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  • Pellets: como chegam no mar?

    Por Camila Andreussi e Juliana Leonel Ilustração de Luiza Soares Os pellets são partículas plásticas com tamanho médio entre 1 a 5 mm - ou seja, são microplásticos - que têm formatos diversos (esféricos, ovóides ou cilíndricos) e coloração variada, embora os transparentes/brancos sejam os mais comuns. Todo pellet é um microplástico, mas nem todo microplástico é um pellet. Continue lendo o post que você vai entender melhor. Pellets na praia e exemplos de pellets com diferentes níveis de amarelamento. Fontes: Camila Andreussi e Daniele G. Zanetti com licença CC 4.0 BY SA. Mas por que eles são produzidos? Pellets plásticos são resinas termoplásticas que têm papel fundamental na cadeia produtiva do plástico. A produção de um item plástico (cadeiras, canudos, sacolas etc) envolve as seguintes etapas: Extração e refino do petróleo bruto que dará origem à nafta (composto oriundo da destilação do petróleo e a principal matéria-prima da indústria petroquímica); A nafta será usada para produzir monômeros (pequenas moléculas) na indústria de primeira geração; Os monômeros darão origem aos polímeros (grandes moléculas geradas a partir da repetição dos monômeros) e diversos deles serão manufaturados na forma de pellets. Isso ocorre na indústria de segunda geração; As indústrias transformadoras (também chamadas de indústrias de terceira geração) irão fundir e moldar os pellets para a fabricação de itens plásticos diversos. Exemplo de monômero (estireno) e exemplo de polímero (poliestireno) Durante a fabricação, uso, manejo e transporte dos pellets, ou seja, ao longo de toda cadeia produtiva ocorrem perdas acidentais de alguns (ou muitos!) pellets que têm como destino final o ambiente marinho. Essas perdas podem ser crônicas quando ocorrem sempre, mesmo que em pequena quantidade. Nesse caso, os pellets se perdem devido a problemas no seu manejo, seja durante o manuseio e/ou transporte. Mesmo quando os pellets são perdidos em regiões continentais afastadas da costa eles irão, eventualmente, chegar no ambiente marinho através do escoamento fluvial e pluvial. No entanto, em função do uso de processos automatizados, as perdas de pellets que ocorrem nas indústrias são mínimas e, mesmo quando acontecem, há medidas de recuperação desse material, que geralmente são vendidos para reciclagem. Adicionalmente, algumas empresas certificadas usam um sistema de contenção, ao utilizar canaletas retentoras de pellets, por exemplo, impedindo a chegada do material ao sistema de drenagem pluvial. Dentre as etapas da cadeia de pré-consumo dos plásticos que envolvem os pellets, os terminais portuários se destacam por manusear grandes volumes de pellets (tanto na chegada quanto na saída das cargas) que, tanto durante a transferência a granel para os contêineres como durante a navegação, podem ser perdidos diretamente para o ambiente marinho. No Brasil, os principais portos com relação à importação e à exportação de pellets, são o Porto de Santos (SP) e o Porto de Itajaí (SC), sendo que no ano de 2021 mais de 500 mil toneladas de pellets foram importados pelo porto catarinense. Diferentes formas do pellet chegar no ambiente marinho. Fonte: Juana Bozetto com licença CC 4.0 BY SA. As perdas de pellets também podem ocorrer de forma pontual - e massiva, quando ocorre um acidente, levando à entrada de grandes quantidades de pellets no ambiente em um curto espaço de tempo. Um exemplo disso foi o acidente que ocorreu em maio de 2021 após o incêndio que resultou no afundamento da embarcação X-Press Pearl, no Oceano Índico. Neste acidente, 87 contêineres contendo cerca de 1680 toneladas de pellets caíram no mar. Parte dos pellets foi levada para a costa e contaminou as praias ao redor de Sri Lanka, a outra parte continuou a flutuar na superfície do mar e estima-se que serão transportados e poderão impactar também a costa leste da Indonésia, Maldivas e Somália. Além dos impactos ambientais, esse grande desastre resultou também em perdas econômicas ao afetar a pesca e o turismo. Embora derrames massivos tenham um grande impacto, as perdas crônicas não podem ser ignoradas devido ao seu potencial de contaminação a médio e longo prazo. Uma vez no mar, os pellets tendem a permanecer na superfície (são menos densos que a água do mar) e são expostos a ação de ventos, ondas e correntes marinhas que irão transportá-los. Como eles têm uma alta capacidade de dispersão, eles podem percorrer grandes distâncias. Parte deles irá então chegar nas zonas costeiras e acaba encalhando nas praias. Em razão disso, praias arenosas de todo o globo lidam com a poluição por pellets, desde regiões portuárias até regiões remotas. Processos que afetam os pellets quando eles chegam no ambiente marinho. Fonte: Juana Bozetto com licença CC 4.0 BY SA. Os pellets representam uma ameaça aos organismos (como aves e tartarugas), pois podem ser ingeridos causando danos físicos, tais como sufocamento e falsa sensação de saciedade. Além disso, na superfície dos pellets podem aderir contaminantes orgânicos e metais, que podem ser tóxicos para os organismos que entram em contato com estes pellets. A próxima vez que você for à praia e se deparar com essa bolinha brilhante na areia, vai se lembrar do grande caminho percorrido - de uma indústria até o mar… Para saber mais, sugerimos o seguinte vídeo: Sobre Camila: Meu nome é Camila Andreussi, tenho 26 anos e moro em Floripa - SC. Não sou manezinha. Eu nasci no interior do Paraná (bem longe do mar), mas foi durante o ensino médio (já morando em Floripa) que eu descobri que existia um curso todo dedicado a estudar o mar. Foi amor à primeira vista e desde então sigo nessa caminhada. Sou oceanógrafa e mestranda em Oceanografia na UFSC onde faço parte do Laboratório de Poluição e Geoquímica Marinha (@lapogeo.ufsc). O foco da minha pesquisa é a poluição marinha por resíduos plásticos. Além da minha pesquisa esse tema se tornou parte da minha vida. Atualmente sou voluntária da @parley.tv, uma organização que visa a proteção do oceano. E visando a divulgação científica, criei uma coleção didática de resíduos plásticos coletados em ilhas @ilhadeplástico. #Descomplicando #JulianaLeonel #Pellets #Poluição #Plástico #Convidados #Microplástico

  • Fingerprinting oil

    By Juliana Leonel English edit by Maria Luiza Albieri and Carla Elliff *post originally published in Portuguese on October 24, 2019 Illustration by Joana Ho Everyone has seen a movie/series/soap opera in which the fingerprints left on an object are used to identify the perpetrator of a crime. But did you know that the petroleum (oil) generated in different oil basins also has unique “fingerprints”? Yeah... not all oils are the same. Before understanding the science behind this, it's necessary to know that oil is formed from processes of diagenesis (reactions that occur in the first centimeters of the sedimentary column with the presence of microorganisms and at temperatures of up to 50 °C) and catagenesis (transformations that occur without the presence of microorganisms, at temperatures between 100-150 °C and result in the formation of oil) from organic matter. These two terms are used to explain the formation of rocks, fossils and, of course, oil. When plants, animals, phytoplankton, bacteria, etc. are buried in the sediment, they undergo various chemical and physical transformations. The burial of organic waste accumulated in the sediment increases local pressure and, with sufficient pressure, there is also an increase in temperature. In this process, the organic matter will undergo a series of transformations until, in some cases, it forms oil. Transformation of organic matter that will result in the formation of oil and gas. The organic accumulation that gave rise to the oil basins we have today took place millions of years ago in different geological periods. Thus, the composition of the oil in these basins is not the same, as it depends on the type of initial organic matter (for example, oils generated from phytoplankton have different characteristics from oils that arise from bacteria or higher plants), on the thermal evolution, the characteristics of the sedimentary basin where the accumulation occurred, and other primary and/or secondary processes that occurred before and after its accumulation, such as oil migration and contamination by microorganisms. During diagenesis and catagenesis, many molecules are destroyed and/or transformed, but some either resist these conditions or undergo minimal modifications, losing only a few functional groups. These molecules are, for the most part, lipid compounds that preserve in their structure information about the origin and conditions of formation of that oil. For this reason, they are called biomarkers, or geochemical fossils, and many can be used for what is known as "oil fingerprinting". For example: Oil derived from the organic matter of higher plants has n-alkanes (linear hydrocarbons formed by carbon and hydrogen) with longer carbon chains than those derived from organic matter derived from phytoplankton. Molecules of n-alkanes: above heptadecane (alkane with 17 C) and below heptacosane (alkane with 27 carbons). Likewise, a series of other compounds, such as terpanes, stereranes, hopanes etc., can be used to characterize each oil. Mapping these compounds also allows to identify whether the oil in question is recent or whether it has been in contact with the environment for more time and has undergone weathering (set of processes that lead to the disintegration of materials). Once the oil reaches the marine environment it can undergo a series of processes: a) spreading caused by winds, currents, and waves; b) evaporation of lighter compounds; c) dissolution of the most soluble compounds; d) dispersion: incorporation of oil particles with water; d) emulsification: mixture of oil and water forming a material similar to mayonnaise; e) adsorption of part of the material to living organisms and suspended particles; f) removal: sedimentation of denser components; g) biodegradation: microorganisms use the oil as a source of carbon, breaking the molecules into smaller ones; h) photooxidation: breakdown of molecules by the action of sunlight. To identify the fingerprint of an oil sample, gas chromatography is used, in which the components of the sample, after pre-processing, will be separated according to their physical-chemical properties. Thus, its constituents can be identified and quantified. This analysis gives rise to a chromatogram, which is the graphical representation of the equipment signal (x axis: time that the compound takes to pass through the equipment, y axis: signal intensity that is related to the compound concentration). And by observing the chromatogram of different oils it is possible to see that they have very different characteristics. In the image example, samples P1 and P2 show differences both in the composition and in the abundance of their compounds. Schematic chromatograms of two types of oils. Schematic chromatograms of the same oil with different degrees of biodegradation. Therefore, the study of oil “fingerprints” is a very valuable tool for forensic geochemistry. When a spill occurs and no company states they are responsible for what happened, forensic geochemistry can help in the investigation of which basin originated this oil and/or compare the material with oils from different refineries. In the case of oil that has been appearing on the beaches of northeastern Brazil for more than a month, this is the type of analysis that universities are carrying out to identify whether the oil originates from Brazilian basins and to try to assess how long it has been in the environment. #MarineScience #Oil #OilAndGas #Fingerprints #Forensic #OilSpill #OrganicMatter #Geochemistry #JulianaLeonelChat #JoanaHo

  • Embarques obrigatórios na oceanografia: a experiência de uma estudante

    Por Maria Luiza R Coutinho Quando ingressei na graduação de oceanografia na Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), após ter pesquisado muito sobre o curso e ter visto que para poder me formar, obrigatoriamente, precisaria cumprir uma carga-horária de 105 horas embarcada, fiquei muito ansiosa para que esse momento chegasse. Eu nunca havia embarcado por dias seguidos e tão pouco havia adentrado o oceano a ponto de não poder enxergar o continente. Mas esse entusiasmo puro não durou muito tempo. Convivendo com pessoas que estavam há mais tempo na área, comecei a ouvir relatos assustadores de mulheres que sofreram assédio sexual e moral embarcadas. O entusiasmo puro misturou-se com o medo. O “como será na minha vez?” passou a fazer morada na minha cabeça. Ainda no segundo período da faculdade, em setembro de 2019, surgiu a oportunidade de participar de uma operação em conjunto com o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), Polícia Federal e Marinha do Brasil, onde seriam afundadas duas embarcações antigas pertencentes ao Centro Nacional de Pesquisa e Conservação da Biodiversidade Marinha do Nordeste (CEPENE). Fiquei muito feliz quando soube que embarcaria tão cedo, pois o normal é que os discentes embarquem a partir do 5° período. Naquele momento, eu não pensava em nada, só queria viver essa aventura. No primeiro dia de operação, embarquei junto com meu professor e um colega no navio balizador Comandante Manhães, no qual observamos o lançamento de dispositivos de amarração de embarcação. Pegamos um bote no píer em Tamandaré-PE e seguimos até o navio. No meio do caminho, comecei a me questionar se eu seria a única mulher ali. E, de fato, eu era a única mulher em meio a 38 homens. Felizmente, fui bem tratada, com respeito e seriedade. No segundo e último dia de operação, o dia em que as embarcações foram afundadas, haviam mais mulheres a bordo e isso me fez sentir uma sensação estranha… era alívio! Só percebi que havia sentido isso ao escrever este texto. Inconscientemente me senti mais segura só pelo fato de terem outras mulheres, que mesmo não sendo minhas conhecidas, tornou a situação mais confortável. Me senti mais segura e pude direcionar minhas energias totalmente para aprender e desenvolver as atividades necessárias! Após esse primeiro embarque, pude perceber que trabalhar em contato direto com a natureza, realmente, era o que eu queria para a minha vida. Até hoje digo que essa experiência foi o que me fez permanecer tão focada, apesar das dificuldades, no curso até os dias de hoje. Já se passaram quatro anos e essas experiências ainda reverberam no meu dia a dia. Quando achava que logo embarcaria novamente, veio a pandemia em 2020, e as aulas à distância começaram, dando um até logo para qualquer tipo de prática na área. Em 2022, a UFPE recebeu o esperado navio oceanográfico Ciências do Mar IV (CMIV), tornando os embarques em mar aberto não só mais reais para os discentes, como também - assim espero - mais seguros para nós mulheres, uma vez que eles seriam realizados, em sua maioria, com colegas e professores. Foi só em setembro de 2022 que tive outra oportunidade de embarcar. Fui convocada para participar da primeira expedição a bordo do CMIV. E lá fui eu, já sem tantos receios… Desta vez, seríamos muitas mulheres, inclusive uma oceanógrafa como parte da tripulação fixa do navio. E foi fantástico… O oceano aberto de fato é muito bonito. É um azul inexplicável de tão lindo. Vi baleias jubartes, golfinhos, peixes voadores, coletamos água a 450 metros de profundidade (Água Central do Atlântico Sul - ACAS) e pude ver na prática conceitos, como a migração vertical do zooplâncton através da comparação de coletas com rede de arrasto no período diurno e noturno. Mais recentemente, retornei em outra expedição no CMIV que foi ainda melhor. Fiz coleta de zooplâncton, lancei o pegador de fundo do tipo Van Veen para amostrar sedimento (Imagem 2), disco de Secchi para identificar a turbidez da água, CTD e garrafa de Niskin para amostrar água em que, posteriormente, analisamos os nutrientes e a alcalinidade. Pude, de fato, ver a oceanografia na prática, como todas nós deveríamos ver. Com respeito. Tripulação do navio oceanográfico Ciências do Mar IV, docentes e discente de Oceanografia da UFPE na chegada ao Porto do Recife da 5ª expedição da embarcação. Foto: Maria Luiza R Coutinho com licença CC BY-SA 4.0 Eu e Rayane puxando a corda na qual o pegador de fundo do tipo Van Veen estava preso no fundo oceânico. Foto: Maria Luiza R Coutinho com licença CC BY-SA 4.0 Fico muito feliz de poder vir até aqui contar sobre as minhas experiências embarcadas (que só estão começando) e dizer que o único incômodo foi o enjoo do primeiro dia, o que é totalmente normal, uma vez que o nosso labirinto precisa se adaptar ao “balanço” do mar. Qualquer coisa, basta tomar um remédio para enjoo que costuma passar! O trabalho embarcado é duro, mas gratificante para quem gosta, o trabalho é intenso mesmo estando na posição de uma aluna em formação. Temos a oportunidade, e o trabalho, de realizar todas as coletas sozinhos, com orientação prévia e observação durante dos docentes. Mas quem coloca a mão na massa, somos nós. O que é muito bom e importante para a formação de um oceanógrafo. É estranho ficar feliz e aliviada por terem sido boas experiências. Isso deveria ser a regra. É triste nos sentirmos vulneráveis no ambiente embarcado, nas ruas, na universidade e em diversos outros lugares somente por sermos mulheres. Eu espero que minhas boas experiências se tornem a realidade de todas nós e encoraje, assim como me encorajou, a seguir com o meu sonho de me tornar uma cientista das Ciências do Mar. Afinal de contas, mulheres podem ser o que elas quiserem e, consequentemente, estarem em qualquer lugar do mundo! #TrabalhoEmbarcado #MulheresNaCiência #VidaDeCientista #Oceanografia #MariaLuizaRCoutinho

  • Macrofauna de praias arenosas e sua importância em estudos ambientais

    Por Yonara Garcia Praias arenosas são consideradas ambientes de transição entre os ecossistemas marinho e terrestre e constituem um dos ambientes mais dinâmicos que existem, onde os depósitos sedimentares estão em constante movimento devido, principalmente, à ação das ondas, marés e ventos. Elas são responsáveis pelo fornecimento de diversos bens e serviços ecossistêmicos, como sustentação da pesca costeira, atividades recreativas, turismo, proteção da linha de costa, entre outros (leia mais sobre praias aqui). Praia Grande, Ubatuba, São Paulo. Foto: Yonara Garcia/CC BY 4.0 Apesar de parecer um ambiente desértico, as praias arenosas podem apresentar uma grande diversidade de espécies. Elas são ecossistemas localizados na região entremarés (faixa que vai desde o nível de maré-alta até o nível de maré-baixa) e compostos por organismos microscópicos e macroscópicos, sendo que muitos vivem enterrados entre os grãos de areia, durante toda a vida ou parte dela. Neste ambiente são encontrados organismos de diversos filos, como cnidários, moluscos, artrópodes, equinodermos, vertebrados etc. Os organismos bentônicos são aqueles que vivem sobre ou dentro do substrato. A relação com o substrato varia entre os distintos organismos bentônicos, uns o usam para fixação, outros cavam, outras ainda andam sobre ele e há os que apenas nadam na sua superfície; mas, indiferente da relação, o que não muda é que eles nunca se separam do substrato. Entre os organismos bentônicos de praias arenosas, a macrofauna (organismos maiores ou iguais a 0,5 mm) desempenha um importante papel na arquitetura trófica desses habitats, apoiando consumidores de ordem superior como aves marinhas e peixes. Além disso, contribuem para reciclagem de nutrientes nas praias e para a aceleração de processos de remineralização de nutrientes. Esse grupo é composto, principalmente, por táxons de invertebrados, em especial moluscos, crustáceos e poliquetas. Exemplos de organismos bentônicos de praias arenosas: Tatuí (Emerita analoga). Pavel Kirillov/ CC BY-SA 2.0. Caranguejo Ocypode quadrata, conhecido como maria-farinha. Silvio Tanaka/ CC BY 2.0. Tubo de um poliqueta, constituído de diferentes materiais, dependendo da espécie, usado principalmente para proteção dos organismos, podendo ser encontrado enterrado na areia. James St. John/CC BY 2.0. Os organismos da macrofauna bentônica são utilizados como indicadores ambientais eficientes para avaliação e monitoramento em ecossistemas aquáticos por responderem a distúrbios naturais e antropogênicos, onde sua presença, ausência e quantidade indicam a magnitude desses impactos. Isso se deve a algumas características, como: (i) abundância em todos os sistemas aquáticos; (ii) capacidade de locomoção limitada ou nula; (iii) ciclo de vida longo; (iv) ampla variedade de tolerância a vários graus e tipos de poluição e (v) funcionam como integradores das condições ambientais, isto é, estão presentes antes e após eventos impactantes. Desta forma, macroinvertebrados bentônicos podem ser considerados “organismos sentinelas” em ambientes aquáticos. Um bom exemplo de organismos bioindicadores é o tatuí ou tatuíra. Estes organismos são pequenos crustáceos decápodes filtradores, muito abundantes na região entremarés de praias arenosas, sendo que entre as espécies presentes no Brasil, a espécie Emerita braziliensis é encontrada desde o Espírito Santo ao Rio Grande do Sul. Há alguns anos atrás, diversos veículos de comunicação fizeram um alerta sobre o desaparecimento dos tatuís nas praias cariocas. Em uma matéria publicada pela Veja Rio, em julho de 2012, com o título “Salvem os tatuís”, o pesquisador Dr. Ricardo Cardoso declarou como a população desses organismos vinha decaindo nos últimos anos: “Biólogo da UNI-Rio, Ricardo Cardoso realiza, há quinze anos, levantamentos regulares sobre a presença do Emerita brasiliensis (seu nome científico) nas praias do Rio. Ele descobriu que em 70% do litoral a população de tatuís hoje em dia é insignificante. Numa recente coleta, em Copacabana, sua equipe encontrou, em 3 quilômetros de busca, apenas um tatuí.” Assim, a queda populacional desse crustáceo pode ser um indicativo de que tal ecossistema esteja degradado, devido a fatores como poluição marinha, atividades recreacionais e ocupação desordenada da zona litorânea, e, se nenhuma medida for tomada para melhorar as condições daquele ambiente, em médio e longo prazo podem haver consequências, como perda de biodiversidade. Assim, a partir de monitoramentos, levantamentos da macrofauna bentônica de praias arenosas é possível compreender os efeitos, alterações, que as ações humanas têm gerado nos ecossistemas costeiros. #Macroinvertebrados #YonaraGarcia #CiênciasDoMar #Levantamento #Inventário #Monitoramento #MacrofaunaBentônica

  • Um ano meu, oito anos nossos!

    Por Natasha Travenisk Hoff Ilustração de Alexya Queiroz Eu completei um ano com Netuno, ele completou oito anos de existência… acompanhe aqui como foi esse aprendizado, a troca de experiências e o crescimento pessoal e do Bate-Papo com Netuno ao longo do tempo! Desde a criação do Bate-Papo com Netuno, acompanhava e admirava o trabalho dessas mulheres cientistas incríveis. Já havia conhecido a maioria delas sendo minhas monitoras em diversas disciplinas do curso de graduação em Oceanografia do Instituto Oceanográfico da USP. E pensava: será que, um dia, eu vou conseguir também? Aconteceu que, em janeiro de 2022, enquanto estávamos voltando às atividades presenciais em função da COVID-19, eu vi um story no instagram do Bate-Papo falando que elas precisavam de mais gente e que haveria chamada para novas integrantes. Essa era a minha deixa… com medo, respondi que se precisassem de mais gente na equipe, eu topava! A ansiedade cresceu quando disseram que me queriam na equipe e convidaram para a primeira reunião do ano, que seria em fevereiro! Desde então, eu encontrei um espaço em que eu pudesse ser acolhida por pessoas que vivenciam/vivenciaram as mesmas coisas que eu, seja nas questões sobre o machismo estrutural e mulheres na Ciência! E, ainda, poderia conversar e aprender sobre a vida acadêmica, discutir sobre as nossas caminhadas… Descobri também que aquelas mulheres que eu tanto admiro ainda sofriam em se afirmar como profissionais em suas instituições (pois existe essa necessidade de provação muito maior quando se é mulher), com questões e cobranças relacionadas à maternidade, inseguranças sobre nossas capacidades e corpos (auto-estima que fala, né?) e, por quê não, gordofobia… pois é! E não era só eu que me sentia assim… Somos todas mulheres em toda sua plenitude, com nossos medos, cobranças e desafios… falíveis… mas estamos juntas! Aprendendo diariamente… E como eu aprendo com elas! Comecei apanhando dos aplicativos de gerenciamento da plataforma (reclamona que sou, logo pensei "mais um app e meu celular vai bugar!"), mas, aos poucos, fui aprendendo sobre a dinâmica de coordenação e gerenciamento das reuniões, postagens e da plataforma como um todo. São tantas ideias boas, que precisaríamos de muitas mãos a mais para colocar todas em prática! Escrevi e revisei textos, apresentei o Bate-Papo com Netuno em um evento científico, escrevi projeto para um edital do CNPq, coordenei reuniões (é, gente, para quem gosta de escrever, mas não gosta de falar, isso é muito mais difícil do que escrever 10 textos!)... Mas além desse, que considero um desenvolvimento profissional muito grande, vejo que a Natasha também cresceu pessoalmente, aprendendo a receber críticas e lidar melhor com elas, ouvindo novas perspectivas, assumindo mais responsabilidades e fazendo acontecer tantos projetos que ficariam apenas no campo das ideias. Apresentação de pôster sobre o Bate-Papo com Netuno durante o Encontro Brasileiro de Divulgadores de Ciência, que ocorreu em agosto de 2022. Fonte: Natasha Travenisk Hoff com licença CC BY NC-ND. E eis que, em abril, o Bate-Papo com Netuno está completando oito anos de existência!!!! Então, esse texto traz uma dupla comemoração: meu primeiro ano como editora voluntária e oito anos da plataforma! Nesses oito anos, o Bate-Papo deixou de ser um blog, passando a ser uma plataforma digital de divulgação científica, galgando seu espaço na comunicação das Ciências do Mar! Conquistou as redes sociais todas e, hoje, temos 7.400, 6.678 e 617 seguidores no Facebook, Instagram e Twitter, respectivamente. Temos um canal no Youtube e um Podcast! Além disso, também temos um grupo no Whatsapp para quem quer receber as novidades todas fresquinhas, e uma Newsletter mensal (por um acaso, de minha responsabilidade) para ninguém perder nenhuma postagem do mês anterior! Ainda, tivemos 147.500 visualizações na nossa página ao longo desse tempo, incluindo acessos de 61 países diferentes! Deve ser por isso que o Bate-Papo se tornou referência para assuntos relacionados ao Oceano, seja para leigos, profissionais das Ciências do Mar, ou alunos em idade escolar, de graduação e pós-graduação, e até mesmo entre os divulgadores científicos! Mapa de visualizações por cidades na página do Bate-Papo com Netuno entre 02 de fevereiro de 2015 até 27 de março de 2023. Quanto maior e mais escura a circunferência, mais o número de visualizações. Fonte: wix.com Mas o Bate-Papo com Netuno foi além das Ciências do Mar… e vem trazendo à tona importantes pautas, como o cotidiano da vida de uma/um cientista, que, apesar de todas as conquistas, muitas vezes passa por relações abusivas, desvalorização profissional, desgastes físicos e emocionais; questões de gênero na Ciência, abordando a representatividade, sororidade; assédio em embarcações, uma infeliz realidade, principalmente, na vida de mulheres que trabalham ou já trabalharam embarcadas. Em relação às publicações, elas já ultrapassaram a marca de 350 postagens e estão distribuídas ao longo das cinco sessões - Ciências do Mar (121), Descomplicando Netuno (56), Mulheres na Ciência (60), Vida de Cientista (59) e Netuniando por Aí (38) -, além das Tiradas de Netuno (23). Além disso, para que as postagens possam chegar ainda mais longe, 70 publicações originalmente escritas em português já foram traduzidas para o inglês no Chat with Neptune. Tudo isso para que consigamos atingir um público cada dia maior e mais variado espalhado pelo mundo! Ao longo dos anos, nossa equipe passou de sete mulheres (fundadoras do blog) para mais de 15 voluntárias, considerando editoras, colaboradoras, ilustradoras e tradutoras. Crescemos e aprendemos juntas, e nos fortalecemos como grupo e individualmente, como mulheres, cientistas, lutando diariamente pelo nosso lugar ao sol (vulgo mundo e Ciência mais igualitários e seguros para as mulheres)! E, assim, seguiremos por muitos mais anos! E você, topa seguir com a gente? #VidaDeCientista #Oceanografia #CiênciasDoMar #DivulgaçãoCientífica #NatashaHoff

  • Is it possible to distinguish individual whales as well as we recognize people?

    By Liliane Lodi English edit by Maria Luiza Albieri and Katyanne Shoemaker *post originally published in Portuguese on December 7, 2017 Montage by Carla Elliff Photo-identification has been used to identify Bryde’s whales based on the profile of their dorsal fin, observing the presence of cuts and scars, by means of a technique called photo-identification. The cuts and scars on dorsal fins are unique features. No whale is like another. These marks can be used like our fingerprints or a barcode. The common Bryde’s whale is regularly seen in the Southeast region of Brazil (states of Rio de Janeiro and São Paulo) in areas near the shore, especially during spring, summer, and autumn, since this is not a migrating species unlike other whale species. Here we see the characteristic profile of a breaching Bryde’s whale. (Photograph by Liliane Lodi, ©) For the past 40 years photo-identification has been used to study numerous populations of dolphins and whales worldwide. This is a non-invasive technique, as the animal does not need to be physically captured or marked. You only need good pictures of its dorsal fin, which can be taken from a distance. In Brazil, Bryde’s whales have been reported from the state of Rio Grande do Sul to Bahia, with eventual occurrences in the states of Paraíba and Maranhão. This species is found in coastal and oceanic regions. The dark-gray and silvery uniform color of the dorsal part of the animal, combined with its lean body, makes this one of the most beautiful whales. (Photograph by Liliane Lodi, ©) During inter- and intraspecific interactions, or even as a result of impact with certain human elements (such as fishing nets and boat propellers) and environmental elements (interaction with the bottom), the dorsal fin can undergo alterations resulting in recognizable patterns of permanent cuts and scars over time. Cuts and scars, when present on dorsal fins, are never the same. It is like a fingerprint, which allows us to recognize different animals. (Photograph by Liliane Lodi, ©) The best photograph of each whale (one with the dorsal fin most in focus and perpendicular to the camera, in high resolution) from a given occasion is considered a sighting (capture). As this identified individual is observed on other occasions, it is a resighting (recapture). With this procedure it’s possible to build a photographic catalog of individuals. Photo-identification studies provide important information that expands the knowledge about whale populations, behaviors, and ecology that can be used to improve conservation strategies. In addition to the work carried out by specialized scientists, public participation can add important information to this type of study as well. Bryde’s whales swimming among marine litter. The main threats to this species includes accidental captures in fishing nets, habitat degradation and loss, pollution (domestic, chemical, and by sound), collision with vessels, and intentional molestation. (Photograph by Liliane Lodi, ©) As researchers cannot have eyes everywhere, the “Brydes do Brasil Participatory Research Program” was created in December 2017, a partnership between the Whales and Dolphins Project of Rio de Janeiro and WWF-Brazil. The program is open not only to researchers, but also to environmentalists, nature lovers, nautical sports practitioners, and anyone else who wants to participate. It's citizen science training to keep eyes on whales! Objectives of the Brydes do Brasil Participatory Research Program Mobilize and involve society in participatory scientific research; Create a database of photo-identified Bryde's whales in Brazilian waters, through a concentrated photographic collection; Identify, compare and quantify new occurrences of Bryde's whales identified in the same area; Determine Bryde's whale movements along the Brazilian coast and key areas for the conservation of the species; Gather records for further analysis in order to understand whether the population is decreasing, stabile, or increasing; Raise awareness of the need for conservation of Bryde's whales and the sustainable use of our coastline as their habitat. How to participate You don't have to be a scientist or a professional photographer to learn how to properly photograph a Bryde's whale to aid in the individual identification records used to further the conservation of these animals. So, if you want to help with the research on Bryde's whales, become a contributor to the network! The results obtained by this shared database can make a major difference in the conservation of the species in Brazil! Obtaining the pictures Tips for obtaining quality pictures of the dorsal fin, in order to assist in the individual identification of Brazilian Bryde's Whales, can be found on the website. The submitted photographs will be analyzed and those considered of good quality will be integrated into a database from which the shared catalog is built. The photographer retains all rights over the images submitted. Those with a keen eye and camera ready will be the most successful photographers! IBAMA Ordinance No. 117 of December 26, 1996 defines rules to prevent the intentional harassment of cetaceans in Brazilian jurisdictional waters. Always follow whale watching protocol and do not disturb them for photographs. In addition to the details and guidelines for identifying these giants, the website also has interactive spaces to share photographs, videos, articles, scientific dissemination texts, media news and other relevant information about the species. Go with this flow: Learn - Participate - Collaborate - Share! Looking for more information? - Participatory Research Program Brydes do Brasil http://brydesdobrasil.com.br (Formats: Mobile, tablet and computers) - E-mail: contato@brydesdobrasil.com.br - Facebook: Where are the Whales and Dolphins? https://www.facebook.com/groups/baleiasgolfinhos.rj - Instagram: @baleiasegolfinhosdorj - IBAMA Ordinance No. 117 of December 26, 1996 (In Portuguese) http://www.ibama.gov.br/sophia/cnia/legislacao/IBAMA/PT0117-040901.PDF About Liliane Lodi: Liliane holds a PhD in Marine Biology and studies cetacean ecology, with emphasis on distribution, habitat use, behavior and conservation. She is the administrator of the Facebook group “Where are the Whales and Dolphins?” and the Participatory Research Program Brydes do Brasil directed to the area of ​​Citizen Science. She coordinates the Whales & Dolphins research project in Rio de Janeiro (Instituto Mar Adentro, WWF-Brasil and Fundação SOS Mata Atlântica). #MarineScience #Whales #BrydesDoBrasil #Cetaceans #CitizenScience #PhotoID #Guests

  • Mudanças climáticas favorecem algas no Ártico

    Por Larissa Franklin Ilustração de Alexya Queiroz Por que a biomassa de fitoplâncton continua crescendo no Ártico, se os mares estão ficando mais quentes? Com águas tão vastas para serem exploradas, e opacas demais para serem vistas com câmeras, ainda temos muito a aprender sobre os mares e oceano. Uma coisa que sabemos, é que o oceano está repleto de vida flutuante e à deriva, principalmente microscópica. A abundância de vida animal do oceano fornece há muito tempo alimento, aventura e uma vasta gama de possibilidades para aqueles que o estudam. Mas nada disso seria possível sem os organismos do fitoplâncton, que flutuam aos milhares em cada gota de água nos 200 metros superficiais do mar. Eles estão na base da teia alimentar do oceano e são caracterizados como algas unicelulares e outros organismos semelhantes a plantas. Como as plantas terrestres, o fitoplâncton usa clorofila e outros pigmentos que coletam luz para realizar a fotossíntese. O crescimento do fitoplâncton depende da disponibilidade de luz solar, temperatura e níveis de nutrientes, enquanto todos estes dependem de um tênue equilíbrio que possibilita a vida e abundância desses microrganismos na coluna d’água. Bloom de Fitoplâncton no Mar de Barents - fitoplâncton em azul claro. Fonte: NASA Earth Observatory - imagem de Joshua Stevens, usando os dados do MODIS do NASA EOSDIS/LANCE and GIBS/Worldview e dados de Lewis, K. M., van Dijken, G. L., & Arrigo, K. R. (2020). A temperatura é um dos grandes parâmetros reguladores do plâncton e será o foco deste texto. Em geral, águas mais frias no oceano tendem a ter mais nutrientes que águas mais quentes. Por isso, o fitoplâncton acaba se concentrando nas faixas mais frias de água, buscando seu alimento. Bem no encontro dessas massas de águas de temperatura diferente há trocas de calor que permitem a sua mistura, porém, quanto mais quentes as águas superficiais se tornam, menos mistura há entre as águas superficiais e as águas mais profundas, ricas em nutrientes. Com menos mistura de águas, menos mistura de nutrientes e, à medida que os nutrientes se tornam escassos na superfície, onde o fitoplâncton cresce, a produtividade diminui. Supressão da camada de mistura e diminuição da produtividade do fitoplâncton influenciada pela temperatura. Imagem produzida por Larissa Franklin. Licença CC BY-SA 4.0. Vou explicar: Nesta situação, com água “mais leve” (ou seja, menos densa) no topo e água “mais pesada” (mais densa) abaixo, há pouca mistura vertical e os nutrientes não podem se mover para a superfície. À medida que a água da superfície aquece, a estratificação torna-se ainda mais pronunciada, suprimindo ainda mais a mistura. Como resultado, a transferência de nutrientes das águas mais profundas para as águas superficiais diminui, assim como a produtividade do fitoplâncton. A temperatura do mar é, portanto, um parâmetro oceanográfico que influencia os processos de fotossíntese e metabolismo da biota marinha, interferindo diretamente no seu padrão de distribuição nos mares e oceano. A fertilidade das águas é determinada pelo seu teor de nutrientes, e biologicamente, a estrutura da comunidade planctônica desempenha um papel importante na determinação da riqueza biótica do ambiente marinho. Mas se vemos uma tendência global de aumento das temperaturas do oceano, como no Ártico, uma região fria que está ficando mais quente, tem se elevado a produção de biomassa de fitoplâncton? Figura A - As sub-regiões são delimitadas por linhas pretas usando a isóbata de 1000 m e categorizadas como prateleiras de entrada (verde), interior (laranja) ou saída (roxo). A isóbata de 200 m é mostrada em cinza. As correntes de entrada e saída são representadas como setas verdes e roxas, respectivamente. Figura B - A taxa de variação na Clorofila-a (mg/m3 por ano) entre 1998 e 2018. As sub-regiões são delineadas por linhas cinzas. Pixels pretos indicam que não há dados. Distribuição de Clorofila no Mar de Barents - Ártico Fonte: NASA Earth Observatory - imagem de Joshua Stevens, usando os dados do MODIS do NASA EOSDIS/LANCE and GIBS/Worldview e dados de Lewis, K. M., van Dijken, G. L., & Arrigo, K. R. (2020). Embora as florações ao redor do Ártico sejam comuns, uma nova pesquisa mostrou que a biomassa de fitoplâncton continua a aumentar no Oceano Ártico. Em um artigo recente publicado na Science, pesquisadores da Universidade de Stanford descobriram que a taxa de crescimento da biomassa de fitoplâncton no Oceano Ártico aumentou 57% em 20 anos, um salto sem precedentes na produtividade para uma bacia oceânica inteira. Um dos pesquisadores, Prof./Dr. Kevin Arrigo, fala em seu artigo sobre as mudanças na quantidade de Clorofila a – pigmento usado pelo fitoplâncton para aproveitar a luz solar para fazer alimentos – durante as últimas duas décadas em todo o Oceano Ártico. O autor assinala que nos últimos anos, o Oceano Atlântico tem despejado nas bacias polares águas mais quentes e com maior salinidade do que antes e pontua que, entre 1998 e 2008, o aumento da biomassa de fitoplâncton foi indicado como um resultado de extensões cada vez maiores de águas sem gelo e uma estação de crescimento mais longa - o que justifica não só o aquecimento dos mares, como reafirma que até no Ártico as águas estão ficando mais quentes. As mudanças no sistema ártico também podem ser intensificadas graças aos mecanismos de retro-alimentação, como a quantidade de radiação solar que cada superfície reflete ou absorve, chamado de albedo. Por sua vez o mecanismo de retro-alimentação do albedo ocorre a partir do derretimento do gelo que se transforma em água no estado líquido, que se torna mais escuro e absorve mais radiação/calor ao invés de refleti-lo, como ocorre com o gelo - superfície branca - que reflete mais a radiação. A culpa – ou crédito – deve ser pelo menos em parte para a perda de gelo marinho nos mares periféricos ao Oceano Ártico e o aumento do calor que esses mares periféricos estão enviando para o norte. Dito de outra forma, esses organismos estão metabolizando mais carbono no Ártico simplesmente porque estavam ganhando mais água aberta ao longo de estações de crescimento mais longas, graças às mudanças climáticas na cobertura de gelo. Agora, eles estão ficando mais concentrados, como uma sopa de algas espessa. Portanto, os efeitos das mudanças climáticas em níveis globais estão, por sua vez, diretamente ligados ao boom da biomassa de fitoplâncton no Mar de Barents, localizado no Ártico. Estas mudanças, que já incidem sobre os produtores primários, podem gerar desestabilizações cada vez maiores de toda cadeia alimentar. Como consequência dessas grandes mudanças, várias alterações tem sido cada dia mais observadas/coletadas no ambiente Ártico, a exemplo da concentração de mais de 100 Km de fitoplâncton sob o gelo coletada em 2012 pela mesma equipe de Stanford, algo nunca visto anteriormente. Dentre outras mais comuns como a modificação da transparência e turbidez da água, a alteração na saturação e depleção de oxigênio é outra possível consequência. Durante o período de floração, ocorre nas camadas superficiais dos corpos d'água a saturação de oxigênio, devido a intensa produção fotossintética das algas. Uma vez que essas passam a morrer, ocorre a desintegração da massa de fitoplâncton, com um forte consumo de oxigênio, devido à ação de bactérias aeróbias, que utilizam o oxigênio livre da água na decomposição da matéria orgânica. A depleção - diminuição ou perda - acentuada do oxigênio dissolvido no meio reduz a densidade da fauna bentônica. Assim, o boom da biomassa de fitoplâncton no Mar de Barents pode estar anunciando, previamente, uma catástrofe de grande escala em termos ambientais para a região. Referências ou sugestão de leitura: Garthwaite, J. (2020) A ‘regime shift’ is happening in the Arctic Ocean, Stanford scientists say. Stanford News. Science, Vol 369, Issue 6500, p. 198-202. DOI: 10.1126/science.aay8380 Lewis, K. M. et al. (2020) Changes in phytoplankton concentration now drive increased Arctic Ocean primary production. Science, 369 (6500), 198–202. Mesquita, J. L. (2021) Como a mudança climática pode afetar o fitoplâncton. Mar Sem Fim. Disponível em: https://marsemfim.com.br/como-a-mudanca-climatica-pode-afetar-o-fitoplancton Sobre o/a autor/a: Graduada em Relações Internacionais e Pós Graduada em Gestão Ambiental, atualmente, graduanda em Oceanologia pela UFSB. Entre tantas jornadas, trabalhos, outras graduações e intercâmbios também já passou pela ESPM, COPPE UFRJ, Harvard University, Stand Upet, Instituto Baleia Jubarte e ICMBio Fernando de Noronha. Atualmente, trabalha com modelagem de dispersão de óleo para o Laboratório de Dinâmica Costeira e Experimentação Numérica (LADCEN) da UFSB em parceria com o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE). Entre mergulhos e uma vida juntinha do mar, descobri mais que um hobby, uma profissão muito gratificante. Instagram pessoal: @larissafranklin E-mail: lafranklin23@gmail.com #CiênciasDoMar #Plâncton #Distribuição #ParâmetrosOceanográficos #Temperatura #Salinidade #Fitoplâncton #MarDeBarents #Barents #Ártico #Produtividade #Convidados

  • Linguados: ser diferente é legal também!

    Por Natasha Travenisk Hoff Ilustração de Alexya Queiroz Uma vida acreditando no linguado amarelo e azul da Disney? A realidade é diferente, mas muito (mais) interessante! Não sei da geração Z, mas quem nasceu nas décadas de 1980 e 1990 (os tais millennials) cresceu acreditando que linguado era um peixe amarelo com listras azuis, amigo da Ariel, aquela do filme “A pequena sereia”. Sinto dizer, mas você foi enganada/o! Os linguados que habitam o nosso oceano não se parecem basicamente em nada com aquele linguado do filme, exceto pelo fato de que são todos peixes! A parte boa é que esse texto é para você e, claro, quem mais estiver interessada/o e quiser aprender sobre estes organismos tão curiosos! Os linguados pertencem à Ordem Pleuronectiformes, que engloba espécies de peixes bentônicos com características muito peculiares. São animais que podem ser encontrados principalmente em águas marinhas, ocorrendo também em ambientes transicionais (como os estuários) e, mais raramente, em águas interiores. No Brasil, são conhecidas mais de 50 espécies de linguados. Diferentes espécies de linguados encontrados na costa do estado de São Paulo. Imagens não seguem a mesma escala (Fonte: Arquivo pessoal de Kenzo Omaki e Natasha Travenisk Hoff com licença CC BY-SA 4.0). E o que faz destes animais tão especiais e "diferentões"? Quando apresento um linguado para alguém que não está familiarizado com o tema, a primeira coisa que chama a atenção é o fato destes organismos apresentarem os dois olhos do mesmo lado do corpo e nadarem "deitados" junto ao fundo! Isso reflete uma característica muito peculiar desse grupo de peixes: eles não apresentam simetria bilateral. O que isso significa? Vamos exemplificar... Nós, seres humanos, temos um braço, uma perna e uma orelha de cada lado do corpo, ou seja, se traçarmos uma linha (ou eixo) dividindo o corpo em dois lados iguais, encontraremos as mesmas estruturas. Assim, dizemos que nós somos simétricos bilateralmente. O mesmo não acontece com os linguados, que possuem o corpo achatado lateralmente. Quadro apresentando diferentes padrões de simetria bilateral observado em humanos e peixes (exemplificado aqui pela cabrinha Prionotus punctatus) e da assimetria vista nos linguados (Fonte: Natasha Travenisk Hoff com licença CC BY-SA 4.0). Se prestarmos mais atenção, vemos que a coloração e as nadadeiras também são diferentes em cada lado, inclusive os otólitos (exemplo de otólitos direito e esquerdo de uma mesma espécie)! Lados direito e esquerdo de um linguado da família Paralichthyidae, onde se pode observar os dois olhos no lado esquerdo (acima), que também é pigmentado. Embaixo, a vista do lado direito do mesmo linguado, na qual, além da ausência dos olhos, também vemos falta de pigmentação (Fonte: Arquivo pessoal de Francesco Chioatto, com licença CC BY-SA 4.0). E vocês acham que os linguados já nascem assim? Aqui é talvez a parte mais impressionante… As larvas destes organismos são planctônicas e, quando eclodem, são simétricas como as demais. Ao longo do seu desenvolvimento, um dos olhos migra para o outro lado (Vídeo). Se é o olho direito que migra para o lado esquerdo ou vice-versa, isso é algo característico de cada família. Desenvolvimento da larva de linguado, ao longo do qual ocorre a migração dos olhos. Outra característica interessante dos linguados, que não está relacionada à sua simetria, é a capacidade de se camuflar, seja se enterrando na areia, seja alterando sua coloração. Neste segundo caso, as mudanças de cor e padrão são alcançadas alterando-se a visibilidade relativa dos cromatóforos (estruturas que contêm pigmento). Essas mudanças podem ocorrem em segundos ou até ser finalizadas em alguns dias, dependendo da espécie e da localidade! Uma camuflagem efetiva tem a vantagem de aumentar o sucesso de sobrevivência destes animais tanto como predadores, quanto na sua habilidade de se esconder de potenciais predadores. Linguado enterrado na água (Fonte: Arquivo pessoal - Natasha Travenisk Hoff, com licença CC BY-SA 4.0). A carne de linguado costuma ser muito apreciada e muitos conhecem os linguados pela vantagem de serem "só filé", mas poucos sabem a razão disso e, muito menos, sabem que "linguado" é um nome popular que se refere a muitas espécies de peixes. Portanto, quando compramos ou comemos um linguado, a verdade é que não fazemos ideia do que estamos consumindo! Isso compromete, inclusive, a avaliação dos estoques pesqueiros e do estado de conservação das espécies. Apesar dessas complicações, há ainda uma das espécies, conhecida também como solha (Achirus mucuri), classificada como vulnerável de acordo com a lista de espécies ameaçadas do Brasil, baseado em avaliação finalizada em 2013 (dê uma olhada nas referências listadas ao final do texto), enquanto é descrito que não há dados suficientes para a avaliação do estado de conservação em São Paulo - isto considerando que este é o estado que possui maior acompanhamento das pescarias, realizado pelo Instituto de Pesca! Pois é, agora que você já conhece esses bichos tão incríveis, espero que na próxima ida ao mercado ou restaurante, você os veja com novos olhos! Referências ou sugestão de leitura: Akkaynak, D.; Siemann, L.A.; Barbosa. A.; Mäthger, L.M. 2017. Changeable camouflage: how well can flounder resemble the colour and spatial scale of substrates in their natural habitats? Royal Society Open Science, 4: 160824. http://dx.doi.org/10.1098/rsos.160824 Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade [ICMBio]. 2018. Livro vermelho da fauna brasileira ameaçada de extinção. 492 p. ICMBio, Brasília, Brasil. ISBN: 978-85-61842-79-6 São Paulo. Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo. Decreto nº 63.853, de 27 de novembro de 2018. Disponível em: https://www.al.sp.gov.br/repositorio/legislacao/decreto/2018/decreto-63853-27.11.2018.html #Descomplicando #Linguado #Peixes #Oceanografia #BiologiaMarinha #CiênciasDoMar #DivulgaçãoCientífica #NatashaHoff

  • Contando histórias de vida pela pesca: do indivíduo à população

    Por Maria Luiza Leal de Paula Quem faz parte da construção do conhecimento sobre a pesca e o pescado? Ilustração de Luiza Soares Chamar peixe de indivíduo só poderia ser coisa de biólogo mesmo. Trabalhar com estatística pesqueira tem suas maluquices: dias e mais dias resolvendo os códigos para, enfim, obter a análise que se quer; depois, mais dias escolhendo qual gráfico melhor representa o que você encontrou; e um dia ou outro vivendo as grandes alegrias da coleta de dados, vendo peixes de verdade. Mas como é que se responde à família a famosa pergunta: “o que você estuda?”. É nesse momento que a gente transforma todos os números nas histórias de vida que a pesca pode contar. Aqui, não estamos falando de um, ou dezenas ou centenas de peixes. Nessa pesquisa, eu trabalhei com dados de comprimento de um milhão e quinhentos mil peixes de três espécies diferentes pescados no litoral sudeste brasileiro. É muito peixe e muita gente envolvida em todo esse processo, da coleta ao tratamento dos dados, trabalho que foi feito por pesquisadores e monitores de pesca do Instituto de Pesca de Santos desde 1960. Cada um desses peixes, que agora podemos começar a chamar de indivíduos, foi medido em seu comprimento total em alguma indústria, terminal pesqueiro ou comunidade pesqueira que permitiu que isso fosse feito logo após a chegada do barco e desembarque dos recursos pescados. Figura 1: Trabalho de funcionários e pesquisadores na mensuração dos peixes capturados. (Foto de Instituto de Pesca, licença CC BY-SA 4.0.) Eu poderia parar a história por aqui e já estaria fascinada o suficiente, pois conhecer todos os agentes humanos desse trabalho é complexo e especial. Encontrei-me com mestres de grandes barcos aos quais nos dirigíamos com uma postura de respeito e cuidado. Tinham também funcionários que eram chamados para trabalhar por dia para a separação e processamento do pescado, dia esse que era mistério tanto para eles quanto para nós que aguardávamos para coletar o nosso material de pesquisa, e tudo dependia do tempo, do mar e, claro, do mestre. Os pescadores artesanais levavam vidas mais simples e nos acolhiam com um carinho de quem se conhece há anos, mas estávamos ali por apenas 30 minutos. E tinham ainda meus colegas de trabalho, pesquisadores como eu ou funcionários do Instituto de Pesca, que mostravam desenvoltura para lidar com as particularidades de cada um dos diferentes dias e tarefas de quem trabalha com pescado (Figura 1). Alguns desses colegas eu não encontrei pessoalmente, mas sinto que conheci ao tocar nas folhas amarelas de décadas atrás escritas a mão contendo as informações de trabalhos de campos realizados. Dessas fichas, sei que muitas foram escritas por pesquisadores muito importantes para os estudos da pesca no Brasil, como a Anna Emília Amato de Moraes Vazzoler, e as caligrafias denunciavam seus cuidados minuciosos em inserir tudo o que se podia naquele pedaço de papel. Uma vez medidos, os peixes viram números, e cada um desses números significa alguma coisa para a história de vida dessas espécies. Com os comprimentos, inferimos as idades desses indivíduos e obtemos então um retrato da porção da população que aquela pesca retirou do mar. Será que temos mais indivíduos jovens sendo pescados? Mais indivíduos na idade adulta? Qual a longevidade que devem atingir? E para concluir tudo isso precisamos conversar com outros ictiólogos que estudam sobre a biologia desses peixes, utilizando das informações que as gônadas ou os otólitos (se você não se lembra deles, dá uma conferida nos textos da Claudia Namiki e da Natasha Hoff), por exemplo, nos contam sobre os períodos de desenvolvimento desses animais. Então, imagine que sabemos a idade de peixes pescados hoje, no mês passado, há 3 anos, há 10 anos e até há 60 anos! Nos questionamos, portanto, se a pesca está pescando como se pescava anteriormente, e se essa flutuação nos conta sobre a sustentabilidade dessas capturas. Por exemplo, se notarmos que estamos retirando do mar indivíduos cada vez menores e mais jovens, entendemos que não estamos dando tempo para esses peixes crescerem, se reproduzirem e, dessa forma, perpetuarem sua existência nesse ambiente. Tal existência é importante para nós também, que utilizamos desses organismos como fonte de recursos e alimento. Figura 2: Espécies analisadas: Macrodon atricauda (pescada foguete), Cynoscion jamaicensis (goete) e Micropogonias furnieri (corvina), respectivamente. (Fotos: Instituto de Pesca, licença CC BY-SA 4.0.) Entre as espécies que pesquisei, a pescada foguete (Macrodon atricauda, Figura 2 superior) e goete (Cynoscion jamaicensis, Figura 2 meio) apresentaram estabilidade nos parâmetros de crescimento ao longo dos anos, com um aumento no comprimento máximo teórico e diminuição na taxa de crescimento nos anos mais recentes. Já a corvina (Micropogonias furnieri, Figura 2 inferior) mostrou aumento na longevidade nos últimos anos analisados. O que poderia ser entendido como uma melhora nas condições dessa população de peixes, já que estariam se desenvolvendo mais, na verdade indica que a pesca está se direcionando para outro local agora. Essa movimentação decorre da criação da Área de Proteção Ambiental Marinha no litoral do Estado de São Paulo, que baniu a atividade dos barcos de parelhas em partes da costa, obrigando-as a atuarem em águas mais profundas e mais ao sul, onde os peixes crescem mais lentamente e atingem maiores comprimentos. Esse tipo de pesca, a parelha, utiliza de dois barcos que arrastam juntos uma rede pelo fundo do mar com pouca seletividade e prejudicando também os habitats ali presentes. Nas corvinas, observei também o aumento da porcentagem de indivíduos jovens capturados, o que indica a necessidade de um estudo a respeito da seletividade das parelhas para evitar que esses peixes não sejam retirados do mar antes de deixarem seus descendentes. Essas valiosas informações podem servir de instruções para o direcionamento das políticas públicas de pesca, que devem trabalhar integrando tanto o conhecimento sobre o pescado, quanto sobre os pescadores em suas mais diversas categorias, e a demanda comercial desse recurso. Essa tarefa nada simples fica ainda mais comprometida quando sabemos que a coleta de dados, como a que é feita pelo Instituto de Pesca no estado de São Paulo, é raridade no país. Não existem acervos tão grandes como esse em outras regiões, que abranjam tantas espécies ao longo de tanto tempo, e agora você já sabe as consequências disso. Como saberemos se a pesca está impactando muito ou pouco, dentro do normal ou fora deste, se não tivermos referencial de outros momentos para comparar e entender as pressões pesqueiras já vividas por essas espécies de peixes? Por isso seguimos cientistas, com olhar atento à natureza e aos indícios que ela nos mostra sobre os impactos que nela exercemos; cidadãos, articulados na cobrança e verificação do incentivo a produção de conhecimento no país e a gestão das atividades humanas; e humanos, com o cuidado de enxergar tudo que está envolvido nessa prática tão tradicional e importante ao nosso país, que é a pesca. Sugestões de leitura: CARNEIRO, Marcus H. 20007. Diagnóstico dos recursos pesqueiros marinhos, Cynoscion jamaicensis, Macrodon ancylodon e Micropogonias furnieri (perciformes: sciaenidae), da região sudeste-sul do Brasil entre as latitudes 23° e 28° 40 S. Tese de doutorado em Ciências Biológicas na Universidade Federal de São Carlos. HAIMOVICI, Manuel; CAVOLE, Leticia M.; COPE, Jason M.; CARDOSO, Luís Gustavo. 2021. Long-term changes in population dynamics and life history contribute to explain the resilience of a stock of Micropogonias furnieri (Sciaenidae, Teleostei) in the SW Atlantic. Fisheries Research. 2021. Doi: 10.1016/j.fishres.2021.105878. SANTOS, Rosa. S.; COSTA, Marcus. R.; ARAÚJO, Francisco. G. 2017. Age and growth of the white croaker Micropogonias furnieri (Perciformes: Sciaenidae) in a coastal area of Southeastern Brazilian Bight. Neotropical Ichthyology. Doi: 10.1590/1982-0224-20160131. KING, Michael. 2007. Fisheries Biology, Assessment and Management. Wiley–Blackwell 2007. Doi:10.1002/9781118688038. Sobre a autora: Me chamo Maria Luiza Leal de Paula, tenho 24 anos, sou uma mulher cis parda e moro em São Paulo capital. Sou Bióloga pela Universidade de São Paulo e escolhi essa profissão porque sempre fui apaixonada pela vida marinha. Sou mergulhadora desde a adolescência e ver o fundo do mar sempre me pareceu visitar um outro universo de um encantamento particular e incomparável. Logo no começo da graduação me envolvi com estágios voluntários buscando trabalhar com tartarugas marinhas e nesse campo tive oportunidade de participar de monitoramentos de pesca que interagiam com esses animais. Me apaixonei pelos momentos em que pude conversar com pescadores e entender suas relações com o ambiente, e foi quando decidi que gostaria de estudar pesca. Iniciei minha pesquisa em pesca trabalhando com idade, crescimento e mortalidade de três espécies comerciais de peixes junto ao Instituto de Pesca de Santos, onde realizei a minha Iniciação Científica. Agora me encontro no início do caminho do mestrado em Ecologia, em que estudarei ferramentas para implementação de manejo participativo em comunidades de pesca artesanal na Bahia. E claro, como a vida não se resume a trabalho (por mais que eu ache o meu encantador), vivo a vida dançando e tocando por aí. O samba corre nas minhas veias desde pequenininha e espero tocar em uma escola de samba no carnaval de 2023. Nas horas vagas, espero ser encontrada em forrós ou rodas de conversas com os amigos, ou dando uma fugida para um cantinho com natureza para manter a sanidade mental de quem vive na cidade grande. maria.lealdepaula@gmail.com @marialu.depaula #CiênciasDoMar #Pesca #Pescado #EstatísticaPesqueira #PolíticasPúblicas #Biologia #OceanografiaPesqueira #BatePapoComNetuno

  • A relação de uma alga, um ciliado, uma mãe e sua filha

    Por Yonara Garcia Ilustração: Joana Ho No oceano, existe uma interessante associação entre duas espécies: a microalga planctônica Chaetoceros coarctatus e o ciliado Vorticella oceanica. Esta microalga pertence ao grupo das diatomáceas - um dos mais abundantes e ecologicamente importantes - responsáveis por aproximadamente 40% da produtividade primária marinha. Encontrado em ambientes marinhos tropicais e subtropicais, os Chaetoceros coarctatus formam cadeias, geralmente longas, com cerca de 25 a 40 células, além de possuírem setas intercalares e terminais curvadas em direção à extremidade posterior (figura A). Esta espécie de diatomácea planctônica é comumente encontrada em associação com o peritríqueo ciliado Vorticella oceanica, um organismo epibionte que se adere sobre a microalga por meio de um pedúnculo (figura B). São suspensívoros, ingerindo bactérias, fitoplâncton e detritos orgânicos, por meio de seus cílios orais. Chaetoceros coarctatus em associação com Vorticella oceanica. Foto de Yonara Garcia, licença CC BY 4.0. Em microrganismos planctônicos, a motilidade (ou seja, a capacidade do organismo se mover) está ligada a diversos fenômenos importantes, como por exemplo, a migração vertical. Para o fitoplâncton, a motilidade permite que as células se desloquem para regiões mais profundas durante a noite, onde os nutrientes limitantes são abundantes e há menor risco de predação e, durante o dia, permaneçam em águas superficiais com disponibilidade de luz. As diatomáceas não possuem estruturas que permitem seu deslocamento na coluna de água, como cílios e flagelos, fazendo com que este grupo desenvolva diversas estratégias. No caso da associação Chaetoceros-Vorticella, a motilidade ocorre, basicamente, em função da produção da corrente alimentar pelos ciliados aderidos à cadeia de microalgas, ou seja, enquanto os ciliados se alimentam ocorre o deslocamento de toda associação na coluna de água. Para os ciliados de vida livre, a motilidade é considerada aleatória, para aumentar a probabilidade de detecção de presas. Ao detectarem uma fonte alimentar por um estímulo mecânico ou químico, por exemplo, os ciliados têm a capacidade de modificar seu movimento, alterando a velocidade de natação e a direção do movimento. Assim, a locomoção em ciliados ocorre em resposta a uma combinação de estímulos abióticos e bióticos (como intensidade de luz e disponibilidade de alimento) que proporciona maior acesso a regiões com condições mais adequadas de sobrevivência. Desta forma, de acordo com estudos realizados, pode-se sugerir que a associação Chaetoceros-Vorticella permite a esta diatomácea cêntrica uma motilidade ativa na coluna de água através de sua “carona” no peritríquio ciliado, fazendo com que se beneficiem de áreas com maior disponibilidade de nutrientes inorgânicos, importantes para a produção fotossintética, além de um maior deslocamento para todos os organismos envolvidos nesta simbiose. Mas aqui você já deve estar se perguntando o porquê do título do post, qual a relação disso tudo com uma mãe e sua filha?! E aqui começamos essa viagem… Em 2019, eu engravidei. Antes de saber que estava grávida achei que estava com algum déficit de vitamina, pois me sentia tão cansada, com tanto sono e sem energia para as atividades que eu realizava normalmente. Quando descobri o motivo de todas as mudanças, comecei a associar aquele bebê, que se desenvolvia no meu útero, com um parasito. Não tinha nada de positivo para mim naquela simbiose que se iniciava, pois sugava minhas energias. Mas ao refletir, imagino que as associações que ocorram na natureza talvez comecem como um incômodo. Uma hora você está ali tentando sobreviver e do nada surge um outro ser grudado em você. Até começar a dar certo, a fazer sentido, passa por um período de adaptação. E assim foi comigo e minha filha. No início, uma parasitinha e, com o passar do tempo, nossa simbiose foi se modificando. Minha gravidez não foi muito fácil, não pelo bebê que foi bem tranquilo de modo geral, mas por todas mudanças que ocorreram na minha vida, todo o pânico de virar mãe no momento que eu não me sentia pronta profissionalmente, me sentia uma hipócrita por defender mulheres e maternidade na ciência e ao sentir todo peso disso nas costas, não consegui ir contra o sistema, me julguei, senti vergonha naquele primeiro momento, como se falar que eu estava grávida fosse um fracasso. Isso tudo contribuiu para eu não ter uma gravidez romantizada, que sempre vemos nas redes sociais. Até que chegou o dia em que a Mia nasceu. Lembro até hoje de, ao pegá-la, sentir aquela pele lisinha e quentinha, com aqueles olhinhos de jabuticaba me encarando… acho que foi ali que começou a acontecer algo diferente. E, devagar, eu fui aprendendo a amar aquele ser. Eu tive todos os dias mais lindos de Ubatuba para registrar esse meu momento, mas foi em um dia nublado, já no nono mês de gravidez, que uma querida amiga, com toda delicadeza e sensibilidade, tirou fotos lindas minha. Para mim, foi o dia perfeito. Foto de Elisa Menck. Acho que aqui nossa associação foi estabelecida. Claro que haviam dias que me sugava, como noites sem dormir, amamentação dolorosa, mas já era diferente. Assim como ocorre na associação Chaetoceros-Vorticella, quando há alguma perturbação, apesar de estabelecida a simbiose, a Vorticella abandona a cadeia de Chaetoceros e parte para nadar livremente. Ainda não se sabe se elas são capazes de se assentar em um novo substrato, mas é um recurso de sobrevivência do ciliado. Nesse caso eu não fugi, mas recorri à minha rede de apoio, que foi fundamental no meu processo. Todo esse início foi muito difícil. Parar a minha vida completamente para me dedicar a um bebê, entrar em uma pandemia, estar de volta à casa dos pais esperando toda essa onda de incertezas passar, enfrentar problemas familiares, perder pessoas e animais queridos, enfrentar questões internas, enfrentar questões que eu jamais imaginava passar… a sensação era de que 2020 nunca fosse terminar. Até que o ano de 2022 foi se desenrolando e eu fui conseguindo abrir algumas portas, com muito mais cautela, talvez um pouco de medo, mas abri. Decidi continuar a carreira acadêmica e fazer doutorado. Procurei a dedo um(a) orientador(a) que pudesse ler logo nas primeiras linhas do e-mail “Oi, eu sou mãe” e mesmo assim abrisse a porta pra mim em um sistema que ainda não está preparado para receber essa classe de pesquisadoras. Achei essa pessoa, apresentei o projeto para uma banca, passei por todo o processo que ocupou muito meu tempo naquela semana e me deixou com um caminhão de culpa por não ter tido tempo para minha filha naqueles dias. Mas era preciso. O processo acabou, e eu passei. Após enviar o último documento para a secretaria da pós-graduação, eu sentei e chorei… sequei as lágrimas e fui brincar com a Mia no jardim. Nossa associação já não é mais pesada como no início. Ela agora me dá forças, me dá leveza (não estou dizendo que seja fácil!), já não tenho mais vergonha ou medo de falar que sou mãe pra quem quer que seja. A associação Chaetoceros-Vorticella foi o objeto de estudo do meu mestrado. Eu queria entender como essa motilidade que a associação trazia para os organismos envolvidos poderia beneficiar as espécies, bem como avaliar a relevância ecológica desse comportamento. E entre as observações que tive a partir dos experimentos realizados em laboratório e de outros estudos publicados, uma é bem interessante. O comportamento natatório desta associação pode ter consequências para a agregação dos organismos no ambiente marinho, por intermédio da formação de camadas finas. Este fenômeno é comum em águas costeiras estratificadas. Em resposta a processos biológicos ou físicos, a camada é formada por aglomeração do fitoplâncton em manchas discretas na coluna de água com espessura variando de alguns centímetros a poucos metros, extensão horizontal de vários quilômetros e pode persistir por dias. Estas camadas possuem uma grande importância ecológica, já que podem representar um “hotspot” de interações biológicas, estando frequentemente associadas com alta abundância de bactérias, zooplâncton e peixes. Contudo, algumas camadas são formadas por espécies de fitoplâncton tóxicas, refletindo em menores concentrações de zooplâncton quando relacionadas às camadas adjacentes. Neste caso, a camada pode fornecer uma vantagem seletiva para estas espécies de algas, fazendo com que a camada seja vista como um refúgio contra a predação. Assim, em termos de submesoescala (escala dos movimentos que ocorrem na camada de mistura do oceano, que varia em escalas espaço-temporais da ordem de 1-10 km em períodos de poucos dias), este estudo sugeriu que o deslocamento realizado pela associação Chaetoceros-Vorticella pode contribuir para a formação de camadas finas, levando à formação de hotspots de atividade biogeoquímica e de interações tróficas. No entanto, esta hipótese necessita de validação experimental e, idealmente, de observações de campo. Além disso, em regiões oligotróficas, epipelágicas e estratificadas, a associação com Vorticella pode ser um dos fatores que garante o sucesso desta diatomácea sob condições ambientais que seriam de outra forma adversas para espécies do microfitoplâncton. A motilidade possibilita à diatomácea atingir regiões com maior disponibilidade de nutrientes e, em contrapartida, os ciliados teriam uma maior probabilidade de detectar partículas alimentares em maior concentração e ainda obter proteção contra a predação. Neste ano de 2023, eu e minha filha, que agora está com 3 anos, estamos nos mudando para Santos, São Paulo, para eu iniciar efetivamente meu doutorado na UNIFESP (Universidade Federal de São Paulo). Estou com frio na barriga de me mudar para outro estado, para uma cidade que não conheço, sem minha rede de apoio diária. Mas, agora, nossa associação já está estabelecida. E se encontrarmos um oceano oligotrófico pela frente, iremos desenvolver estratégias para criar nosso próprio hotspot. A jornada não vai ser fácil, mas estou ansiosa para nadarmos juntas. #MulheresNaCiência #Plâncton #Diatomácea #Oceano #BiologiaMarinha #Maternidade #Simbiose #YonaraGarcia

  • Prazer, Bolsista CAPES

    Por Luiza Soares Arte por Luiza Soares Prazer, Sou bolsista CAPES. Talvez vocês já devam estar sabendo por aí da notícia de que eu não receberia meu salário este mês, pois a verba destinada ao pagamento de 14 mil residentes e 100 mil bolsistas CAPES foi congelada pelo atual governo. O sentimento que me definiu (e ainda define) quando soube da notícia foi de frustração. Veja bem, me mudei para São Paulo e entrei para o mestrado no Programa de Pós-Graduação do Instituto Oceanográfico da USP no início desse ano e, contrariando todas as previsões de cortes, fui selecionada para receber bolsa da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES). Recebo exatamente R$1500,00 mensais (o valor da bolsa para doutorado é de R$2200,00), valor esse, vale ressaltar, que não sofre reajuste desde 2013. Trabalho das 9 às 18 horas de segunda a sexta, isso quando não tenho que estender até às 19, 20, 21 horas ao chegar em casa. Ah! Muitas vezes tenho que trabalhar aos finais de semana também para cumprir prazos e demandas que não serão cumpridos sozinhos. Te falei que não recebo décimo terceiro? Pois é… Também não tenho férias, plano de saúde, muito menos segurabilidade social. Esqueci outro detalhe importante: sou contratualmente proibida de ter vínculo empregatício. Ou seja, minha renda depende exclusivamente da mísera bolsa de R$1500,00 que, por direito, eu deveria receber da CAPES. E não me entenda mal. Essa realidade é conhecida por nós, pesquisadores, desde que colocamos o pé na academia, mas isso não nos tira o direito de clamar por condições melhores e justas, concorda? Não é raro nas conversas entre colegas surgir a seguinte reclamação: “Poxa… consegui me organizar financeiramente esse mês, mas fiquei doente e gastei uma nota na farmácia que irá me fazer falta no fim do mês”. O engraçado (leia-se, trágico) é que nossa bolsa independe de organização financeira. Ela simplesmente não abarca imprevisibilidades. Ficou doente? Vai ter que gastar um dinheiro que não tem. A geladeira quebrou? Vai ter que gastar um dinheiro que não tem. Mercado caríssimo? Vai ter que gastar um dinheiro que não tem. Lazer? Esquece! Custo de vida alto em São Paulo, aluguel e contas para pagar e sua bolsa sofre ameaças de corte? Que pena, vai ter que se virar. Vivemos no limite sempre! Na manhã em que as notícias de corte pipocaram, acordei e, como de costume, fui tomar meu café da manhã. Foi fácil perceber que logo logo eu teria que fazer uma ida ao mercado. Imediatamente começou a passar pela minha cabeça planos A, B, C e D referentes a essa situação: passo todos os meus gastos deste mês no cartão de crédito, contando com o retroativo de janeiro de 2023 que talvez nunca chegue? Empresto dinheiro de familiares? Tiro dinheiro do cofrinho destinado a outros fins? Por aí vai... Acho bom enfatizar que minha situação nem é das piores. Imagine quem, além de se sustentar unicamente com a bolsa, precise sustentar um filho, a família, um ente enfermo. Imagine só quem está a quilômetros e quilômetros de distância da família e se mudou para outra cidade ou estado com o intuito de realizar sua pesquisa de Pós-Graduação e, no final do ano, quando todos já estamos esgotados, recebe mais esse golpe baixo. Sinceramente… é chutar cachorro morto. Não basta nossas condições serem precárias, nosso trabalho ser desvalorizado, precisaríamos aguentar mais essa. Graças a mobilização dos Pós-Graduandos, universidades e órgãos responsáveis afora, esse mês passaremos ilesos. Poderemos respirar aliviados. Mas e no próximo mês? Estamos assegurados? E nos próximos anos? Nosso salário continuará sem reajuste? Continuaremos vivendo no limite financeiro? Infelizmente, muitas perguntas e poucas respostas. Ainda sim, continuarei realizando a minha pesquisa da melhor forma que conseguir. Abraço forte a todos os Pós-Graduandos desse Brasil. Seguimos atentos. #VidadeCientista #BolsaCAPES #Cortes #Ciência #Pagueminhabolsa #LuizaSoares

  • Se for preciso, olhe além! Veja as possibilidades, crie a oportunidade

    Por Jéssica Matos Ilustração por Alexya Queiroz Apesar de simpatizar com a matéria de biologia no ensino médio, nunca pensei que na faculdade cursaria ela. Eu acreditava que medicina veterinária seria o meu caminho. Veterinária, era o que eu falava desde criança que eu seria. Em 2011, fui morar em Benevides, na região metropolitana de Belém/PA, e nesse período, eu me inscrevi no curso de medicina veterinária na Universidade Federal Rural da Amazônia (UFRA). Uma semana antes da prova, lembro que houve um problema com a inscrição de várias pessoas e tivemos que ir até à UFRA resolver. Eu fui e, quando cheguei lá, minha paixão por aquele lugar só aumentou. Era aquilo que eu queria fazer. Chegou o dia da prova. Me informei sobre como pegar o ônibus para o local indicado, e lá fui eu em busca do meu sonho. Já dentro do ônibus, comecei a perceber que estava demorando muito, as pessoas descendo, mas nada de chegar no local da prova, e o horário já estava ficando apertado. Levantei e finalmente perguntei ao cobrador sobre onde era aquele local, e ele me falou que eu estava indo na direção contrária. Eu tinha pegado o ônibus certo, mas na direção errada. Chegamos no final da linha do ônibus. Eu não conseguia parar de chorar. O cobrador se comoveu com a minha situação e me disse pra voltar no próximo ônibus com ele e que eu não precisava pagar. Agradeci muito e voltei o caminho todo bem triste. 2012, novo ano, nova oportunidade. Entrei no cursinho pra me preparar bem. Mas dessa vez não seguiria com a medicina veterinária, iria fazer biologia. Meu pai disse que não tinha como me manter em Belém, então tive que escolher um curso que tivesse na minha cidade, e entre as opções a que eu mais me identificava era a biologia. Deu tudo certo! Passei no vestibular, fiquei imensamente feliz e foi a melhor decisão que tomei. Conheci novas pessoas, fiz novas amizades, adentrei um mundo novo. Estava muito contente com tudo. Meu tempo na faculdade foi maravilhoso até um certo momento. Entrei em um programa de mobilidade acadêmica e consegui ir para uma outra universidade pública, só que em Natal, no Rio Grande do Norte. Tive muitas experiências positivas lá, mas também tive algumas ruins, e essas me deixaram bem deprimida. Passei um ano em Natal e quando voltei no início de 2017, tive que adentrar uma turma diferente. Eu não me sentia mais a mesma. Muita coisa tinha mudado. Mas eu dei o melhor que eu podia naquela nova etapa. Em 2018, me formei com excelência, mesmo com todos os percalços pós-viagem. Mas depois disso, eu me sentia perdida, não sabia o que iria fazer da vida. Na metade de 2018 até o final de 2019, eu passei a vender cosméticos, e isso me deu um novo brilho no olhar, um recomeço. Mas não era isso que eu realmente queria fazer. Não queria deixar para trás anos de dedicação a algo que eu passei a amar. No início de 2019, fui para Salinas/PA passar um tempo com a minha mãe que mora lá. Ela mora bem em frente a uma escola de ensino fundamental e médio. Não demorou muito, falaram que eu era bióloga e que poderia somar com um projeto que eles tinham lá. Foram 3 meses intensos e felizes que vivi nesse projeto. Eu era instrutora de biologia e educação ambiental. Eu me sentia viva fazendo isso e comecei a perceber que aquilo me deixava muito feliz. Aula sobre a vida marinha com uma parte da turma do projeto na praia do Maçarico - Salinas/PA (Foto de Jéssica Matos, licença CC BY-SA 4.0). Eu estava vendo os resultados do meu trabalho e isso era melhor ainda. Minha mãe sempre disse que eu tenho jeito para ser professora. Eu também sentia isso. Mas era diferente. Eu não tinha vontade de ensinar dentro de uma sala de aula; tinha vontade de poder ensinar em qualquer lugar além de um espaço fechado. Passar pela experiência desse projeto me fez ver que haviam outras possibilidades dentro da biologia, que não era somente ser uma docente ou pesquisadora, mas que eu poderia levar meu conhecimento para além disso, de outras formas. Eu ainda não tinha muito claro o que faria. Mas a primeira coisa que pensei foi em oferecer cursos práticos que levassem as pessoas para os ambientes que estaríamos estudando. Elas aprenderiam sobre a importância de tal ecossistema e, ao mesmo tempo, estariam inseridas nele, vivenciando tudo de perto. Coloquei tudo no papel e planejei como seria. Pesquisei um provável nome que não tivesse registro ainda e me encontrei com a EcoSolux (http://www.instagram.com/eco.solux/). Chamei duas amigas que eram bem engajadas com cursos e em janeiro de 2020 começamos a empreender. Nossa primeira parada: um curso oferecido pelo próprio projeto onde tive aquela experiência que me marcou de forma positiva. Em março de 2020, fomos ministrar nosso primeiro curso em Salinas. Após a primeira aula, a pandemia chegou. A cidade parou e interditou os acessos. Minha amiga conseguiu voltar para Bragança (PA). Eu não consegui. Fiquei em Salinas por quase 4 meses. Não sabia o que seria da EcoSolux. Parecia que tinha acabado. As meninas não deixaram eu desistir. Elas me falaram que aquilo era um sonho meu, era algo que me fazia feliz. Pelo resto do ano, agora o que seria uma empresa, parou completamente. Início de 2021 - pensamos em novas estratégias, então começamos a vender produtos reutilizáveis com o intuito de minimizar o uso de plásticos descartáveis, que mal são usados e logo descartados. O foco passou a ser então a busca por soluções sustentáveis para a redução da geração de resíduos, já que há um problema imenso com a falta de gestão de resíduos no nosso município. Passamos por uma mentoria de negócios e esse foi um momento de clareza diante do negócio que estávamos colocando para funcionar. A partir dos produtos, fomos alcançando instituições de ensino, hospitais e outros projetos. Fomos estabelecendo parcerias e, hoje, estamos com vários projetos em andamento, que estão trazendo impactos socioambientais positivos para a nossa cidade. Em breve ofereceremos um serviço de assinatura de compostagem. Momento descontraído da gravação de matéria para o Festival do Rio Ouricuri (Foto de Jéssica Matos, licença CC BY-SA 4.0). Quando olho para trás, percebo que tudo que aconteceu até o dia de hoje, foi realmente necessário para que a EcoSolux existisse como é agora. Hoje eu me sinto muito feliz empreendendo dentro da área que eu não escolhi a princípio, mas que foi se tornando essencial na realização de sonhos maiores. A biologia, assim como outras áreas, podem perfeitamente entrar no mundo do empreendedorismo social, de negócios de impacto, porque elas visam buscar soluções para problemáticas socioambientais que vivenciamos no nosso cotidiano. Às vezes é necessário que a gente se permita vivenciar coisas novas, para que surjam novas oportunidades. Hoje, eu vejo que o empreendedorismo de impacto social se encaixa em qualquer lugar: dentro de uma universidade, dentro de uma escola, dentro de uma comunidade, realmente em qualquer lugar. Se existe um problema, existe uma solução a ser criada. E aí, precisamos de pessoas dispostas e com condições de correr atrás dessa resposta, e não só encontrá-la, mas transformá-la em um negócio que impacte a vida das pessoas e do ambiente em que vivemos. Sobre a autora: Formada em Licenciatura em Ciências Biológicas pela Universidade Federal do Pará (UFPA), especialista na área de Gestão e Docência do Ensino Superior (Estácio), Fundadora e Gestora da empresa EcoSolux, associada fundadora da Associação Brasileira de Compostagem (ABCompostagem), membro do Movimento dos Focolares, membro da EcoOne, rede mundial de profissionais das ciências ambientais. Em 2021, teve seu primeiro contato com ecossistemas de inovação e empreendedorismo sustentável, participando do Programa Inova Up, iniciativa da Fundação Vale com implementação pelo Centro de Empreendedorismo da Amazônia. Atualmente, participa do Inova Amazônia, primeiro programa do Sebrae lançado com foco no desenvolvimento de negócios que visam a Bioeconomia na Amazônia. Amante das águas, sejam do rio ou do mar. Desde criança sempre gostou desse contato com a natureza. Hoje, não só valoriza as águas, como também busca proteger ela através da educação ambiental. #Convidados #VidaDeCientista #Biologia #Empreendedorismo #Bioeconomia

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