesse texto, 10 comparações foram feitas, mas muitas outras existem. E você, lembra de algum outro pokémon, personagem de HQ, de série ou de filme que se assemelhe a animais marinhos? Comente! Para saber mais: 12 horror films that reveal Mother Nature's evil side - Mother Nature Network Bulbapedia (enciclopédia sobre Pokémon) Como vivem os peixes de mar profundo - Revista Mundo Estranho Graham Hawkes: A flight through the ocean - TED Watch these fabulous flying rays (vídeo) - BBC #animaismarinhos #pokemóns #ciênciasdomar #raquelmoreirasaraiva

  • A divulgação científica tem o papel fundamental de explicitar o que está acontecendo no nosso mundo

    Entrevista com Mariluce Moura por Raquel Saraiva Ilustração de Caia Colla Resultados de pesquisas científicas de grande interesse do público eventualmente transbordam dos veículos especializados e alcançam veículos de grande circulação. Com a epidemia do zika,  a demanda por dados que explicassem os efeitos do vírus eram urgentes. Nesse contexto, um estudo desenvolvido por pesquisadores da UFRJ e do Instituto D’Or demonstrou os efeitos devastadores do vírus sobre células neurais.  Os resultados do trabalho seguiram o caminho contrário da conduta científica usual e foram divulgados na Folha de SP no artigo “Em testes, vírus da zika ataca neurônios humanos” antes da publicação em uma revista científica. Embora a OMS recomende em casos de emergência a divulgação dos dados mesmo antes da publicação da pesquisa em periódico especializado, a “novidade” gerou estranheza e críticas na comunidade científica. Esse e outros temas tem trazido a ciência brasileira para os holofotes da imprensa. Não só pelos resultados, avanços e inovações, mas por polêmicas que envolvem o próprio fazer científico. Recentemente, após declaração nefasta do governador Geraldo Alckmin, discutimos aqui no blog a importância da ciência básica, e a destruição do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação no post “Ciência nada básica”. Além destas discussões vigentes, outras questões nunca saem da pauta; elas requerem - e tem tido - nossa atenção. Por exemplo, a atuação das mulheres na ciência! Na seção Mulheres na Ciência sempre discutimos questões que estão envolvidas no plano pessoal e profissional da atuação das mulheres no meio acadêmico, desde maternidade (leia O filho que concorreu com a ciência e empatou), a influência do gênero na carreira (O sexo realmente importa?), até estupro (Tragédias também ocorrem no paraíso). Biólogos e oceanógrafos sempre discutem estes e outros temas aqui no blog. Desta vez, convidamos uma jornalista científica para uma entrevista. Profunda conhecedora (de prática e de teoria) da divulgação científica, a profa. Dra. Mariluce Moura, cuja trajetória no ramo se confunde com a própria história da divulgação científica no Brasil nas últimas décadas. Mariluce foi presidente da Associação Brasileira de Jornalismo Científico, é pesquisadora colaboradora do LabJor (Unicamp), centro de referência da América Latina para estudos e formação de profissionais em divulgação científica, trabalhou como assessora de imprensa e coordenadora de comunicação do CNPq e foi assessora e diretora científica da Fapesp. A jornalista, graduada pela UFBA, também foi a mentora e dirigiu, no período de 1995 a 2014, a mais prestigiada revista científica brasileira, a Pesquisa Fapesp. Atualmente Mariluce é professora da Faculdade de Comunicação da UFBA e coordenadora do projeto Ciência na Rua (ciencianarua.net), blog voltado para a divulgação científica para jovens de 14 a 25 anos. Com a Palavra, Mariluce! Bate-papo com Netuno: Qual a importância da divulgação científica para a sociedade brasileira? Mariluce Moura: É vital! A ciência e a tecnologia são dois dos pilares da estruturação econômica da sociedade. Aliás, não só econômica. A sociedade contemporânea é estruturada sobre o conhecimento científico. Algumas reflexões filosóficas dizem que hoje, se a gente pensar por exemplo no Ciclo Mutações que vai acontecer na UFBA de 03/10 a 25/11, o mundo hoje é um mundo em mutação. O rumo das coisas tem sido muito mais determinado, para bem e para o mal, pelos fatos científicos do que pelas reflexões, pela atividade do pensamento, pelo refletir profundamente sobre para onde vamos e como caminhamos. Assim como os fatos científicos, as descobertas científicas e as tecnologias, as inovações constituem de modo tão entranhado o nosso cotidiano. É fundamental que a sociedade tenha percepção sobre esse fenômeno, e que se dê conta disso, que perceba aquilo que altera o seu próprio cotidiano, sua própria vida. Pense em todas as mudanças das duas últimas décadas: no âmbito digital, da biotecnologia, das novas tecnologias de saúde. A própria troca social entre as pessoas se dá de maneira muito mais diversa que há duas décadas: hoje nós nos falamos menos por voz e muito mais pelo Whatsapp e pelas redes sociais. A divulgação científica tem o papel fundamental de explicitar o que está acontecendo no nosso mundo hoje, aqui e agora. BPCN: Como a senhora vê o jornalismo científico hoje em dia no Brasil? MM: Existem poucos jornalistas de ciência, mas grandes profissionais, como a Sabine Righetti, o Reinaldo José Lopes, o Salvador Nogueira, o Marcelo Leite e o Ricardo Zorzetto.  Há pouco espaço na mídia tradicional para a ciência. Falta espaço em muitos veículos, mas há belas frentes se abrindo, inclusive se alimentada por profissionais de outros campos, como a biologia. Acho que o espaço da internet tende a apresentar um panorama. Infelizmente, ainda não é um campo com o peso que deveria ter na sociedade contemporânea. BPCN: Qual a importância dos blogs para a popularização da ciência? MM: É um veículo muito interessante, para ampliar a divulgação e a popularização da ciência. Penso que os blogs escritos pelos próprios cientistas nem sempre estão muito antenados com o interesse geral da população, mas eu acho que eles trazem uma grande contribuição à disseminação de informação. Acho muito positivo o surgimento dos blogs de ciência. BPCN: A senhora acha que as mulheres fazem diferença na divulgação científica? MM: Sempre faz bem às diversas atividades culturais e científicas que a sociedade esteja bem expressada naquele campo. Se uma determinada área tem muito mais homens brancos, por exemplo, a sociedade como um todo está mal expressada. A esse propósito, não só da divulgação científica mas da própria ciência, nesta semana saiu uma matéria na Nature falando que, em síntese, teríamos melhor ciência se os países pobres também produzissem ciência. É um artigo na mais badalada revista de ciência do mundo! É uma consciência que tem aumentado, sobre a necessidade de se ter nas atividades fundamentais de ampliação do conhecimento, por exemplo, representantes dos muitos segmentos de gênero, étnicos, dentre outros. É preciso  que as mulheres estejam muito mais presentes não só nesta, mas em todas as atividades como as de produção cultural, de arte e de conhecimento. BPCN: Recentemente, a divulgação de resultados de pesquisas na imprensa antes da publicação do trabalho em uma revista científica criou uma polêmica e gerou debates na comunidade científica. O que a senhora pensa sobre a divulgação de resultados antes da publicação em revistas científicas? MM: Em linhas gerais, para o divulgador de ciência, sobretudo para o jornalista de ciência, é bastante interessante que o artigo tenha saído em uma revista científica. Porque sair na revista significa que houve validação pelos pares. Isso dá uma garantia, que não é absoluta porque sabemos da ocorrência de fraudes mesmo em artigos publicados por revistas altamente respeitadas, mas é uma garantia adicional para o jornalista. Mas existem situações de emergência, que é o caso do zika vírus, por exemplo. Havia todo um esforço pelo isolamento do vírus, para entender o que estava causando aquele problema aqui no Brasil, então existem alguns momentos nos quais há uma certa emergência no âmbito da produção científica e no âmbito da divulgação para a sociedade. Com os cuidados naturais de checagem com outras fontes e com outros cientistas que a gente respeite, que são da mesma área e que inclusive possam levantar contraditórios sobre aquilo que está sendo divulgado, eu acho que é o caso de se utilizar sim na divulgação científica. Uma matéria, uma reportagem ou uma notícia deve ter uma informação. E se existe um contraditório possível dessa informação, é bom que o jornalista mostre também esse outro lado. Em ciência isso nem sempre se dá assim. Mas é bom que se respeite esse princípio geral do jornalismo. Então, tomados os cuidados necessários, é possível às vezes sair da regra de ouro de esperar a revista científica publicar sem que se faça uma coisa leviana. Sugestões de leitura: Biólogos aderem à publicação de resultados sem revisão- Bernarno Esteves (Revista Piauí) Desafios antigos para mulheres atuais - Jana del Favero (Bate-papo com Netuno) Descoberta do zika no Brasil provocou mágoa entre pesquisadores - Cláudia Collucci (Folha de SP) Is science only for the rich? - Nature Preprints for the life sciences - Nature Science and inequality - Nature The logic of journal embargoes: why we have to wait for scientific news - The Conversation #divulgaçãocientífica #jornalismocientífico #mulheresnaciência #raquelmoreirasaraiva #MariluceMoura #caiacolla

  • Querida, estou grávido!

    Por Raquel Moreira Saraiva e Yonara Garcia. Em homenagem ao dia dos pais, que tal falarmos de um super pai do reino animal, o cavalo-marinho?! Este peculiar organismo é considerado um super pai devido a uma ótima razão: os machos ficam grávidos! Isso mesmo! Os cavalos-marinhos se destacam no reino animal porque são os machos os  responsáveis por todo cuidado parental após a fecundação: eles  carregam os filhotes durante a gestação, sentem as “dores do parto” e por fim  dão à luz! Pesquisas recentes mostram também que os cavalos-marinhos papais têm ainda mais semelhanças com as mamães humanas do que nós pensávamos! Mas antes de contarmos estas peculiaridades, vamos conhecer um pouquinho sobre eles. Os cavalos-marinhos são peixes-ósseos (teleósteos) que pertencem ao gênero Hippocampus e à família dos singnatídeos (Syngnathidae). Esta família tem como característica o desenvolvimento por viviparidade, ou seja, o desenvolvimento embrionário ocorre no interior do corpo, que neste caso é o corpo paterno. Existem mais de 50 espécies de cavalos-marinhos distribuídas pelo mundo, em regiões tropicais e temperadas. Destas, três espécies ocorrem na costa brasileira: Hippocampus reidi, Hippocampus erectus e Hippocampus patagonicus, presentes no ambiente marinho e estuarino. Representantes das três espécies de cavalos-marinhos que ocorrem no Brasil: Hippocampus reidi, Hippocampus erectus e Hippocampus patagonicus, respectivamente. Imagens: Projeto Hippocampus Estes peixes locomovem-se na vertical por meio de movimentos ondulatórios de suas nadadeiras dorsais, que vibram rapidamente, porém este tipo de locomoção vertical os torne mais lentos, a ponto de serem considerados um dos peixes mais lentos dos oceanos. Os cavalos-marinhos são predadores, com uma alimentação à base de plâncton, crustáceos e pequenos animais que são sugados por meio de seu focinho tubular. Eles também são camufladores hábeis: se sentindo ameaçados, podem mudar de cor, desenvolver projeções cutâneas que mimetizam algas e até pólipos de corais, além de conseguir permanecer imóveis, fixando-se em algas e corais por meio de sua cauda preênsil. Mas estes disfarces não são infalíveis: caranguejos, alguns peixes carnívoros (por exemplo, o atum), pinguins, aves marinhas e até mesmo os humanos “predam” os cavalos-marinhos adultos (para saber mais sobre o plâncton, leia nosso post O que você sabe sobre o plâncton?). A maioria dos cavalos-marinhos é monogâmica, de forma que tanto o macho quanto a fêmea de um par formado repelem outros parceiros que tentem interferir na relação. Para o acasalamento, eles realizam um tipo de dança, na qual sincronizam seus movimentos, girando um em torno do outro com as caldas entrelaçadas. A gravidez masculina tem implicações interessantes para os papéis sexuais clássicos no acasalamento. Na maioria das espécies os machos competem pelo acesso às fêmeas, de modo que é comum ver a evolução de características sexuais secundárias* em machos . De acordo com o pesquisador Adam Jones, da Universidade do Texas, no caso dos cavalos marinhos, as fêmeas apresentam um comportamento competitivo, que em geral é apresentado pelos machos. Além disso,  os machos parecem “exigentes” em relação à escolha de suas parceiras, atributo comumente observado em fêmeas. Ilustração: Joana Ho Bem, mas vamos ao que interessa: como os machos deste grupo são capazes de ficar grávidos? O cavalo-marinho macho possui uma bolsa incubadora especializada onde a fêmea coloca seus ovócitos (células reprodutivas). Quando ele está pronto para acasalar, o macho sinaliza a fêmea enchendo a bolsa com água. A fêmea, por sua vez, nada e se pressiona contra ele, colocando seu tubo de postura, chamado ovipositor, em um orifício dilatado, presente na bolsa do macho. Após a transferência dos ovócitos, o orifício se fecha, e então o macho os fecunda. Assim inicia-se o desenvolvimento dos filhotes no interior do corpo do macho. O período de gestação desse grupo varia bastante, de acordo com a espécie e a temperatura da água, podendo ocorrer entre dez dias e seis semanas. Em regiões tropicais, os cavalos-marinhos apresentam um período de gestação em torno de 12 dias, podendo parir mais de 1500 minúsculos bebês totalmente formados. Eles se reproduzem durante todo o ano e a partir do primeiro ano de vida os casais formados são capazes de produzir mais de 1000 larvas por gestação. Cavalo-marinho dando à luz. Os desafios da gravidez são os mesmos para todos os animais, como assegurar o fornecimento adequado de oxigênio e nutrientes para os embriões. Estudos recentes têm demonstrado que diversas linhagens de animais superaram estes desafios de maneira semelhante. Os cavalos-marinhos, como tantos outros embriões de outros vivíparos, adquirem muitos nutrientes a partir do vitelo dos ovos advindos das suas mães, que é equivalente à gema do ovo das galinhas. A pesquisadora Dra. Camilla Whittington e colaboradores da Escola de Ciências Biológicas da Universidade de Sydney (Austrália) demonstraram em estudos publicados na Molecular Biology and Evolution que nutrientes adicionais, como cálcio e alguns lipídios, são secretados pelos papais na bolsa incubadora e então absorvidos pelos embriões. Além disso, a bolsa dos pais também atende aos desafios complexos de fornecer proteção imunológica aos filhotes, além de assegurar a troca gasosa e a remoção das excretas! A gravidez é acompanhada de muitas adaptações morfofisiológicas, como a remodelação da bolsa incubadora o transporte de nutrientes e de resíduos, a troca gasosa, a osmorregulação e a proteção imunológica dos embriões. Outra curiosidade descoberta pelos pesquisadores é que a genética  relacionada a essas adaptações é muito semelhante à expressão genética da reprodução interna de mamíferos, répteis e outros peixes. É surpreendente que, mesmo em animais com “idades evolutivas” tão distantes, as ferramentas genéticas que foram desenvolvidas com função reprodutiva sejam tão semelhantes entre si, mesmo entre vivíparos aplacentários (cavalos-marinhos) e placentários (mamíferos) (Caspermeyer, 2015; Whittington et al., 2015). As populações de cavalos-marinhos estão em declínio no mundo inteiro. Além de sua capacidade limitada de locomoção, a destruição do seu habitat e as pescas incidental e direcionada têm ameaçado a vida destes peixes. A procura por espécimes vivos como peixes ornamentais na aquariofilia é grande. Desidratados, são usados como ingrediente de drogas caseiras e industrializadas e até como peça de decoração, o que os deixa ainda mais vulneráveis. A compra destes peixes, mesmo vivos, incentiva sua captura e comércio, além de contribuir com o desequilíbrio ecológico.  Estudos genéticos, fisiológicos e ecológicos destes animais ajudam não só a compreender sua biologia e os passos evolutivos que levaram à inversão  no comportamento sexual, mas também contribuem para o manejo correto dessas espécies. O melhor a fazer é deixar os cavalos-marinhos no seu hábitat natural, reduzindo a exploração e cuidando dos ambientes em que eles vivem, como recifes de coral e manguezais. Assim pode-se conhecer melhor estes peixes e ajudar na sua preservação. *caracteres secundários: características que se desenvolvem durante a maturidade sexual dos animais, mas que, ao contrário dos órgãos sexuais, não são parte do sistema reprodutor Para saber mais sobre o assunto: Projeto Hippocampus - Iniciativa do Laboratório de Aquicultura Marinha - LABAQUAC para educação ambiental e estudos de conservação de cavalos-marinhos. www.projetohippocampus.org Caspermeyer, J. Unraveling the Genetic Basis of Seahorse Male Pregnancy Mol Biol Evol (2015) 32 (12): 3278 first published online November 17, 2015 doi:10.1093/molbev/msv238 Jones, AG & Avise, JC. Mating Systems and Sexual Selection in Male-Pregnant Pipefishes and Seahorses: Insights from Microsatellite-Based Studies of Maternity J Hered, 2001. Rosa IL, Oliveira TPR, Osório FM, Moraes LE, Castro ALC, Barros GML & Alves RRN. Fisheries and trade of seahorses in Brazil: historical perspective, current trends, and future directions. Biodivers Conserv, 2011. Silveira, R. B. Dinâmica populacional do cavalo-marinho hippocampus reidi no manguezal de Maracaípe, Ipojuca, Pernambuco, Brasil. (2005). Whittington CM, Griffith OW, Qi W, Thompson MB & Wilson AB. Seahorse brood pouch transcriptome reveals common genes associated with vertebrate pregnancy.Molecular Biology and Evolution, 2015. #cavalomarinho #ciênciasdomar #diadospais #joanaho #raquelmoreirasaraiva #yonaragarcia

  • Ciência nada básica!

    Por Raquel Moreira Saraiva As esponjas são invertebrados bastante estudados. Pertencem ao filo Porífera, e estão presentes no mar e na água doce. Por serem animais sésseis, ou seja, que não se locomovem livremente, elas se protegem contra possíveis predadores produzindo um verdadeiro arsenal de defesas químicas, os chamados metabólitos secundários - que constituem um caldeirão de possibilidades para as indústrias química e farmacêutica. Diversos estudos têm demonstrado uma grande variedade de propriedades terapêuticas dos metabólitos secundários, dentre elas antimicrobianas, antioxidantes, anti-hipertensivas, anticoagulantes, antiinflamatórias, cicatrizantes e até anti-carcinogênicas (para saber mais sobre o assunto, leia nosso post Uma história sobre esponjas). Para que esses estudos sejam possíveis, é fundamental que se desenvolvam trabalhos prévios para conhecer o animal, através de análises taxonômicas, ecológicas, e assim por diante. Também é necessário isolar as moléculas bioativas que o animal produz para testar a estabilidade do composto, determinar sua estrutura química (para sua posterior síntese em laboratório), seus efeitos em diferentes concentrações e condições ambientais, etc. Todos estes constituem estudos de ciência básica. Só a partir desse conhecimento é possível avançar mais passos até que se chegue ao desenvolvimento de remédios, cosméticos e até suplementos nutricionais, a chamada ciências aplicada. Ilustração: Joana Ho. Recentemente, o governador Geraldo Alckmin (PSDB) criticou a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), o principal órgão de financiamento à pesquisa do estado, alegando que a entidade prioriza o financiamento de estudos que não tem utilidade prática. Declarações como esta são resultado de uma cultura que ignora o papel das pesquisas científicas para o avanço social. Por isso ainda são frequentes as manifestações de rejeição às pesquisas estritamente acadêmicas, mesmo entre as personalidades presumivelmente mais eruditas. Alckmin está certo em um ponto: em todas as áreas da ciência, nem todos os projetos tem utilidade prática. Mesmo a longo prazo. Só entre produtos marinhos bioativos, mais de 15.000 moléculas foram isoladas e testadas em 20 anos. No caso dos estudos de drogas, dentre as substâncias que passaram pela Fase I de testes clínicos entre 2006 e 2015 , apenas 9,6% foram aprovadas para comercialização, segundo a FDA (U.S. Food and Drugs Administration). Então o país está jogando dinheiro fora quando financia pesquisas “sem utilidade prática”? De forma alguma! Em resposta à declaração de Alckmin, o Conselho Superior da FAPESP ressaltou que algumas pesquisas são realizadas “para tornar as pessoas e as sociedades mais sábias e, assim, entenderem melhor o mundo em que vivemos, o que é uma das missões da ciência”. Além disso, o avanço da ciência muitas vezes é imprevisível, e quando desenvolvemos uma pesquisa nós não sabemos onde ela chegará. Ela é motivada de modo simultâneo pela expansão do conhecimento e para aprimorar nossas habilidades para melhorar o mundo. E uma breve olhada na história mostra que inovações importantes também surgiram a partir de pesquisas puramente acadêmicas, desde o velcro até o GPS e o aparelho de ressonância magnética. Atualmente, cada vez mais cientistas rechaçam a separação entre as “ciências” básica e aplicada. A ciência básica é sim de extrema importância para o processo de inovação, ou seja, para a pesquisa extrapolar a bancada do laboratório e tornar-se um produto comercial. O cientista A. A. Toole (2011) ressaltou a importância da ciência básica para o desenvolvimento de inovação na área médica. Segundo o pesquisador, ela “fornece uma base de conhecimento que cria novas oportunidades para abordar os resultados terapêuticos e novas informações para a triagem química”. Ao contrário do que parece, essa dedução não é recente. Na inauguração da Faculdade de Ciências da Universidade de Lille (França), em 1854, Pasteur declarou: ''Caberá a nós, especialmente, não compartilhar a opinião destas mentes estreitas que desprezam tudo o que nas ciências não tem aplicação imediata''. Mas a discussão sobre a importância da ciência básica perdura há décadas. Um reflexo disto é que a promessa de retorno tecnológico advindo da pesquisa básica ainda não tem força para gerar investimentos dos cofres públicos para a ciência pura. Mesmo dentre os acadêmicos, onde supõe-se maior conhecimento sobre a magnitude e a vastidão da ciência, a pesquisa básica precisa ser “justificada”. Participei de muitos congressos na grande área de fisiologia. Tanto nas discussões sobre neurociências quanto sobre toxinologia*, era comum ouvir reclamações sobre a tal “justificativa” da importância do projeto que era exigida nos editais. Aparentemente, os projetos de pesquisa só seriam considerados relevantes se tivessem utilidade prática. Ou seja, só seriam contemplados se fosse alegada uma relação com um problema de saúde pública. E, como um mantra, a sentença “este estudo é importante para o desenvolvimento de novos medicamentos” é repetidamente proferida para justificar a importância prática de pesquisas que, a princípio, são puramente acadêmicas - mas que não são menos relevantes. Uma solução para este modelo organizacional dicotômico foi proposta por Donald Stokes em 1997 (Fig. 1). Ele classifica duas dimensões para a pesquisa e inovação:  a aplicação do conhecimento e o avanço do conhecimento. A partir desta proposição, é estabelecido um gráfico com os seguintes quadrantes: (1) no canto superior à esquerda fica o chamado Quadrante de Bohr - inspirado nas pesquisas do físico Niels Bohr sobre a estrutura do átomo, representando a pesquisa básica sem nenhuma aplicação imediata; (2) o quadrante inferior à direita, o Quadrante de Edison, representando as pesquisas de Thomas Edison sobre lâmpadas elétricas - ou seja, pesquisas que visam diretamente o desenvolvimento tecnológico. O quadrante superior direito é o Quadrante de Pasteur. Nele são classificadas as atividades de pesquisa que podem contribuir para o avanço do conhecimento,  mas que além disso tem grande potencial para aplicação. Assim, essa área consiste numa convergência das ciências puramente básica e aplicada. Com o Quadrante de Pasteur, Stokes demarca o campo científico que contempla os anseios sociais, como as pesquisas sobre o ambiente (i.e., estudos de conservação, ecologia, etc), dentre outros, como a decodificação do DNA e os estudos com as toxinas animais ou mesmo sobre as moléculas bioativas das esponjas. De acordo com Maxime Schwartz (2015), Louis Pasteur era conhecido por refutar a divisão dicotômica. Pasteur foi um cientista cuja carreira transitava entre a ciência básica e a ciência aplicada. Sempre procurando soluções para problemas práticos e refletindo sobre questões teóricas, o químico desenvolveu o método da pasteurização, bem como provou que a “teoria da geração espontânea” não estava correta, dentre outras realizações. A proposta de Stokes substitui o ultrapassado modelo “básica versus aplicada”, cuja “terminologia não reflete a rica conectividade e a interação de muitos tipos de pesquisa, e é uma barreira ao desenvolvimento de políticas construídas nas realidades da ciência e da tecnologia” (Narayanamurti, Odumosu & Vinsel, 2013). O modelo do Quadrante de Pasteur pode fortalecer a ciência básica sócio-politicamente e inspirar novas direções que encerrem o impasse entre política e comunidade acadêmica. Ressalto novamente que toda a ciência carece de prestígio e reconhecimento no Brasil. Em detrimento do forte progresso que fez nos últimos 30 anos, com a criação do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), desde 2015 a ciência brasileira tem sofrido sucessivas derrocadas. No último ano, a presidenta afastada, Dilma Rousseff, fez cortes orçamentários na pasta que alcançaram o valor de 2 bilhões de reais. Mais recentemente,  alegando contenção de gastos devido à crise econômica que o país enfrenta, o presidente interino Michel Temer agravou o quadro ao criar um ministério-quimera resultante da fusão do MCTI ao Ministério das Comunicações (MC). Os cientistas se opuseram fortemente à determinação, pela óbvia incompatibilidade deste enlace e temendo o enfraquecimento político do setor. Esta decisão diverge da prática de outros países, como EUA, Japão, China e Coréia do Sul, que investem em ciência, tecnologia e inovação (incluindo ciência básica) como meio de gerar soluções para sair de crises econômicas. Naturalmente, a comunidade acadêmica conhece mais profundamente a importância das pesquisas para o desenvolvimento do país. Por isso, além de cobrar do governo políticas que fomentem e fortaleçam a pesquisa e a inovação, tem o dever de aumentar a interação entre o setor e a sociedade brasileira. A maior popularização, seja através de divulgação ou de programas de extensão com a comunidade, pode elucidar para todos os brasileiros o significado do conhecimento que é gerado nas universidades e nos centros de pesquisa. O incentivo à pesquisa na sua diversidade é importante! Pasteur escreveu em 1865: ‘‘É típico das descobertas científicas que uma supere a outra. O campo científico é inexaurível. Quanto mais lavrado, mais tesouros ele revela”. Embora não consigamos prever o caminho que ela percorre, podemos ter certeza de que direta ou indiretamente a ciência continuará a trazer benefícios econômicos, sociais e culturais para a sociedade, como tem feito há séculos. *toxinologia: “área que compreende os estudos de venenos e toxinas de origem animal, vegetal e microbiana, incluindo o desenvolvimento de fármacos e da biologia dos animais peçonhentos ou venenosos” (Fonte: Pós Graduação em Toxinologia - Instituto Butantan) Leia mais sobre esse assunto em: Alckmin critica Fapesp por pesquisas 'sem utilidade prática' por Thaís Arbek e Reinaldo José Lopes BIO Industry Analysis. Clinical Development Success Rates 2006-2015. 2016. "Brasil vai perder muitos cérebros com fim do Ministério da Ciência" Deutsch Welle Brasil Larson, Charles F. "The Boom in Industry Research." Issues in Science and Technology 16, no. 4 (Summer 2000). M. Schwartz, Science and the applications of science from Louis Pasteur to Jacques Monod, C. R. Biologies (2015), http://dx.doi.org/10.1016/j.crvi.2015.03.006 Narayanamurti, Venkatesh, Tolu Odumosu, and Lee Vinsel.   "RIP: The Basic/Applied Research Dichotomy." Issues in Science and Technology 29, no. 2 (Winter 2013). Perdicaris S, Vlachogianni T, Valavanidis A (2013) Bioactive Natural Substances from Marine Sponges: New Developments and Prospects for Future Pharmaceuticals. Nat Prod Chem Res 1: 114 doi: 10.4172/ 2329-6836.1000114 Stokes, D E. O quadrante de Pasteur: a ciência básica e a inovação tecnológica. Campinas, SP: UNICAMP, 2005. Toole, A A. The impact of public basic research on industrial innovation: Evidence from the pharmaceutical industry. Policy 41 (1), 1-12, 2011. What's the Use of Basic Science? Por C.H. Llewellyn Smith #ciênciasdomar #ciêncianadabásica #ciênciaetecnologia #ficaMCTI #joanaho #raquelmoreirasaraiva

  • Após a maternidade, de acadêmica a empresária

    Por Raquel Moreira Saraiva Ilustração de Caia Colla Lorena Cruz é bióloga, formada pela UFBA, com mestrado em Ecologia pela mesma universidade. Em 2013, Lorena se tornou mãe de Manuela. Após um ano de dedicação integral e apaixonada à maternidade, começou a conciliar a maternidade e a academia com o empreendedorismo, fundando as empresas “Com Amor de Mãe”, de fabricação de tortas e doces, e “As Festas de Manuca”, que inovou o mercado de festas em Salvador (BA) ao desenvolver decoração de festas infantis com uma proposta ecológica. Lorena deu entrevista ao blog para falar sobre a transformação da sua vida pessoal e profissional após a maternidade, em especial a influência da filha sobre suas decisões em relação à carreira acadêmica. Bate Papo com Neturo (BPCN): Lorena, você foi professora substituta do curso de Biologia da UFBA alguns anos antes e alguns anos após ser mãe. A maternidade mudou a professora Lorena? Lorena: Eu não consigo entender como é que antes eu levava um, dois, três dias para preparar uma aula. Fico pensando ‘Meu Deus, como assim?’. Eu levava tanto tempo pra fazer uma aula! Eu fiquei mais eficiente, porque tinha que fazer a aula, tendo Manu para dividir a minha atenção. É claro que hoje em dia ela vai para a escola, então ela tem alguns horários definidos que me deixam mais livre. Mas durante os finais de semana, por exemplo, temos que dar atenção a ela, brincar e tal, então tenho que chegar em casa e ainda ler artigos para aula de segunda feira - inclusive tenho que fazer isso hoje (risos). Sem dúvida, eu fiquei super eficiente. BPCN: Qual a sua opinião sobre o caso que aconteceu recentemente na UFRGS, quando uma professora impediu uma aluna do curso de Letras de assistir uma aula com sua filha de cinco anos? (Clique aqui para ver a notícia). L: Estou chocada. Se fosse um professor, eu já acharia um absurdo. Sendo mulher, eu não consigo achar nenhuma explicação que justifique isso. Como mulher já entenderia, sendo mãe, entendo mais ainda. Eu já tive alunas que fizeram provas com o filho na sala porque  não tinham com quem deixar a criança, você vai fazer o quê? É justamente disso que eu falo, por que  ocorre tanta evasão de mães nos ambientes acadêmicos: a mulher vai assistir a aula, mas não tem com quem deixar a filha e não tem apoio algum no espaço onde vai estudar. Acho que não é a postura de todos os professores, mas é uma atitude extremamente ridícula e contribui para que as mães abandonem os estudos. Muitas até gostariam de continuar e não conseguem. BPCN: Como uma pesquisadora decidiu migrar da área acadêmica para o empreendedorismo? L: Primeiro, foi uma decisão meio forçada, para não sair de casa... (a entrevista é interrompida por Manuela, chamando nossa atenção para mostrar a “Peppa Pig” na televisão). Eu escolhi o empreendedorismo para ficar em casa com Manu. Eu comecei com a venda de chocolates, venda de doces, mas tinha em mente que não era aquilo que eu queria para minha vida para sempre. Ainda tinha planos de fazer doutorado na área de ecologia, e pensava nessa doceria como projeto pra eu tocar em paralelo ao meu plano principal, que era a academia. No entanto, as coisas foram mudando. Primeiro entrei numa faculdade particular pra dar aula, depois fiz concurso pra professor substituto novamente (Lorena já havia prestado concurso e lecionado como substituta alguns anos antes), e nesse meio tempo surgiu o outro negócio, que são as festas. Também tentei me inserir novamente em um laboratório pra tentar voltar à rotina acadêmica, publicar meu artigo do mestrado para me inscrever no doutorado... Mas meu artigo não foi aceito, está para ser submetido novamente. E com essa coisa do artigo não aceito, além de algumas frustrações dentro do laboratório, vendo que a vida na academia não parecia me proporcionar uma possibilidade de ser criativa, de inventar, eu me sentia meio limitada. Assim, eu voltei pro empreendedorismo, já na concepção das festas, e agora eu me sinto realizada: consigo criar, consigo pensar, consigo ter atividades diferentes, lá na academia eu me sentia mais presa. BPCN: Lorena, após o término do mestrado você engravidou de Manuela e sua vida profissional mudou completamente. Aparentemente, alguns fatores limitaram você a continuar na academia. Quais fatores seriam esses? L: Embora eu pudesse criar meu horário para o laboratório (por exemplo, se eu pudesse ir na segunda-feira, então eu iria toda segunda-feira), sempre foi exigida uma regularidade que eu não podia atender, porque eu ainda dava aula. Só no período de greve eu assumi mais essa regularidade de presença no laboratório. Mas, apesar de ter horário a cumprir, necessidade de rotina, isso é flexível na academia, então não era meu fator limitante. O primeiro fator que me limitou era trabalhar com microorganismos que eu não gostava muito, que eram os fungos. Às vezes eu não gostava do ambiente de trabalho. E também o fato de ter que desenvolver um projeto e ter que pensar e desenvolver perguntas para o projeto. Porque apesar de eu poder criar minha própria pergunta, ao mesmo tempo eu me sentia limitada em relação aos recursos, por exemplo. Então você pode pensar numa pergunta de pesquisa maravilhosa e não ter recurso para executar o projeto, isso me causava uma certa frustração. Mas, principalmente, senti que gostava muito de artesanato; eu gosto muito de coisas manuais, e na academia não posso fazer isso, a não ser que eu fizesse uma armadilha artesanal para os animais (risos), então isso também contribuiu para que eu não continuasse na academia. Na verdade, acho que maternidade e academia ainda estão num processo confuso para mim. Eu gosto da academia, mas não me vejo como pesquisadora dentro da universidade, aquele modelo de professora efetiva, dedicação exclusiva. Eu queria ser mais livre, fazer pesquisa eventualmente. Mas eu admiro muito quem está dentro do ambiente acadêmico, principalmente conciliando com a maternidade. Ainda assim, para quem planeja ter filho e conciliar com a academia eu digo que é totalmente viável. Em todas as profissões existem mães, e na academia não é diferente. BPCN: No artigo “Quando colocar filhos no cronograma?”, discutimos resultados de um trabalho de autoria de Willians & Ceci (2012) (Leia mais aqui), no qual evidencia-se que, entre pós-doutorandos, a chegada de um filho, ou mesmo o plano de ter filhos, tem menos impacto na carreira dos homens do que na carreira das mulheres, que apresentam índices muito maiores de desistência dos estudos. Quais fatores você acha que ajudariam a mulher a conciliar o papel de mãe com o papel de pós-graduanda? L: Acho que a própria universidade precisa criar um espaço de acolhimento maior para a mãe. Por exemplo: creches. Na UFBA existe uma creche, mas para as mães da UFBA conseguirem uma vaga é um suplício. Vez ou outra os funcionários entram em greve e a creche não funciona. Tem mãe que precisa levar o filho para assistir aula. A universidade precisa ter uma estrutura melhor para receber os filhos dessas mães, porque muitas não tem com quem deixar os filhos. Uma pessoa que ganha R$ 2.200,00 de bolsa de doutorado não tem como pagar uma babá. Falta acolhimento das universidades para que as mães possam levar os filhos. BPCN: No mesmo artigo, discute-se que o período biologicamente ‘ideal’ para ter filhos, que seria o período de fertilidade ótima da mulher, não coincide com o melhor período profissional das pós-graduandas, ou o período que a carreira fica mais estável. Quais conselhos você daria para uma mulher pós-graduanda que sonha em ser mãe? L: Dizem que quem para para pensar não é mãe nunca. Então o conselho que eu dou para quem quer ser mãe é: seja. Porque não existe hora certa, não existe ‘quando acabar o mestrado’, ‘quando acabar o doutorado’, porque a cada hora que você acaba um ciclo, aparece sempre um novo projeto e você vai ter que se debruçar sobre ele, e você vai ter que adiar a maternidade. Sem ser clichê, posso dizer que o que sou hoje é por causa de Manuela. Criei duas empresas, uma é “Com Amor de Mãe” - se eu não fosse mãe eu não teria a empresa, e a outra é “As Festas de Manuca” - se não fosse Manuca não teria festa, não teria eu (risos). Eu me descobri mesmo depois dela. Não é romantismo, a maternidade te proporciona você se conhecer melhor. E você fica mais eficiente, isso é fato, você fica extremamente mais eficiente. Na verdade seus planos podem nem mudar tanto, embora os meus tenham mudado muito. Mas você pode adaptar os planos. Acho que a pessoa não vai deixar de concluir o doutorado porque é mãe, não vai deixar de fazer o doutorado porque é mãe. Eu estou deixando de fazer o doutorado em ecologia, mas ainda tenho vontade de fazer em sustentabilidade, alguma coisa que eu consiga aliar com as festas. Porque hoje eu encontrei o ramo da biologia que eu quero trabalhar, que é a sustentabilidade, e eu gosto de trabalhar nessa área na forma de festa. Então meu conselho é não pare para pensar, não pare para ficar planejando que ‘daqui a quatro anos, quando eu pegar meu canudo de doutora eu vou ser mãe’, porque daqui a quatro anos você vai receber uma proposta de pós-doutorado e você não vai poder ser mãe. E o tempo passa, você olha para trás e não consegue ver o que você construiu porque o seu principal objetivo, se for ser mãe, não foi alcançado. Então: seja. #mulheresnaciência #raquelmoreirasaraiva #caiacolla #diadasmães #filhos

  • Plásticos Biodegradáveis fake: a natureza não agradece

    Por Ítalo B. Castro e Paula C. Jimenez Originalmente publicado em: https://unifesp.medium.com/pl%C3%A1sticos-biodegrad%C3%A1veis-fake-a-natureza-n%C3%A3o-agradece-7813275948d2 Nas últimas décadas, a quantidade de detritos plásticos em ambientes naturais tem aumentado de forma drástica, gerando impactos significativos sobre os ecossistemas costeiros, marinhos e terrestres. Paralelamente, os avanços científicos recentes atestam que a produção, uso e descarte de utensílios plásticos representam ameaças maciças ao bem-estar humano e ambiental, praticamente na mesma proporção das mudanças climáticas. De fato, o problema do plástico tem despertado a preocupação tanto de agências ambientais (nacionais e internacionais) como de gestores públicos que, visando amortizar o problema, vêm adotando medidas regulatórias. Embora ações para reduzir o problema ambiental dos plásticos sejam bem-vindas, muitas decisões recentes têm sido tomadas sem a necessária ponderação de especialistas sobre o tema. No último 07 de junho, a página da Secretaria de Educação do Estado de São Paulo (SEDUC-SP) divulgou matéria informando que, a partir do segundo semestre, as escolas estaduais irão substituir os copos de plástico comum por outros de material biodegradável. A matéria, intitulada “Governo de SP vai extinguir o uso de copos e material plástico nas escolas estaduais”, ainda menciona que os utensílios substitutos serão confeccionados em polipropileno biodegradável e que a fabricação do produto é feita de acordo com supostas resoluções vigentes da ANVISA. À primeira vista, esta pode parecer uma medida nobre e acertada, porém existem dois aspectos importantes a serem analisados na matéria: primeiro, polipropileno biodegradável não existe, e, segundo a ANVISA, regula apenas aspectos ligados à saúde pública (nesse caso, quanto à composição e utilização destes materiais), não sendo de sua competência a avaliação de critérios ecológicos desta vereda, como a biodegradabilidade dos materiais. Embora a matéria não forneça maiores detalhes, as informações veiculadas levam a crer que os novos utensílios a serem usados nas escolas serão feitos de plásticos oxo-biodegradáveis que, apesar da nomenclatura, não sofrem degradação em ambientes naturais e ainda podem acelerar a formação de microplásticos. Esses materiais já foram proibidos em vários países do mundo, inclusive na União Europeia devido aos riscos ambientais e a seu enquadramento como prática de greenwashing (termo em inglês que indica falsas alegações ambientais em produtos comerciais). Nesse aspecto, a Fundação Ellen MacArthur publicou uma declaração pedindo a proibição mundial de plásticos oxo-degradáveis e já recebeu a adesão de 150 organizações, incluindo European Bioplastics, M&S, PepsiCo, Unilever, Veolia, British Plastics Federation, Gulf Petrochemicals, WWF e dez membros do parlamento Europeu. Portanto, a substituição propagandeada pela secretaria de educação é, potencialmente, mais lesiva para a natureza do que os plásticos convencionais atualmente utilizados. No Brasil, não é crime produzir, comercializar e utilizar utensílios feitos com materiais oxo-biodegradáveis, os quais podem ser facilmente encontrados nas gôndolas da maioria dos supermercados, vendidos sob falsas alegações de biodegradabilidade. Por outro lado, quando um produto reconhecidamente prejudicial para o meio ambiente passa a ser adotado como alternativa sustentável por intuições públicas, sobremaneira em escolas estaduais, é importante que explicações sejam requisitadas. Cabe ainda enfatizar que o Brasil é o quarto maior gerador de resíduos plásticos do mundo, sendo essencial que políticas públicas cientificamente orientadas sejam implementadas. Mais além, a leniência com que temos encarado essas questões pode levar consumidores conscientes a abandonar práticas ambientalmente amigáveis reduzindo sua disponibilidade em consumir produtos que sejam realmente biodegradáveis. Na maioria das nações desenvolvidas do mundo, substituições como a proposta pela Secretaria de Educação do Estado de São Paulo, optou-se pelo uso de utensílios descartáveis que sejam, de fato, biodegradáveis como aqueles feitos de papel, papelão ou madeira. Alternativamente, e ainda mais desejável, seria empregar o recurso disponibilizado e adotar materiais reutilizáveis que reduzem substancialmente a geração de resíduos e, simultaneamente, ajudam a educar as crianças com relação às responsabilidades com seu próprio lixo. De todo modo, para avaliar se esta é uma medida ecologicamente sã, é essencial que o Governo do Estado indique publicamente qual é o tipo de material que será utilizado na referida troca, demonstrando, assim, que a entidade construiu um repertório técnico robusto neste assunto para apoiar, com propriedade e responsabilidade, a hashtag #CombataAPoluiçãoPlástica. Sobre os autores: Ítalo B. Castro: Pesquisador do Instituto do Mar da Universidade Federal de São Paulo (IMAR/Unifesp), é formado em Ciências Biológicas pela Universidade Federal do Ceará (UFC). Fez mestrado em Ciências Marinhas pelo Instituto de Ciências do Mar (LABOMAR/UFC) e doutorado em Oceanografia pela Universidade Federal do Rio Grande (FURG). É membro efetivo do Society of Environmental Toxicology and Chemistry (SETAC-BRASIL), pesquisador colaborador das instituições onde cursou mestrado e doutorado e Professor Adjunto da (UNIFESP). Dedicou sua carreira acadêmica à pesquisa dos níveis ambientais e efeitos biológicos de produtos químicos e resíduos perigosos. Atualmente, tem se dedicado ao desenvolvimento e otimização de modelos biológicos para avaliação de impactos ambientais em áreas costeiras e marinhas. Paula C. Jimenez: Pesquisadora do Instituto do Mar da Universidade Federal de São Paulo (IMAR/Unifesp), graduou-se em Biologia pela UFC, fez mestrado e doutorado em Farmacologia e pós-doutorado pela UFC. Atualmente é Docente da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP) e revisora de periódico da Brazilian Journal of Medical and Biological Research (Impresso), da Vitae (Medellín), da Brazilian Journal of Pharmacognosy, da Scientific Reports, da Current Biotechnology, da Anticancer Agents in Medicinal Chemistry e da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho. Além disso, é revisora de projetos de fomento da Fundação de Amparo à Ciência e Tecnologia do Estado de Pernambuco e do Fondo Nacional de Desarrollo Científico y Tecnológico. Sua principal linha de pesquisa é em farmacologia com ênfase em produtos naturais marinhos, citotoxicidade, ascídias e Eudistoma vannamei. #CiênciasDoMar #Convidados #Convidadas #Microplástico #Biodegradáveis #PlásticosBiodegradáveis #PoluiçãoMarinha #ContaminaçãoMarinha

  • Um mito sobre para onde vai o oxigênio oceânico

    Artigo escrito por Placido Benzi, IOC-UNESCO Traduzido por Malu Abieri Texto original em https://oceanliteracy.unesco.org/ocean-literacy-commentary-a-myth-on-the-fate-of-oceanic-oxygen/ Histórico e contexto “50% do oxigênio que respiramos vem dos oceanos” “A cada duas respirações, uma vem do oceano” Estes mantras estão constantemente ecoando nos principais canais de comunicação geral e científica, pela televisão e mídias sociais, no rastro do que constitui o maior esforço de culturalização do Oceano Global na história da humanidade: a Década das Nações Unidas da Ciência Oceânica para o Desenvolvimento Sustentável. Esta iniciativa global representa uma “onda incrível” que já está inundando um deserto de informações com abordagens multidimensionais para o avanço da Cultura e Ciência Oceânica em todo o mundo. Em paralelo, o público e os governos estão cada vez mais participando de uma infinidade de iniciativas e atividades, gastando uma quantidade considerável de tempo e esforço cognitivo na difusão e consolidação da ciência e conhecimento do Oceano. Apesar do interesse genuíno demonstrado pelos diferentes tomadores de decisão (“stakeholders”) envolvidos, temos observado a difusão e circulação de diversas afirmações relativas aos oceanos que não são, na verdade, corretas. A rápida propagação de informações por meio de etapas recursivas de relatórios e pequenas modificações, como no caso de tabloides reportando fatos emanados por governos ou agências, poderia de fato gerar incontáveis erros de compreensão. Tal processo é especialmente reforçado por uma “seleção artificial”, na qual uma informação considerada bonita ou dramática é coletivamente estabilizada ou fixada, não importando/apesar de sua autenticidade. Nestes casos, a informação falsa assume a conotação de “mantra” e é perpetuamente circulada e eventualmente se torna integrada ao conhecimento público/comum. Um caminho semelhante caracteriza a história de um determinado micro conhecimento relativo à produção de oxigênio pelo Oceano. Os “mantras” supramencionados são repetidamente propagados nas redes sociais e até mesmo importantes instituições – Organização das Nações Unidas (ONU), União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN) – e, por melhores que possam parecer, permanecem, de fato, incorretos. E podem induzir a falsas suposições de como o Oceano funciona e regula a vida na Terra. São poucos os comentários escritos que abordam esta questão urgente, de C. Duarte e J-P. Gattuso (1), e, apesar da clareza e brilhantismo de tais intervenções, ainda vigora a propagação de sentenças incorretas sobre o assunto. Abordando o Mito A narrativa comum estabelecida sobre esses factoides vê o Oceano como exportador de um fluxo considerável de oxigênio para a atmosfera, sendo então prontamente consumido por formas de vida terrestres. Em contrapartida ao Oceano, que sob esta ótica produz cerca de 50% do oxigênio que respiramos, está o compartimento Terrestre, que através das plantas gera a cota remanescente de oxigênio disponível. Embora seja verdade que cerca de 50% do oxigênio atualmente produzido na Terra provenha do Oceano, é na verdade falsa a afirmação de que essa cota está realmente disponível para humanos ou qualquer outra forma de vida terrestre. O que a narrativa acima está ignorando é todo o metabolismo oceânico e o status de suas redes tróficas. Comparando o Oceano a um organismo gigante, poderíamos afirmar que o oxigênio produzido via produção primária é também majoritariamente consumido pela respiração do próprio Oceano. Assim, a atual produção líquida de oxigênio do Oceano é próxima de zero. O pensamento sistêmico vem ao resgate em muitos outros momentos semelhantes, como, por exemplo, no caso da Floresta Amazônica, que “supostamente” produz 20% do oxigênio que respiramos. Se considerarmos novamente todos os processos do ecossistema, devemos destacar que o ecossistema da Floresta Amazônica também consome a maior parte do oxigênio que produz, principalmente via respiração e oxidação de compostos orgânicos por plantas, fungos, animais e micróbios. Portanto, a contribuição em termos de oxigênio que respiramos é novamente próxima a zero. A pergunta natural que surge de tais considerações é a seguinte: “se o oxigênio que respiramos atualmente não vem do Oceano, de onde ele vem?”. De todo o carbono orgânico produzido no Oceano, apenas uma ínfima fração escapa à remineralização no ciclo de carbono, e é assim sequestrada ao longo de importantes escalas de tempo. Embora muito pequena, esta fração tem sido historicamente vital, considerando seu papel no acúmulo de oxigênio na atmosfera ao longo de escalas tempo geológicas. A deposição do carbono orgânico e sua preservação ao longo do tempo, evitam sua oxidação. O que significa que o oxigênio gerado durante o mesmo processo fotossintético, que também gerou o carbono orgânico, foi na verdade poupado. Portanto, podemos imaginar uma ligação invisível entre o carbono depositado no Oceano e seu efeito poupando o oxigênio relativo. Assim, o processo baixo e lento de deposição de carbono no Oceano ao longo do tempo, levou a um acúmulo gradual de oxigênio na atmosfera, partindo de valores inferiores a 0,001% ao atual nível de 21% durante a primeira metade da história do planeta (2). Resumo Aproximadamente metade do oxigênio produzido atualmente na Terra é gerado pelo Oceano O oxigênio atualmente produzido pelo Oceano é majoritariamente consumido pelo próprio Oceano Atualmente, o Oceano não produz nenhuma fração significativa do oxigênio que respiramos A deposição e preservação de carbono orgânico no Oceano e parte terrestre ao longo de escalas tempo-geológicas são responsáveis pela atual reserva de oxigênio atmosférico e pela respectiva cota respirada pelos seres humanos. Citações: (1) https://theconversation.com/humans-will-always-have-oxygen-to-breathe-but-we-cant-say-the-same-for-ocean-life-165148 (2) www.nature.com/doifinder/10.1038/nature13068 #CiênciasDoMar #CulturaOceânica #MitosOceânicos #OxigênioOceânico #IOCUNESCO

  • From satellite to microscope: how remote data helped me study fish eggs

    By Jana M del Favero English edit by Lidia Paes Leme and Katyanne Shoemaker *post originally published in Portuguese on November 21, 2019 Illustration by Joana Ho Many people do not understand why I, a biologist with a masters and doctorate in oceanography, went to do a post-doctorate at the National Institute for Space Research (INPE), in São José dos Campos - SP. The understanding is made even more difficult by the fact that I have been working with fish since graduation. My husband often jokes that I went to work at the National Institute for Space Fisheries, or that I'm hunting the constellation Pisces. What many people don't realize is that satellites are powerful tools in oceanographic studies, providing data that can be used in various studies. We even created a blogpost about the “reason for being” of satellite oceanography. Ok Jana, I've already reread the post above and understand that some satellites provide data for estimating important variables such as surface temperature, chlorophyll-a concentration, wave height, and surface wind field, among other factors… But where do the fish come in? To make the connection between satellites and fish eggs, I'll need to go back to the very beginning of my PhD. The main objective of my research project was to evaluate the long-term fluctuations in the abundance and distribution of eggs and larvae of Engraulis anchoita, heavily fished in Argentina and Uruguay, which for this text I will simply call anchovies. With this, I sought to understand the oceanographic factors that caused these fluctuations, where the spawning sites were located, and to provide information that may be used in future management of the species. Anchovy is not fished commercially in Brazil, but there are studies on the feasibility of starting to fish it commercially in the southern region of the country. Anchovy eggs observed through a stereomicroscope. You can even see the fish embryos developing in several eggs. The anchovy egg samples that I analyzed were collected in different years between 1970 and 2010, across the South Brazil Bight (PCSE), which extends from Cabo Frio, in the state of Rio de Janeiro, to Cabo de Santa Marta, in Santa Catarina. To identify the anchovy eggs, they were measured (I previously described the method we developed to identify eggs more quickly in another post). And it was during these measurements that we noticed that the eggs in the south of the study area were larger than the ones in the north. We also noticed that the eggs sampled during the winter were larger than those in the summer. And as curious scientists, we asked ourselves: why? We know from previous studies that: The anchovy is widely distributed over the southwest Atlantic continental shelf, from Vitória, in Brazil (20°S) to the Gulf of São Jorge, in Argentina (48°S); Its population is divided into three stocks: the Patagonian (48-41°S, occurs only in Argentina), the Bonaerense (41-27°S, occurs in Argentina, Uruguay and southern Brazil) and the South Brazil Bight (PCSE, 27°-20°S, Brazilian stock only); The size of the body and eggs of individuals from the Bonaerense stock are larger than those of the PCSE. Based on this information, we formulated a hypothesis to explain why the size of anchovy eggs was larger in winter than in summer: it would be possible that the larger individuals of the Bonaerense stock were migrating north to spawn during the winter. To confirm this hypothesis we took satellite data, i.e. remotely generated data, and drew horizontal distribution maps of surface temperature and sea surface chlorophyll-a concentration for the Southwest Atlantic Ocean during the summer and winter of 2001 and 2002. With this, we sought to visualize a possible flow of water that could guide the migration of anchovy adults. What we noticed, through the images obtained (see the figure below), was that the flow of water from Pluma do Rio de la Plata (on the border of Argentina and Uruguay) goes towards the north only during the winter. As the anchovy really likes in the region where the water from the Rio da Prata meets the sea, we believe that this flow can serve as a guide for the migration of individuals from the Bonaerense population to spawn in the central and northern region of the PCSE, during the cold season. This indicates that our hypothesis may be correct, and that the eggs found in the winter in the PCSE may indeed belong to the Bonaerense population Horizontal distribution of surface temperature and chlorophyll-a concentration during the summer and winter of 2001. The black line highlights the region where anchovy eggs were sampled. Note that the remote data made it possible to analyze a much broader area than the sampled one. In winter it is possible to see a flow of cold water with a high concentration of chlorophyll-a to the north. Of course, there are other factors included and discussed in the study. So, for those who are curious and want to know more about the subject, I share the link to the article published in 2017 in the Fishery Bulletin, a scientific journal (). Here, I just wanted to bring an example of how satellites can even help in the study of fish eggs. Science is really fascinating, isn't it?! #MarineScience #RemoteSensing #Ichthyoplankton #Fish #Satellites #ChatJanaMdelFavero

  • Um tratado global contra a poluição plástica

    Por Carla Elliff Em novembro de 2022, aconteceu a primeira reunião de negociações para criar um instrumento internacional e juridicamente vinculante para enfrentar a poluição por plástico, liderado pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA ou UNEP, na sigla em inglês). Tive o prazer de acompanhar esse momento histórico, junto à Natalia Grilli e ao Prof. Alexander Turra, por meio da Cátedra UNESCO para a Sustentabilidade do Oceano. Aliás, Natalia e eu falamos sobre a construção desse tratado lá no blog da Liga das Mulheres pelo Oceano. Eu, Natalia Grilli e Alexander Turra representando a Cátedra UNESCO para a Sustentabilidade do Oceano no INC-1, em Punta del Este, Uruguai. Por que então escrever mais sobre isso? Bom, o processo ainda está em andamento e o assunto rende muito pano pra manga! Para começar, queria explicar o que são acordos ambientais multilaterais (chamados também pela sigla MEAs, do inglês multilateral environmental agreements). Os MEAs são tratados, convenções, protocolos ou outros instrumentos que englobam um escopo maior do que um acordo bilateral (que envolve apenas dois países). O objetivo deste tipo de acordo é promover cooperação internacional para solucionar problemas globais. Talvez você nunca tenha visto este termo, mas pode já conhecer o Protocolo de Kyoto e o Acordo de Paris, ambos sobre mudanças climáticas, e as Convenções de Minamata e de Estocolmo sobre poluição por mercúrio e poluentes orgânicos persistentes, respectivamente, por exemplo. Todos estes MEAs têm em comum a sua criação a partir da estrutura da Organização das Nações Unidas (ONU) e intensas rodadas de negociações para se chegar a um acordo final. Uma vez aprovado, é de responsabilidade de cada Estado-membro da ONU implementar o acordo em nível nacional. O primeiro passo para um MEA ser criado é reconhecer o problema ambiental global formalmente e tomar a decisão em conjunto de que um acordo precisa ser desenvolvido. No caso do tratado contra poluição plástica, essa decisão foi apresentada por meio da Resolução 5/14 da UNEA, publicada em março de 2022. A UNEA é a Assembleia das Nações Unidas para o Meio Ambiente, que acontece a cada dois anos e cujo objetivo é tratar da governança ambiental internacional, através do estabelecimento de prioridades para políticas ambientais e de uma legislação ambiental internacional. Estas assembleias começaram a ocorrer em 2012, como resultado das discussões da Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável (conhecida como Rio+20). Ou seja, antes da UNEA existir, tratados ambientais eram discutidos dentro da Assembleia Geral da ONU (ou UNGA, na sigla em inglês – caso a sopa de letrinhas deste post já não estivesse cheia o bastante!). Reconhecer que a temática do meio ambiente demandava um fórum exclusivo é um grande passo nas conquistas do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente, que completou 50 anos de existência em 2022! Os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável estiveram presentes nas discussões! Bom, os passos seguintes para a criação do MEA ficam descritos na Resolução de sua criação. No caso do tratado contra a poluição plástica, há uma lista de considerações embasando e justificando a importância do tema, seguida de 16 pontos de requerimentos, decisões, convites e chamados para ação direcionados à Diretora Executiva da UNEP (Inger Andersen, da Dinamarca) e aos Estados-membro da ONU – hora de arregaçar as mangas! Foram planejadas cinco reuniões para trabalhar estes pontos, chamadas de sessões do comitê intergovernamental de negociações (Intergovernamental Negotiating Committee, INC). O INC-1 foi o primeiro, realizado em Punta del Este, Uruguai, e foi esta sessão que eu acompanhei, até o momento. Por se tratar de uma reunião deliberativa, onde decisões são tomadas, ela não é aberta para qualquer cidadão participar. Os documentos preparados previamente, durante e após as sessões são todos disponibilizados (nas seis línguas oficiais da ONU), mas o poder de voz e voto são bastante restritos. Para eu participar do INC-1, precisei primeiramente fazer minha inscrição a partir da minha afiliação com a Cátedra UNESCO para a Sustentabilidade do Oceano, que é sediada no Instituto Oceanográfico e Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo. A Cátedra foi recentemente acreditada pela ONU para acompanhar esse processo como um stakeholder (ator social relevante), ou seja, as pessoas que não fazem parte da delegação do governo dos Estados-membro não podem se inscrever como indivíduos “soltos”, precisam fazer parte de uma instituição aprovada pela ONU. Sim, é bastante burocracia! Uma vez inscrita, passei a receber as comunicações oficiais da secretaria executiva do INC, incluindo um convite para assistir a webinários preparatórios informais, onde os principais documentos seriam apresentados. Foi uma ótima forma de me inteirar dos principais tópicos a serem discutidos na reunião e começar a entender melhor como se daria esse processo todo. Aqui percebi algumas semelhanças com o processo da 8ª plenária da Plataforma Intergovernamental sobre Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos (IPBES), que descrevi aqui no Bate-Papo com Netuno em 2021. Como a IPBES é manejada também pela UNEP, isso faz muito sentido! A estrutura dos documentos, a forma de organização no geral e o tipo de linguagem foram semelhantes, apesar do escopo de cada experiência ter sido bem diferente. Ok. Inscrição feita, webinários assistidos, documentos acessados, malas prontas! Bora para o Uruguai. A programação do INC-1 incluiu um dia de discussão mais aberto entre os stakeholders, um dia de reuniões fechadas entre as delegações dos países participantes e depois uma semana de plenária. O fórum dos stakeholders no primeiro dia foi o momento mais interativo para pessoas na minha posição (ou seja, que não participavam de delegações organizadas pelos governos dos países). Os participantes foram divididos de maneira aleatória em mesas de discussões com os temas: Eliminação e design para a circularidade; Circularidade na prática; e Minimização e remediação de resíduos. Eu fiquei na mesa sobre esta última temática e meus colegas de discussão eram representantes das ilhas de Santa Lúcia (Caribe) e da Samoa (Oceano Pacífico), de um centro de pesquisa da Noruega, de uma empresa estadunidense e de uma ONG global, além de uma moderadora da UNEP. Os resultados das nossas discussões e das outras mesas estão disponíveis neste site, por meio de murais interativos! Depois desse dia de discussões mais abertas, começaram de fato as negociações. Durante a plenária foi quando senti que realmente estava presenciando algo grande. Ver aquelas longas mesas com plaquinhas identificando quais países estariam sentados onde (aliás, descobri que ficam em ordem alfabética!), com pontos de comunicação com microfones com o emblema da ONU, pessoas com sotaques, roupas e jeitos tão diferentes reunidos... foi bem impactante! Microfone e botão de controle para se inscrever para fala durante a plenária. Os primeiros dois dias consistiram basicamente nas declarações de cada país sobre o tratado. A ordem das falas é por inscrição (como em outros tipos de reuniões e assembleias), porém é dada prioridade para as falas de representantes de grupos de países (como União Europeia e GRULAC – Grupo de Países Latinoamericanos e do Caribe), que recebem um tempo um pouco maior de fala (5 min vs 3 min para os demais). Ao final, abria-se a inscrição para intervenções de outros stakeholders. Aqui foi interessante ver qual a prioridade dada na fala de cada país... um representante poderia enfatizar mais a importância de compartilhamento de tecnologias e necessidade de promover capacitação, enquanto outro poderia enaltecer ações que eles já realizam em seu país, por exemplo. Essa leitura das falas permite entender melhor o cenário de relações internacionais no âmbito da poluição por plástico, tudo muito interessante! Interessante, porém também maçante em alguns momentos. A experiência foi realmente muito rica, mas foram cinco dias seguidos de plenária, seguindo protocolos bem certinhos e ouvindo falas milimetricamente planejadas. O desgaste é grande entre os participantes. Inclusive, um ponto de discussão forte foi a reivindicação de países em desenvolvimento para receberem auxílio adicional da UNEP para garantir mais de um representante nos INCs. Uma delegação de apenas uma pessoa (como era o caso de alguns países) realmente fica em desvantagem nas discussões, que ocorrem também na hora do almoço em reuniões simultâneas. Ao final da semana, depois do último ponto de pauta ser resolvido, o presidente do comitê formado (Gustavo Meza-Cuadra Velázquez, do Peru), bateu o martelo e finalizou o INC-1 com uma mensagem de esperança, força e colaboração para atacarmos a poluição por plástico. O próximo INC está marcado para 29 maio a 2 de junho de 2023, na França. Não vou participar presencialmente desta vez, mas me sinto representada pela equipe da Cátedra UNESCO para a Sustentabilidade do Oceano que está indo! Acompanhe as novidades da Cátedra Oceano para saber mais: https://catedraoceano.iea.usp.br/ https://www.instagram.com/catedraoceano/ https://www.youtube.com/channel/UC8mJCVKTuMVa4UPgRphAkYw Para saber mais: As transmissões da plenária estão disponibilizadas aqui: https://www.unep.org/events/conference/inter-governmental-negotiating-committee-meeting-inc-1 Cobertura oficial do INC-1: https://enb.iisd.org/plastic-pollution-marine-environment-negotiating-committee-inc1 Este post foi escrito em homenagem à minha mãe, Yara Dadalti Fragoso. Ela foi minha inspiração para ser cientista. Em uma de nossas últimas conversas, você disse o quanto estava feliz e orgulhosa por mim “nesse negócio da UNESCO, que quero saber muito mais detalhes”. Não conseguimos ter essa conversa como gostaríamos (de preferência na varanda, tomando um vinho juntas), mas espero que tenha gostado da explicação aqui da sua eco-chata favorita. #Descomplicando #PoluiçãoPlástica #LixoNoMar #Plástico #Acordos #RelaçõesInternacionais #ONU #UNEP #CarlaElliff

  • Mulheres por trás

    Por Anônima Ilustração de Alexya Queiroz Não é novidade para ninguém que mulheres historicamente ocupam um lugar de apoio a grandes feitos. A expressão “por trás de um grande homem há sempre uma grande mulher” não é à toa. Seja por tomarem a frente na economia do cuidado, que envolve todas as tarefas relacionadas à gestão de um lar (com ou sem filhos), enquanto os homens da família focam na carreira, ou sendo da equipe de bastidores no trabalho, seja em posições de secretariado, organização etc. – ou porque nossas ideias são descaradamente roubadas por homens. Qualquer que seja a razão, se você olhar ao seu redor, verá muitas mulheres trabalhando duro para que alguns poucos homens (com um perfil bem previsível, na maioria das vezes: branco, heterossexual e mais velho) poderem se cumprimentar diante das câmeras como líderes em suas áreas. O Bate-Papo com Netuno já trouxe isso em diversos textos, como este aqui que destaca que precisamos falar dos homens nas ciências do mar. Essa é uma daquelas situações que, uma vez que você aprende a identificar, não consegue desligar do radar e acaba percebendo que se repete o tempo todo! Duas recentes experiências minhas me deixaram com uma vontade danada de desabafar sobre isso... Em ambos os casos eu estava diante de um momento celebratório de um projeto, que incluía uma bela apresentação sobre nossos resultados e promessas para próximos passos. Em ambos, as equipes em cada projeto eram majoritariamente compostas por mulheres, com cargos desde estagiária até gerente. E, em ambos, as chefias eram ocupadas por homens. O grosso da organização dos eventos (reserva de salas, contratação de coffee-break, envio de convites etc) ficou sob responsabilidade das equipes, como seria esperado. Então, aqui já temos um baita trabalho de mulheres para fazer tudo acontecer da melhor maneira possível. Minha inquietação começou quando reparei em outras tarefas. Percebi que não era só eu que estava montando a apresentação que seria feita pela minha chefia masculina, como também outras mulheres de instituições parceiras faziam o mesmo. Ou seja, nenhum homem que falou nos eventos produziu sua própria apresentação, foram as mulheres por trás. Não posso afirmar, de fato, que em todos os casos o homem porta-voz só recebeu o script e não contribuiu para a construção da fala. Sendo justa, o meu chefe agradeceu o material, fez suas contribuições e em sua fala sempre fez questão de reconhecer o trabalho da equipe. Ok na escala individual, porém olhando de uma maneira estrutural... Ao pensar na situação inversa de uma equipe majoritariamente masculina e uma chefia feminina, me pareceu tão improvável que isso fosse acontecer! Aliás, desconheço um grupo que tenha essa configuração... O que vejo são mulheres que, ao buscar oportunidades de maior escalão, acabam acumulando mais atribuições sem delegar a ninguém tarefas que as aliviariam – talvez por falta de equipe (recursos são escassos, afinal de contas) ou, mais provavelmente, para não passar a impressão de que não dão conta de tudo e que não merecem chegar lá. “Como assim, você não é capaz de montar uma apresentação de um projeto que você encabeça?” Seja como for, quem está no topo subiu lá com ajuda. O que incomoda é que essa ajuda pode muitas vezes ser às custas do bem-estar de quem está na posição de apoio – as grandes mulheres por trás. De novo, em uma escala individual, não parece um grande problema ter uma integrante da sua equipe preparando uma apresentação. Mas quando isso acontece de novo e de novo e, a cada apresentação, é o nome e a cara do homem que aparece, é aplaudida e compartilhada nas redes sociais, invisibiliza-se as mulheres por trás. Depois desse desabafo, queria compartilhar também algumas sugestões que pensei sobre como quebrar esse ciclo: - Dar a oportunidade para mulheres da equipe representarem o projeto/laboratório/grupo em apresentações públicas; - Incluir o nome (e foto) das pessoas da equipe em algum slide de apresentação ou agradecimento, além de cumprimentá-las quando estão no público dando seu devido reconhecimento; - Se houver divulgação em redes sociais, revisar o material para garantir que o nome das pessoas da equipe seja mencionado. O problema é estrutural e mais complexo do que inicialmente aparenta ser… falar sobre isso é importante para sairmos do marasmo! #MulheresNaCiência #Invisibilidade #Apresentações #Projetos #Anônima

bottom of page